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JOHN CARLIN
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A miserável inveja do torcedor

A virada do Barcelona sobre o PSG despertou sentimentos mesquinhos em parte dos madridistas. Eles sabem que esse 6 x 1 vale mais do que ganhar a própria Champions

Jogadores do Barça comemoram o sexto gol contra o PSG.
Jogadores do Barça comemoram o sexto gol contra o PSG.Quique García (EFE)

“O inimigo do fanático é o prazer”. Salman Rushdie

Salman Rushdie, famoso torcedor do Tottenham, é conhecido também como escritor de livros de ficção. Ele tem claras as suas prioridades. “Ok”, disse certa vez, “publicar um livro é muito legal, mas uma vitória de 3 x 2 do Tottenham sobre o Manchester United… isso não tem preço”.

Rushdie hoje deve invejar os torcedores do Barcelona. Todos os demais fanáticos do mundo os invejam. A maioria com uma inveja sã; alguns com uma pitadinha tóxica de rancor. Pois não é que não tenha preço o que o Barça fez outro dia, é que, para o torcedor de um time de futebol, a vida não pode oferecer mais. Apaixonar-se, casar-se, ter um filho: tudo isso é ótimo. Mas não é comparável. As pessoas se apaixonam e se casam e tem filhos todos os dias. Em muitos casos, o que vem depois é o tédio ou a decepção.

Já a virada contra o Paris Saint-Germain nunca mais será tirada do Barcelona. Foi algo único, irrepetível e sublime. Viverá para sempre na memória coletiva do clube e da sua gente. E na de todos os que amam o futebol acima das pequenezas tribais, entre eles quatro grandes ex-jogadores ingleses, Gary Lineker, Rio Ferdinand, Steven Gerrard e Michael Owen.

Os quatro assistiram à partida no estúdio do canal britânico que a transmitiu. Quando Sergi Roberto fez o gol da vitória, no último suspiro, comemoraram como se eles mesmos estivessem em campo com a camisa do Barcelona. Lineker, torcedor do Leicester, chegou a vesti-la em sua carreira, mas Ferdinand foi do Manchester United a vida toda, e Gerrard, do Liverpool. Owen, que jogou no Real Madrid, foi quem mais enlouqueceu. Deu uma volta triunfal no estúdio, como se tivesse ele mesmo marcado o gol.

Não foi a reação típica dos torcedores do Real Madrid, muitos dos quais reagiram com quase tanta amargura quanto os do PSG. Lineker, Ferdinand, Gerrard e Owen sentiram o mesmo que a imensa maioria dos bilhões que acompanham o futebol no mundo todo. Entenderam que acabavam de ver uma das façanhas mais épicas da história não só do futebol, mas sim da história, ponto. Entenderam também que, pelo domínio e pela vontade do Barça, o resultado foi merecido.

A virada contra o PSG é algo que nunca mais será tirado do Barcelona. Foi algo único, irrepetível e sublime.

Assim não quiseram entender alguns miseráveis. Reagiram como José Mourinho quando não gosta de um resultado. Ou como os holandeses quando perderam a final da Copa do Mundo contra a Espanha em 2010: tirando méritos do ganhador, botando a culpa no árbitro.

Exceto na Holanda e nos rincões mais amargos da Catalunha, todo mundo comemorou a conquista espanhola da Copa do Mundo da África do Sul. A seleção de Vicente Del Bosque tinha sido muito superior não só ao seu rival na final como a todas as outras equipes na competição. Vários jornais e torcedores holandeses, porém, ecoaram as declarações dos seus jogadores: que Carles Puyol deveria ter sido expulso; que não foi escanteio para a Espanha na jogada que antecedeu ao gol da vitória; que Andrés Iniesta não só estava impedido antes de marcar como também merecia cartão vermelho, e que além disso era um safado com mania de se jogar, que passou o jogo todo enganando o árbitro. “Fomos roubados”, disse Wesley Sneijder, o meio-campista holandês. “Foi uma vergonha para o futebol.”

A vitória do Barcelona contra o PSG despertou sentimentos igualmente baixos entre parte dos madridistas, — uma parte expressiva, a julgar pelos comentários nas redes sociais e nas capas da sua imprensa esportiva. Sim, é duro para eles. Sabem que, no fundo, todos nós sabemos: que essa vitória por 6 x 1 vale mais que ganhar a própria Champions League. Talvez o Real ganhe a final da Champions, em maio, talvez ganhe o Bayern, talvez o Barça ou, melhor, o Atlético de Madri. Será uma mera curiosidade em comparação com o milagre do Camp Nou. O futebol é emoção, e o que aquele gol de Sergi Roberto desatou foi euforia pura — e um martírio para essas almas que não suportam a sorte dos outros. Mas claro: se o Real tivesse ganhado em circunstâncias similares, a resposta do outro lado teria sido identicamente mesquinha.

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