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Uma fábrica de carvão encurralada pela guerra na Ucrânia

EL PAÍS visita Avdiivka, onde os cidadãos ficaram presos entre as tropas legalistas e as separatistas

Pilar Bonet

A planta, sobre a qual explodiram centenas de projéteis, pertence ao grupo Metinvest, controlado pelo oligarca Rinat Akhmetov, e fica no norte de Avdiivka. No sul da cidade, que em 2013 tinha cerca de 35.000 habitantes, fica a chamada promzona (zona industrial), território-chave para controlar uma estrada estratégica na direção da cidade de Donetsk, localizada a cerca de trinta quilômetros ao sul. A 72ª brigada das Forças Armadas da Ucrânia, estacionada em Avdiivka, contém por enquanto as milícias separatistas.

Trabalhador da fábrica de coque de Avdiivka na quinta-feira.
Trabalhador da fábrica de coque de Avdiivka na quinta-feira.OLEKSANDR KLYMENKO
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Entre a frente — na promzona — e a planta de coque há 12 quilômetros, mas mesmo assim os projéteis disparados do “outro lado” aterrissam nesta área gigantesca (339 hectares), que foi inaugurada em 1963 na URSS, na época de Nikita Khrushchev, e é parte do império de Rinat Akhmetov na Ucrânia pós-soviética.

Em Avdiivka e em sua planta de coque, pessoas e máquinas sofrem com os disparos e também com as constantes interrupções no fornecimento de eletricidade e no abastecimento de água. Pessoas e máquinas dão a impressão de estarem esgotadas pela tensão e pelo esforço.

A planta recebia matéria-prima de empresas na zona dominada pelos insurgentes, até que, em janeiro, veteranos dos combates e ativistas ucranianos bloquearam o tráfego de mercadorias vindas das chamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk. O bloqueio prejudicou tanto a rede de abastecimento quanto a rede de vendas da planta. “O carvão das áreas não controladas (por Kiev) significava entre 15% e 20% das nossas necessidades, e foi parcialmente substituído pelo carvão proveniente de outras regiões da Ucrânia e pelo carvão que chega por mar dos EUA e da Austrália”, diz Gregori Kleshnia, um dos diretores da planta.

“Por enquanto não temos problema de abastecimento porque estamos produzindo menos”, diz o executivo. A planta fabricou três milhões de toneladas de coque siderúrgico por ano em 2013. Em relação ao início da guerra, opera agora com 60% da capacidade, afirma Kleshnia.

Operário da planta de carvão de Avdiivka na quinta-feira.
Operário da planta de carvão de Avdiivka na quinta-feira.OLEKSANDR KLYMENKO

No dia 1º de março, em resposta ao bloqueio, as chamadas repúblicas confiscaram as empresas do grupo Metinvest no território sob seu controle. Os diretores que se recusaram a se submeter aos insurgentes abandonaram as empresas confiscadas e foram encaminhados pelo Metinvest a outras empresas do grupo. Os técnicos e executivos que hoje “optam pela Ucrânia” não têm interesse em trabalhar em Avdiivka, diz Kleshnia, que teve de deixar sua casa, vulnerável aos tiroteios. Agora vive 25 quilômetros ao norte, em uma casa cedida por um empresário que fechou seu negócio e procurou refúgio em Kiev. “Esse empresário não voltará. A região perdeu um florescente negócio agrícola com um volume de comércio de mais de 1,5 milhão de euros (cerca de 5 milhões de reais) por ano e mais de uma dezena de postos de trabalho”, afirma. A saída do empresário é mais um indício do processo de degradação econômica e social no leste da Ucrânia, com a guerra como pano de fundo.

Para viver em Avdiivka é preciso amar muito essa terra, estar amarrado a ela por laços de peso (parentes idosos ou doentes) ou não ter alternativas. As condições de trabalho na fábrica, invejadas no passado, são duras. Os salários foram corroídos pela inflação, pelo desaparecimento de benefícios sociais e pelo aumento das tarifas. Em Avdiivka, e na Ucrânia em geral, os cidadãos comuns são castigados por sucessivos aumentos do preço da eletricidade e dos impostos locais, fora do alcance de muitos.

Uma visita à planta de coque é como uma viagem por um mundo fantasmagórico. Entre chamas, gases e fumaça, os trabalhadores colocam o carvão nos fornos de coque, que operam a temperaturas de 1.500 graus, transformando-o para uso siderúrgico. O processo, que dura cerca de 22 horas, é prejudicado muitas vezes pelos cortes de energia, que afetam a qualidade do produto. A empresa tem seu próprio gerador de energia elétrica, mas a capacidade deste é limitada. Kleshnia espera que no final de abril esteja pronta a linha de alta tensão que fornecerá eletricidade a partir do território controlado pela Ucrânia. A linha, atualmente em construção, permitirá que a planta deixe de depender dos separatistas, com os quais precisa fazer acordos para consertar a linha sempre que esta é atingida por um projétil. “Eles não têm pressa para facilitar os reparos e, quando estes são feitos, correm para disparar novamente nos cabos”, afirma Kleshnia.

Viajando em um ônibus em Avdiivka na quinta-feira.
Viajando em um ônibus em Avdiivka na quinta-feira.OLEKSANDR KLYMENKO (EL PAÍS)

Um engenheiro que prefere não dar o nome diz ganhar algo equivalente a 500 euros, o que hoje é um salário privilegiado. Sua esposa, que também trabalha na fábrica, recebe pouco mais de 100 euros. Ambos ainda recebem o adicional de insalubridade. A oficina de conserto de máquinas da planta foi fechada e a substituição dos equipamentos por máquinas alemãs e polonesas, prevista para 2015, foi adiada para uma data não fixada. Para não sobrecarregar o gerador, os trabalhadores economizam energia como podem: desligam os elevadores do edifício administrativo e trituram menos carvão do que o que o habitual.

Em Avdiivka, no meio da tarde, as ruas estão vazias e exceto algum latido de cachorro ou o ranger de uma bicicleta, o que se ouve são as explosões da frente de batalha. “Todos os que puderam foram embora”, diz Tania, que trabalha em um jardim da infância. “É muito difícil cuidar de crianças sem luz e água”, diz a mulher, que junto com outros habitantes de Avdiivka, retorna no fim do dia de bonde da cidade vizinha de Ocheretino, menos afetada pela guerra. Nos 20 minutos que durou a viagem pela paisagem desolada, ouvimos críticas às autoridades da Ucrânia e opiniões, segundo as quais “do outro lado” (nas áreas controladas pelos separatistas) se “vive melhor”, porque “não subiram as tarifas deles”.

Todos os nossos interlocutores em Avdiivka foram unânimes: querem o fim da guerra. Estão cansados das dificuldades e de ter que passar infinitas horas — e até mesmo dias — em filas e desvios para percorrer distâncias (agora na linha da frente) que antes cobriam em poucos minutos. Estão cansados de ter que fugir de uma localidade, onde ficaram sem-teto, para se estabelecer em outra, não muito melhor. Estão cansados de lutar com a burocracia pelos documentos, pelo pagamento das pensões, pelos serviços médicos, pela assistência social. Estão cansados de sair em busca de trabalho onde não existe nenhum e das noites pontilhadas por explosões. Só querem a paz e não lhes importa quem a trouxer.

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