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“O impacto da greve não é imediato, mas alinhou setores da população que estavam dispersos”

Para o cientista político Adrian Lavalle "é espantoso que o Governo esteja utilizando a destituição de Dilma como se ele tivesse recebido um mandato"

Adrian Lavalle, cientista político
Adrian Lavalle, cientista políticoDivulgação

A despeito da popularidade em baixa, e de críticas às reformas trabalhista e previdenciária por parte de setores da sociedade, o Governo Temer mantém seu cronograma de pautas no Congresso com sucesso. Sexta-feira, 28, a greve geral chamada por centrais sindicais em diversos estados brasileiros representou um teste de força para o avanço das reformas encabeçadas pelo Governo. Adrian Lavalle, cientista político da Universidade São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), conversou com o EL PAÍS para comentar as movimentações sociais e o impacto que elas podem causar no andamento político de Brasília. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Pergunta. Segundo pesquisa divulgada nesta semana pelo Instituto Ipsos, o apoio ao Governo Temer caiu para cerca de 4%, enquanto 92% dos brasileiros acham que o país está no rumo errado. Qual é o impacto real que esses índices têm sobre Brasília?

Resposta. Não existe nenhuma regra automática de conversão dos clamores populares na atuação dos políticos. Enquanto o mundo da política tem suas próprias regras, lógicas e interesses, os atores sociais com capacidade de mobilização também. Esses universos só se encontram quando as ruas vão de encontro aos interesses políticos, como aconteceu no caso do impeachment de Dilma Rousseff. Naquele caso, os políticos se arvoraram no papel de intérpretes dos anseios populares. Agora, o discurso mais comum é que as mobilizações, como as que ocorreram nesta sexta-feira, sejam tachadas de baderna.

P. Tendo isso em vista, qual você acredita que será o reflexo imediato da chamada Greve Geral desta sexta-feira no mundo político? No final do dia, Temer já publicava nota em que minimizou os atos e disse que as reformas continuariam a ser discutidas no âmbito do Congresso...

R. O eleitorado é uma espécie de espantalho sazonal para os políticos: conforme as eleições vão se aproximando, eles vão entrando no prumo. Assim, faltando um ano e meio para as eleições de 2018, acredito que a mobilização levante preocupações nos parlamentares em relação ao que está sendo votado em Brasília. A mobilização mostrou que as reformas afetam interesses de setores com capacidade de mobilização. Além disso, a votação da reforma trabalhista mostrou que o Governo pode não conseguir votos suficientes para aprovar uma reforma constitucional, que é o caso da reforma da Previdência. Há parlamentares na base de apoio do Governo, e dentro do próprio PMDB, fazendo cálculos políticos para a aprovação das reformas. Agora, é inegável que essa foi a maior mobilização popular contra o Governo desde o impeachment de Dilma. A estratégia de Temer, claro, será minimizar o impacto da greve para avançar com as pautas. É uma disputa de discurso.

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P. Mas em sua opinião, no que a mobilização desta sexta-feira se diferencia de outras manifestações contrárias a medidas do Governo Temer?

R. Em comparação com a outra paralisação, do dia 15 de março, em que quase duas dezenas de Estados teve categorias promovendo atos, esta greve geral teve uma capacidade de mobilização bem maior. Isso ficou claro do ponto de vista de cobertura nacional e também da quantidade de setores mobilizados. O que mais chama atenção é que diferentes setores que não vinham se mobilizado, aderiram às mobilizações desta sexta-feira. Por exemplo, não é uma surpresa que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se mobilize, mas é interessante notar que a Força Sindical, que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff, acusou o golpe das reformas e participou da greve. Além disso, há setores, como o dos professores particulares, que aderiram aos atos. Isso é uma surpresa. O impacto dessa greve geral não é imediato, mas dá indícios de certo alinhamento de setores organizados da população que estavam dispersos.

P. Você fala em setores organizados. Acredita que a mobilização contra pautas que tem efeito concreto na vida das pessoas, como a reforma da Previdência, pode, de algum modo, fazer com que grupos de espectros políticos diferentes saiam às ruas juntos, mais ou menos como ocorreu em 2013?

R. É difícil. O Brasil está muito clivado. Há a novidade histórica recente do país que é a clivagem ideológica. A direita, os conservadores, estão organizados e vocalizando suas posições claramente. Essa clivagem não tem a ver com classe social, ela é transversal e alinha grupos sociais com posições econômicas diversas. Esse fator dividiu as ruas brasileiras nos últimos anos. Por outro lado, as reformas podem fazer com que o lado da chamada “esquerda social”, que ficou com pouca capacidade de atração de segmentos populacionais mais amplos – basicamente por causa dos escândalos de corrupção recentes –, ganhe força novamente. Nesta sexta-feira, a novidade foi que setores tradicionais do campo da esquerda, como a CUT, conseguiram fazer com que outros setores, que estavam dispersos, aderissem à greve.

P. A despeito de manifestações e crítica, a quantidade e profundidade de pautas com que o Congresso tem trabalhado é muito alta. Ao que se deve isso?

R. O Governo tem mostrado, desde o começo, que representa um realinhamento do que foi o teor das políticas públicas não só dos Governos petistas, mas também do PSDB. O processo de ampliação de direitos vem desde a Constituinte e sempre foi mais ou menos contínuo. O que acontece agora é que a destituição de Dilma está sendo usada pelo Governo como se ele tivesse recebido um mandato. E isso é espantoso. Você pode discordar do mérito da destituição, o que é uma discussão, mas o que de fato é difícil de discordar é que a destituição não significa novo mandato. O que se tem visto é uma virulência muito grande no ataque de conquistas sociais que o país veio obtendo progressivamente nas últimas décadas.

P. Mas por que isso não tem se revertido em dificuldades para o Governo aprovar suas pautas?

R. Em primeiro lugar, porque ele tem uma base aliada ainda muito grande. Em segundo, porque Temer, mesmo pelo acordo que fez especificamente com o PSDB, de não procurar a reeleição, não tem compromisso com sua popularidade. Ele poderia até ter repensando suas ações, caso, em algum momento, tivesse obtido algum tipo de aprovação da população. Contudo, com o andamento dos acontecimentos – escândalos de corrupção, falta de credibilidade geral de políticos, crise econômica –, ele acabou ganhando certa liberdade para empurrar decisões sem que precise se preocupar com o retorno político eleitoral. Resta saber se isso vai continuar valendo para o Congresso.

P. Como você avalia o papel dos sindicatos nas mobilizações desta sexta?

R. Os sindicatos têm uma face positiva e outra negativa. Obviamente, eles procuram um conjunto de benefícios que, por vezes, não são os melhores para as atividades fins com quais eles estão envolvidos. Por outro lado, apesar dos possíveis excessos, a face importante é que os sindicatos surgiram justamente para negociar por aqueles que não tinham condições de conversar em pé de igualdade. Quando você tem dois polos de negociação e um deles é muito mais fraco, não há negociação possível. Foi isso que, historicamente o movimento sindical conseguiu mostrar. Os sindicatos, assim, entram como intermediários, para organizar a capacidade coletiva dos trabalhadores de negociar. Boa parte do que conhecemos hoje como direitos trabalhistas fundamentais, não teriam surgido não fossem por eles. A queda de braço entre os movimentos sindicais e a reforma trabalhista do Governo continuará forte.

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