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Merkel responde com firmeza ao Brexit

Alemanha nega a possibilidade de negociar a relação futura antes de definir os termos do divórcio

Manifestante fantasiada como Theresa May, em Londres.
Manifestante fantasiada como Theresa May, em Londres.ANDY RAIN (EFE)

A Alemanha impõe condições

Após uma reação inicialmente morna, o Governo alemão endureceu progressivamente sua atitude a respeito das futuras negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia. Berlim acredita que, antes de começar a discutir da futura relação UE-Reino Unido, seria preciso fechar o acordo de divórcio.

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“As negociações devem primeiro esclarecer como vamos desfazer nossos vínculos atuais, e só quando essa questão tiver sido esclarecida poderemos, espero que logo, começar a falar da nossa relação futura”, afirmou nesta quarta-feira a chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel em Berlim. Com essa negativa, a líder mais poderosa da Europa envia uma mensagem de confrontação a Londres, que preferiria iniciar as duas conversações de forma paralela.

Nas negociações que se avizinham, o dinheiro será uma das grandes pedras no sapato. O Governo alemão nem confirma nem desmente o cálculo da Comissão Europeia (Poder Executivo da União Europeia) de 60 bilhões de euros (cerca de 200 milhões de reais) em faturas pendentes. Berlim aposta que a UE defina inicialmente com Londres um método de cálculo, e a partir dele chegue a uma quantia concreta. Apesar desses planos iniciais, todas as partes estão conscientes de que têm pela frente negociações muito complexas, que ninguém sabe ao certo como podem terminar.

Merkel reiterou sua ideia de que, mesmo fora da UE, o Reino Unido manterá uma estreita relação com a Alemanha e os demais sócios. Seu ministro de Relações Exteriores, o social-democrata Sigmar Gabriel, foi além ao reivindicar “uma amizade” entre os dois blocos. Apesar dessa mão estendida, Berlim lança algumas advertências.

Fontes do Ministério de Relações Exteriores insistem, por exemplo, que a oferta de amizade não pode deixar de lado o fato de que Londres optou por deixar de participar da “família dos 27”. “Esperamos que os britânicos deixem isso claro”, insiste uma dessas fontes. Com esse aviso, ressalta uma ideia fundamental que Merkel repetiu nos últimos meses: as liberdades garantidas pela UE não podem ser cortadas em pedaços. Ou seja, Londres não poderá escolher o que mais lhe convier do catálogo – mobilidade de bens e capitais, por exemplo – e desprezar o que considera mais desagradável – a livre movimentação de pessoas.

Duas pessoas no Portão de Brandemburgo
Duas pessoas no Portão de BrandemburgoReuters

A perspectiva de um Brexit duro fez com que Berlim se convencesse de que, acima de tudo, é necessário manter a unidade dos 27 membros que permanecem em um clube ameaçado pela expansão de movimentos nacionalistas europeus e por uma nova Administração norte-americana que é fervorosa defensora do Brexit.

A França quer recuperar protagonismo na UE

A França vê no Brexit uma oportunidade para reforçar a integração europeia de acordo com os interesses franceses. A UE pós-Brexit, segundo o presidente François Hollande, passa por facilitar as cooperações entre um número reduzido de países em âmbitos concretos: a famosa Europa de várias velocidades. Hollande cita a defesa comum, que até agora recaía sobre a OTAN, como um desses âmbitos nos quais os europeus devem avançar nos próximos anos. No consenso republicano, que os partidos tradicionais compartilham, a saída do Reino Unido permite aos franceses, ofuscados nos últimos anos pela pujança alemã, retomar um papel de protagonista. Mas a França, imersa em uma campanha eleitoral, não pode dar nada como certo. A ultradireitista Marine Le Pen, da Frente Nacional, com grandes chances de passar ao segundo turno da eleição presidencial em 23 de abril, tem uma visão oposta sobre o Brexit. Em seu programa consta um referendo sobre a desfiliação francesa do clube. A possibilidade don Frexit está no centro da campanha.

Hollande.
Hollande.

Hollande assegurou nesta quarta-feira em Jacarta (Indonésia), onde se encontra em visita oficial, que o Brexit será “economicamente doloroso” e que o Reino Unido precisará arcar com custos “em termos de trabalho, livre circulação e possibilidades financeiras”. Um processo que “já começou com a instalação de empresas em território francês”, disse o presidente, que por outro lado assegurou que a intenção da França não é em hipótese alguma “castigar” o povo britânico.

Madri aposta num acordo provisório

A Espanha é partidária de um acordo provisório que amorteça o impacto do Brexit. Convencido de que em dois anos não será possível pactuar o novo marco de relações entre o Reino Unido e a UE, o Governo espanhol advoga por conceder a Londres um tratamento privilegiado enquanto negocia um acordo de livre comércio que teria de ser referendado pelos Parlamentos dos 27 países da UE. Não se trata de generosidade, e sim de puro interesse. A Espanha será um dos países mais prejudicados com a saída britânica, pois o Reino Unido é o principal destino dos investimentos espanhóis no exterior, o seu maior mercado turístico, e a balança comercial é favorável a Madri. Cerca de 300.000 espanhóis vivem nas ilhas britânicas, e 800.000 britânicos na Espanha. Apesar disso, o Governo se nega a buscar acordos bilaterais e remete os emissários britânicos ao negociador comunitário, Michel Barnier. Com uma exceção: Gibraltar. Se o território britânico quiser manter uma relação especial com a UE, isso deverá passar por um pacto entre Madri e Londres.

O Bloco do Leste busca um bom acordo para seus cidadãos

Os países do Leste Europeu, que têm um bom número de cidadãos trabalhando no Reino Unido, têm muito a perder com o divórcio entre Londres e Bruxelas. Não só ficarão sem um tradicional aliado no clube comunitário como também se verão amplamente afetados se os futuros acordos limitarem o direito dos seus cidadãos a viverem e trabalharem no Reino Unido. Por isso, o chamado Clube de Visegrado (Polônia, República Checa, Eslováquia e Hungria) ameaçou vetar em Bruxelas qualquer tipo de acordo que o prejudique. Nesse quesito, a Polônia tem a voz predominante, não só por ser o maior exportador de mão de obra para o Reino Unido – mais de um milhão –, mas também porque a saída britânica abriu as portas à ideia da Europa de diferentes velocidades, à qual o Governo do partido Lei e Justiça tanto se opõe. Varsóvia quer capitalizar o Brexit da melhor maneira possível e anunciou medidas para atrair grandes companhias financeiras e postos de trabalho para a Polônia.

A Itália pede um diálogo amistoso

O Governo italiano “não recebeu com alegria” o resultado do referendo do ano passado no Reino Unido, mas mostrou respeito pela vontade dos eleitores e optou pelo pragmatismo para minimizar os danos da saída e proteger os seus interesses econômicos. O primeiro-ministro Paolo Gentiloni visitou sua homóloga britânica, Theresa May, em fevereiro, apenas dois meses depois de chegar ao cargo, e lhe transmitiu a intenção do seu Governo de encarar as negociações do Brexit “de um modo amistoso e construtivo”. “Não será uma negociação simples, mas sabemos que precisamos encará-la, e esta será a posição da Itália, de um modo amistoso e construtivo. Não temos interesse em um processo disruptivo entre a Europa e o Reino Unido”, afirmou Gentiloni, ex-chanceler do país. O mais importante para a Itália, que no sábado passado acolheu as comemorações do 60º aniversário do Tratado de Roma, é reforçar a União Europeia e obter a unidade dos 27 para alcançar “o melhor acordo possível” com o Reino Unido.

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