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Odebrecht diz ter dado propina milionária a Aécio e detona capital político do tucano

Senador é alvo de cinco inquéritos por recebimento de propinas, caixa 2, e favorecimento de empresas

A profecia do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado de que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) seria “o primeiro a ser comido” caso a Operação Lava Jato avançasse parece se confirmar. A abertura das delações dos executivos da Odebrecht revela grandes esqueletos no armário do tucano, que há três anos afirmava que “o PT despreza a ética e é complacente com a corrupção”. No total o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin solicitou a abertura de cinco inquéritos para investigar Aécio por caixa 2, lavagem de dinheiro, cartelização e fraude. O caso mais antigo envolvendo o parlamentar data de 2007: dois delatores, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, e Sérgio Luiz Neves, superintendente da empreiteira em Minas, afirmaram que o tucano recebeu propina de 3% de empreiteiras que ergueram a Cidade Administrativa, a sede do Governo de Minas Gerais, inaugurada em 2010. Os valores entregues superam 5,2 milhões de reais.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG).
O senador Aécio Neves (PSDB-MG).JOEDSON ALVES (EFE)

Com arquitetura assinada por Oscar Niemeyer, o prédio foi construído por um grupo de nove construtoras – entre elas Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, todas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras. Segundo os delatores, com o apoio de Aécio, recém-empossado no Governo, foi acertado durante reunião no Palácio das Mangabeiras um esquema fraudulento de licitações envolvendo várias empresas para que a obra fosse partilhada entre elas. “Aécio me informou que iria dar início ao processo de licitação (...), e me disse que procurasse Oswaldo Borges, presidente da Codemig [Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais]”, afirma Benedicto.

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A participação da Odebrecht na obra foi confirmada antes mesmo do início da licitação. De acordo com o delator, após as conversas “Oswaldo disse que nos preparássemos para pagar 3% sobre o valor relativo ao nosso contrato a título de contribuição para futuras eleições do PSDB”. O pagamento, parcelado entre 2007 e 2009, foi feito em espécie pelo departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, conhecido como setor de propinas, via caixa 2. Nas listas da empreiteira Aécio foi apelidado de Mineirinho. Procuradores ligados à investigação afirmam que este tipo de acerto, que inclui porcentagem sobre obras, é um dos tipos mais evidentes de corrupção, não podendo ser justificado como apenas doação eleitoral não declarada.

50 milhões no exterior

Um outro inquérito aberto investigará pagamentos a Aécio Neves feitos em 2008  que, segundo os delatores, foi dado em troca de apoio do tucano à participação da Odebrecht nas obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, ambas em Porto Velho. O delator Henrique Valladares detalha o acerto: “Na saída do encontro [com Aécio], o governador me disse: ‘Henrique, o Dimas [ex-diretor da hidrelétrica Furnas, instalada em Minas Gerais, e interlocutor do tucano], nosso amigo em comum, ele vai lhe cobrar”, afirma. Posteriormente Valladares diz que Marcelo Odebrecht disse que “tinha acertado com o governador um valor de 50 milhões a serem pagos”. Em contrapartida, Aécio se comprometeria a defender os interesses da empresa. O valor era repassado ao tucano “em pagamentos feitos em contas no exterior”.

O relato de Valladares vem confirmar parcialmente a informação que a revista Veja antecipou numa reportagem de capa no início deste mês. A Veja citava a irmã, Andrea, como dona de uma conta no exterior para onde seguira o dinheiro. Na ocasião, Aécio se mostrou indignado, e chegou a subir à tribuna pedindo para desmascarar as mentiras dos delatores com o fim do sigilo. Andréa também gravou um vídeo negando o conteúdo e chegou a chorar dizendo que tudo era mentira.

Caixa 2 para Aécio e Anastasia

Outros três inquéritos abertos pelo ministro Fachin apuram doações eleitorais por caixa 2 tanto para sua campanha para presidente, em 2014, como para seu afilhado, Antonio Anastasia, que concorreu ao Governo de Minas em 2010, e a senador, em 2014. No depoimento de Marcelo Odebrecht, herdeiro do império da construção e colaborador da Justiça, o empresário conta que, ao todo, "montantes relevantes" da ordem de “pelo menos 50 milhões”, foram destinados a Aécio, em doações legais e caixa 2. Para realizar parte dos pagamentos foram usados contratos fictícios entre a empreiteira e a empresa de publicidade PVR, de propriedade de Paulo Vasconcelos do Rosário, marqueteiro de Aécio - e também alvo de dois inquéritos. Anastasia chegou a ser alvo da Lava Jato em 2015, mas em 2016 o Supremo arquivou o caso. Na lista de Fachin, ele volta à mira da Justiça com os detalhes revelados pela Odebrecht.

Benedicto Barbosa afirma que o senador pediu o dinheiro pessoalmente: “Entre março e abril de 2014 fomos procurados pelo Aécio Neves, que pediu que eu programasse uma ajuda de campanha na forma de caixa 2 para um grupo de candidatos que fazia da base que ele liderava”. Mais de 6 milhões de reais foram pagos. Em contrapartida, a Odebrecht passou a ter acesso mais facilitado ao tucano. "Enxergávamos que isso ia garantir uma fluidez na relação, para que pudéssemos discutir assuntos de nossos interesses e ter mais facilidade para marcar reuniões com ele", disse o delator. "Toda vez que eu ou o Marcelo queríamos ser recebidos nós conseguíamos, nunca ficava para a semana que vem", conclui.

As acusações contra Aécio são graves e chegam como uma bomba atômica sobre seu capital político. Compromete não só sua ambição de concorrer ao Planalto pelo seu partido, mas as chances para qualquer cargo eleitoral nas eleições do ano que vem. A depender da velocidade dos processos, ele corre o risco de perder foro caso não consiga um cargo eletivo em 2018.

Longa data

A relação do tucano com a empreiteira é antiga, “do início dos anos 2000”, de acordo com Marcelo Odebrecht. Ao longo dos anos os dois tornaram-se próximos, a ponto de, na véspera do primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, Aécio pedir um apoio extra à sua campanha. “Ele precisava de um fôlego, estava crescendo nas pesquisas. Aí ele disse que sabia que já tínhamos ajudado [com doações], mas que precisava [de mais]”, diz o empreiteiro. Neste ponto da corrida eleitoral, o senador já havia recebido cinco milhões de reais. “Eu disse que não podia doar mais para ele e não [doar mais] para a Dilma. Aí falei que podíamos apoiar alguns candidatos que ele indicasse, como o Agripino Maia [político do DEM do Rio Grande do Norte, que disputava o Senado]”, explica o delator.

Um dos aliados ajudados pela Odebrecht para favorecer Aécio teria sido o pastor Everaldo, que concorreu à presidência pelo Partido Social Cristão (PSC) em 2014. Segundo o ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Reis, foram pagos um total de 6 milhões de reais em caixa 2. Visto inicialmente como um candidato competitivo, Everaldo murchou na corrida eleitoral quando Marina Silva assumiu a candidatura do PSB depois da morte de Eduardo Campos, e atraiu todos os votos evangélicos. “Sugerimos então a ele que usasse os tempos do debate [presidenciais na televisão]sempre para fazer perguntas ao Aécio para que ele tivesse mais tempo [para se expor]. Everaldo parece ter cumprido com o acordo, uma vez que em todos os debates que podia fazia perguntas inofensivas ao então candidato tucano.

Influência tucana no setor elétrico

Marcelo também confirma em seus depoimentos a dominância do PSDB no setor elétrico do Estado de Minas Gerais, e conta como Aécio foi um aliado para balancear a influência de outras empreiteiras no mercado de obras públicas. À época o tucano era deputado federal: “No início do Governo Lula, o PSDB – não apenas o Aécio – tinha uma forte influência no setor elétrico. Furnas [Furnas Centrais Elétricas S.A] continuava sob controle deles”, afirma Marcelo. Além disso, a Companhia Energética de Minas Gerais S.A.(Cemig) também era “controlada” pelo partido. Mas a Companhia estava sob influência de outra construtora, a Andrade Gutierrez. “A Andrade se valia da influência que ela tinha na Cemig para complicar nossa vida, e a Cemig era um investidor importante, que tentava sempre levar a Andrade nos projetos. A gente usava o Aécio para contrabalancear”, diz Marcelo.

Em nota o senador negou ter oferecido qualquer contrapartida nas doações eleitorais que recebeu, e afirmou que não houve ato ilícito envolvendo a Cidade Administrativa. Ainda de acordo com a nota, não é possível que tenha havido interferência no caso das hidrelétricas uma vez que as licitações foram conduzidas pelo Governo federal, ocupado na época pelo PT. Anastasia também negou a participação em qualquer ato ilícito.

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