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O curta-metragem que fala de um dos grandes tabus: o estupro numa relação de casal

Atriz francesa ouviu os relatos de duas amigas. Ao buscar outros, não teve dificuldade em encontrá-los

Mari Luz Peinado
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Um casal no sofá decide se assiste a um filme. Ele começa a beijá-la e ela diz que não está com vontade de transar. Ele insiste e a toca; ela explica por que não está a fim. “O que foi, já não me ama mais?”, diz ele. E continua, insiste, até que finalmente tem um orgasmo, enquanto ela nem olha para ele. Esse é o argumento de um curta-metragem que, em apenas dois minutos, reflete com dureza como somos ensinadas a nos defendermos de estupradores como se fossem sempre desconhecidos e, no entanto, ainda se fala pouco de consentimento e de estupros entre um casal.

Paradoxalmente, o filme que o casal do curta iria ver é Irreversível, dirigido por Gaspar Noé e protagonizada por Monica Belluci. A produção traz uma cena de estupro explícito que causou grande polêmica na época de seu lançamento.

O curta, em francês, foi publicado há um mês no canal no Vimeo de Chloé Fontaine – que escreveu e produziu a história. Desde então, acumula mais de 700.000 reproduções. A versão com legendas em espanhol é de duas semanas atrás e já supera as 170.000 reproduções. Muitos veículos internacionais repercutiram o vídeo. “O motor [que me levou a fazê-lo] foi uma conversa com uma amiga”, diz Fontaine, de 25 anos, que também é atriz.

“Ela me contou que uma noite, ao chegar em casa com o namorado, tudo estava bem até irem se deitar. Ele queria transar e ela não. Ele passou a insistir, mais e mais. Ela continuou dizendo que não estava com vontade. E ele insistia. Ela me disse: ‘Eu não queria nada, mas era a única maneira de ele me deixar em paz, não?’”, conta Fontaine ao EL PAÍS, por email. Poucos dias depois, outra amiga lhe contou um caso semelhante. Quando Fontaine sugeriu que se tratava de um estupro, a amiga respondeu: “Não pode ser estupro. Ele é meu namorado”. A partir daí, a atriz começou a buscar mais relatos e “infelizmente” não teve dificuldade para encontrá-los.

A própria Fontaine é a protagonista do filme, que dura apenas dois minutos. Rodado em preto-e-branco, seu título em francês – Je Suis Ordinaire – pode ser traduzido como “Sou comum”, no sentido de que se trata de uma situação habitual: “Sou mais uma”. “Nunca tinha ouvido alguém falar desse assunto (..) É uma situação que, infelizmente, acontece muito mais do que parece”, afirma.

Nos últimos meses tem se falado muito sobre a cultura do estupro, que pode ser definida como a tolerância socialmente aceita em relação às agressões sexuais. Em algumas ocasiões, o conceito foi debatido por causa de polêmicas levantadas por casos mais notórios. No entanto, o estupro entre um casal continua sendo um tabu. A descrição do vídeo de Fontaine diz: “Se isso não ofende você, é porque você é um destes dois”.

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