_
_
_
_
_

Vá de bicicleta para o trabalho: os benefícios para a saúde são surpreendentes

Incentivar o maior número possível de trabalhadores a pegar a bicicleta precisa se transformar em prioridade para os governos

Ciclista em uma rua de Paris.
Ciclista em uma rua de Paris.LAURENT REBOURS (AP)

Estudos científicos têm demonstrado, por unanimidade, que as pessoas que realizam menos atividade física são mais propensas a desenvolver problemas de saúde como doenças cardíacas e diabetes tipo 2, além de morrerem mais cedo. No entanto, cada vez há mais evidências de que os níveis de atividade física estão diminuindo.

Mais informações
Há 200 anos foi criada a primeira bicicleta: estes foram os primeiros modelos
Semáforos inteligentes para ciclistas são grande sucesso em Roterdã
Contra as mudanças climáticas, América Latina busca “limpar” o setor de transportes
OPINIÃO | Prefeito Doria, seu maior desafio será o de sair da bolha

O problema é que, quando há muitas atividades que exigem nosso tempo, muitas pessoas acham difícil dar prioridade ao exercício. Uma solução é matar dois coelhos com uma cajadada, indo para o trabalho de bicicleta ou a pé. Acabamos de concluir o estudo mais amplo até agora realizado sobre o impacto que isso tem sobre a saúde.

O trabalho foi publicado no British Medical Journal, e os resultados, especialmente com respeito ao deslocamento em bicicleta, têm implicações importantes e indicam que incentivar o maior número possível de trabalhadores a pegar a bicicleta precisa se transformar em uma prioridade máxima para os municípios e governos.

Os resultados

Ir para o trabalho de bicicleta ou a pé – o que às vezes é chamado de “deslocamento ativo” – não é algo muito comum no Reino Unido. Dos trabalhadores que se deslocam para o trabalho, apenas 3% usa a bicicleta e 11% vai a pé, o que representa uma das taxas mais baixas da Europa. No extremo oposto da escala, 43% dos holandeses e 30% dos dinamarqueses pedalam diariamente.

Para entender melhor o que poderíamos estar perdendo, estudamos 263.450 pessoas com uma idade média de 53 anos, assalariados ou autônomos, que nem sempre trabalham em casa. Perguntamos aos participantes se costumavam ir para o trabalho de carro, em transporte público, a pé, de bicicleta ou usando alguma combinação destes meios.

A seguir, agrupamos nossos trabalhadores viajantes em cinco categorias: não ativos (aqueles que utilizavam o carro ou o transporte público); exclusivamente caminhantes; ciclistas (incluindo alguns que também caminhavam); caminhantes de tipo misto (caminhantes e não ativos), e ciclistas de tipo misto (ciclistas e não ativos, incluindo alguns que também caminhavam).

Fizemos um acompanhamento ao longo de cinco anos, levando em conta os casos de doenças cardíacas, câncer e morte. Um aspecto importante é que fizemos correções com base em outros fatores que influenciam a saúde, como o sexo, a idade, a precariedade econômica, a etnia, o consumo de tabaco, o índice de massa corporal, outros tipos de atividade física, tempo que passavam sentados e dieta. Além disso, em nossa análise, levemos em consideração qualquer possível diferença de risco relacionados com acidentes de trânsito, enquanto que excluímos os participantes que já tiveram câncer ou doenças cardíacas.

No estudo, descobrimos que ir trabalhar de bicicleta estava relacionado com um risco de morte 41% inferior comparado com quando o deslocamento é feito de carro ou em transporte público

Descobrimos que, no geral, ir trabalhar de bicicleta estava relacionado com um risco de morte 41% inferior do que quando o deslocamento é feito de carro ou em transporte público. Aqueles que iam para o trabalho pedalando tiveram um risco 52% menor de morrer de doença cardíaca e um risco 40% menor de morrer de câncer. Além disso, o risco de desenvolver uma doença cardíaca foi 46% inferior, e o de desenvolver câncer, 45% menor.

Caminhar para o trabalho não estava associado com um menor risco de morrer por nenhuma dessas causas. No entanto, os caminhantes tinham um risco 27% menor de sofrer de doenças cardíacas e 36% menos de morrer como consequência delas.

Os ciclistas de modalidade mista desfrutavam de um risco 24% inferior de morte por qualquer uma das causas, 32% menos de desenvolver câncer, e 36% menos de morrer desta doença. No entanto, não tinham um risco significativamente menor de sofrer com doenças cardíacas, enquanto que os caminhantes de modalidade mista não tinham um risco menor em relação com nenhum dos efeitos para a saúde analisados.

Tanto para os ciclistas quanto para os caminhantes existia uma tendência a uma maior redução do risco entre aqueles que percorriam distâncias maiores. Além disso, aqueles que faziam parte do caminho para o trabalho de bicicleta também desfrutavam de benefícios, o que é importante pois muitas pessoas vivem muito longe do lugar onde trabalham para cobrir toda a distância pedalando.

Em relação aos caminhantes, o fato de os benefícios para a saúde serem mais limitados pode estar relacionado com a distância percorrida, já que, no Reino Unido, estes últimos se deslocam menos quilômetros em média, concretamente, pouco mais de nove por semana, em comparação com os mais de 48 dos ciclistas. Portanto, possivelmente, teriam que andar distâncias maiores para obter benefícios significativos. No entanto, também é possível que os benefícios menores da caminhada tenham a ver com o fato de que é uma atividade menos intensa.

E agora, o quê?

Nosso trabalho amplia as evidências de estudos anteriores em vários aspectos importantes. Nossos 250 mil participantes superaram os de todos os outros estudos juntos, o que nos permitiu mostrar a relação existente entre deslocar-se para o trabalho de bicicleta ou a pé e seus efeitos para a saúde de forma mais clara do que antes.

Concretamente, os resultados acabam com a incerteza anterior no que diz respeito à relação com o câncer, bem como com os ataques cardíacos e as mortes relacionadas com eles. Da mesma forma, contamos com suficientes participantes para avaliar separadamente pela primeira vez os deslocamentos de bicicleta, a pé e na modalidade mista, o que ajudou a confirmar que pedalar é mais benéfico do que andar.

Além disso, grande parte das investigações anteriores foram realizadas em lugares como a China e os países nórdicos, onde é comum ir ao trabalho de bicicleta e há boa infraestrutura de apoio. Sabemos agora que em um país no qual o deslocamento ativo não faz parte da cultura estabelecida os mesmos benefícios são obtidos.

Também não podemos esquecer outras vantagens, como a redução do congestionamento de tráfego e as emissões dos veículos

É importante insistir que, embora tenhamos feito tudo que estava ao nosso alcance para eliminar outros fatores que pudessem influenciar o resultado, nunca é possível conseguir isso completamente. Isso significa que não podemos dizer com total certeza que o deslocamento ativo é a causa dos efeitos na saúde que medimos. Ainda assim, nossas conclusões indicam que os responsáveis políticos podem dar um grande passo em saúde pública, especialmente incentivando o deslocamento ao trabalho de bicicleta. Também não devemos esquecer outras vantagens, como a redução do congestionamento de tráfego e as emissões dos veículos

Alguns países estão muito à frente do Reino Unido no que diz respeito ao fomento do uso da bicicleta. Em Copenhague e Amsterdã, por exemplo, as pessoas vão de bicicleta, porque é a maneira mais fácil de se deslocar pela cidade.

As coisas nem sempre foram assim. As duas cidades começaram a adotar estratégias claras para melhorar a infraestrutura para bicicletas. Os meios para conseguir este objetivo incluem o aumento do número de ciclovias, criar planos urbanos de aluguel de bicicletas, criar programas subsidiados de compra e estacionamento seguro, e dar mais facilidades para levá-las no transporte público.

Para o Reino Unido e outros países que ficaram para trás, as novas descobertas indicam que estão frente a uma clara oportunidade. Se aqueles que têm a capacidade de tomar decisões forem corajosos o suficiente para enfrentar o desafio, os benefícios a longo prazo podem significar uma grande mudança.

Jason Gill, professor associado do Instituto de Ciências Médicas e Cardiovasculares da Universidade de Glasgow.

Carlos Celis-Morales, pesquisador associado do Instituto de Ciências Médicas e Cardiovasculares da Universidade de Glasgow.

Cláusula de divulgação:

Jason Gill recebe ou recebeu financiamento do Conselho de Pesquisa Médica, da Comissão Europeia, Diabetes UK, da Fundação Britânica do Coração, Câncer de Próstata UK, Peito, Coração e derrame cerebral Escócia, da Fundação Wellcome, da Royal Society, TENOVUS, da organização Wellbeing of Women e do Fórum Futuro.

Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_