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Coluna
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O orgasmo da 1ª vez no trabalho

O processo de terceirização e a lembrança do prazer insuperável da carteira profissional assinada

Assinar a carteira de trabalho pela primeira vez é melhor que a iniciação sexual. Um prazer inesquecível. Não que desconsidere, antropologicamente, a experiência de desvirginamento – mesmo com todo nervosíssimo naquele cabaré de Juazeiro do Norte, região sul do território cearense.

"A primeira carimbada na carteira a gente nunca esquece"
"A primeira carimbada na carteira a gente nunca esquece"USP Imagens/Marcos Santos

Sim, o sexo só melhora com o tempo. A primeira carimbada trabalhista, porém, é um orgasmo de véspera, um gozo que começa quando você ainda sai de casa, igualmente nervoso, para a firma. Um sonho de moleque.

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Bateu essa “lombra” de nostalgia diante do episódio da terceirização aprovada no Congresso. Adeus, emprego formal. Mais um féretro no cemitério de direitos sociais do governo Temer.

Daí a lembrança da minha primeira vez com a carteira azulzinha assinada. Que orgulho. Trocava a clandestinidade da função de vendedor de enciclopédias e filtros ozonizadores de água pelo posto de exímio datilógrafo no departamento de crediário da Mesbla, na loja da avenida Conde da Boa Vista, Recife, virada dos anos 1970 para os 80. Comemorei ali mesmo na vizinhança, na boate Aritana, onde as moças trabalhavam fantasiadas de índias do Brasil Colônia.

A primeira carimbada na carteira a gente nunca esquece. Salário no piso do comércio, auxílio transporte e alimentação, gozo de férias remuneradas, décimo terceiro, fundo de garantia, hora extra, atendimento médico e odontológico. Muito melhor que a avexada iniciação sexual, vara verde em irrefreável tremedeira, naquele cabaré da beira da linha da RFFSA. O apito do trem ainda apressava a ejaculação precoce dos donzelos. Ah, o grande bazar ferroviário da memória, meu caríssimo mestre Paul Theroux.

A aventura da iniciação sexual, mesmo com todas as mudanças nos costumes, segue como algo que chacoalha os hormônios de meninos e meninas. A diferença deve ser apenas esse festival de vídeos nudes que assola a humanidade. Que fartura. Uma bênção, como dizem meus sobrinhos. O primeiro emprego formal, no entanto, se torna cada vez mais longe do alcance. Um fetiche. Esquece.

Você, aí no auge da sua madureza, ainda lembra da sua primeira vez com carteira profissional carimbada?

Xico Sá é autor de “A pátria em sandálias da humildade” (editora Realejo, 2017), entre outros livros. Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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