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Secretário de Estado de Trump vai a Moscou definir futuro das relações com a Rússia

Após intervenção dos EUA na Síria, expectativa quanto a viagem de Rex Tillerson é tímida

Pilar Bonet

Em menos de três meses, a euforia da classe política russa com relação ao presidente Donald Trump se transformou em perplexidade e receio de que as relações entre Moscou e Washington entrem em uma nova época de redobrada incerteza. O ataque norte-americano contra a base aérea síria de Shayrat completou esse processo. Antes da desenvolta ação militar de Trump, esperava-se que a viagem do secretário de Estado, Rex Tillerson, a Moscou fosse o início – tímido, mas com um propósito – de uma certa normalização. Agora, o máximo que se pode aguardar dessa visita (que começa nesta terça-feira à tarde e se encerra na quarta) é uma “estabilização num nível baixo” e evitar que as relações piorem ainda mais (com ultimatos, exigências e novas sanções) devido às divergências na Síria.

O secretário de Estado, Rex Tillerson, durante a reunião do G7 nesta terça-feira, em Lucca.
O secretário de Estado, Rex Tillerson, durante a reunião do G7 nesta terça-feira, em Lucca.VINCENZO PINTO (AFP)

Esta era a mensagem transmitida na segunda-feira pelos especialistas em relações internacionais autores do informe Mapa da Estrada para as Relações entre Rússia e EUA. Este documento busca revitalizar as relações bilaterais em diversos campos, da economia à segurança estratégica, passando pela segurança no ciberespaço, e foi preparado em conjunto pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), de Washington, e o Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (CAR). No informe são examinadas a economia, a energia, a segurança estratégica e a segurança cibernética, entre outros temas.

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Os objetivos se reduziram, mas os peritos russos ainda acreditam que Putin e Trump possam se entender, se é que haverá uma ocasião para se reunirem. A visita de Tillerson a Moscou “será um êxito” se nela ficar decidida uma reunião entre os dois presidentes para restabelecer o diálogo, disse o ex-ministro de Relações Exteriores russo Igor Ivanov, um dos responsáveis pelo documento. “Mais cedo ou mais tarde” será necessário dedicar-se a restabelecer as relações bilaterais, embora “esta tarefa esteja agora dificultada pelo ataque de Trump á base síria”, afirmou Ivanov.

“Primeiro é preciso ver o que aconteceu e se há provas. É preciso iniciar um diálogo e, dentro desse diálogo, se houver confirmação, tomar as medidas necessárias, mas por ora há especulação e não informação. Se Tillerson traz provas, podem ser estudadas”, dizia o ex-ministro, que evocava o caso do Iraque e da fixação dos norte-americanos na figura de Saddam Hussein. “Washington não tinha “um plano para depois” no caso do Iraque em 2003 e tampouco existia um plano para levar a democracia à Líbia em 2011 “depois de Gadafi”, assinalou.

Se for demonstrado que Bashar al-Assad foi o responsável pelo ataque a civis com substâncias químicas, “isso não só seria um golpe contra os EUA, mas também contra a Rússia e, pessoalmente, contra Putin”, opinou Andrei Kortunov, diretor do CAIR. “O apoio da Rússia a Assad não é incondicional, mas depois do ataque de Trump lhe seria muito mais difícil abandonar o líder sírio porque no mundo árabe, em países como Turquia e Irã e no interior da Rússia isso seria interpretado como se o Kremlin tivesse cedido às pressões dos EUA”, avaliou o especialista. Abandonar Assad “teria sido mais fácil antes do ataque de Trump, mas se Assad for o responsável pelo ataque com armas químicas, Putin não esquecerá que Assad o colocou nessa situação e tirará suas conclusões, embora não vá fazer isso agora nem no contexto das relações russo-norte-americanas”, afirmou Kortunov.

A Rússia não deseja que se repita na Síria uma situação semelhante à do Iraque ou Líbia. “Os EUA e a Rússia têm interesses que se sobrepõem e conflitantes no Oriente Médio”, assinala o informe, segundo o resumo difundido na segunda-feira. “A Rússia está preocupada em primeiro lugar com a segurança na região e não quer que a desestabilização no Oriente Médio chegue a suas próprias fronteiras, por exemplo, na forma de terroristas”. A Rússia “nem tem os recursos nem tenta restabelecer o status que a URSS teve no passado na região. Ao contrário da Rússia, os EUA têm interesses mais multifacetados no Oriente Médio e um compromisso com a segurança de Israel que determina sua política em relação ao Irã”. Entre ambos os países há “grandes diferenças”. A intervenção russa está condicionada por sua “forte oposição à mudança de regime com o apoio dos EUA, e vê essa mudança de regime pelo mesmo prisma que as “revoluções coloridas” no espaço pós-soviético e também como uma fonte de futuro caos no Oriente Médio. A Rússia acredita que somente as eleições na Síria devem decidir o futuro do governo de Bashar al-Assad”. “Os EUA, por sua vez, acreditam que a Rússia apoiou o regime de Assad mediante bombardeios à oposição moderada e que na Síria não haverá paz nem unidade enquanto Assad estiver no poder.

As declarações dos representantes oficiais russos têm flutuado, na realidade, entre três posições: que Assad não é responsável pelo ataque com armas químicas, que os responsáveis são os combatentes da oposição radical e também que não se sabe a origem e é preciso fazer uma ampla investigação internacional. No Conselho de Segurança, a Rússia encontra motivos para rejeitar as fórmulas de investigação internacional propostas e se mostra descontente com o trabalho da Organização para a Proibição das Armas Químicas, vinculada à ONU. Acusa o órgão de realizar um trabalho tendencioso e considera que a sua atividade tem de estender-se aos países vizinhos da Síria e aos grupos de oposição e radicais do Estado Islâmico. Moscou, que já vetou mais de meia dúzia de resoluções sobre a Síria no Conselho de Segurança da ONU, considerou inaceitável em 5 de abril um projeto de resolução apoiado pelos EUA, França e Reino Unido alegando que este tinha um caráter anti-sírio.

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