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A família do comercial de margarina não é mais maioria no Brasil

Em vinte anos, núcleo familiar tradicional passa de 58% para 42%, segundo o Ipea Persistência da jornada de trabalho dupla para mulheres alimenta debate sobre Previdência

Elô Kyrmse é filha única e, em 2015, não pretendia ter filhos no futuro.
Elô Kyrmse é filha única e, em 2015, não pretendia ter filhos no futuro.Victor Moriyama

A tradicional família brasileira se reconfigurou nos últimos vinte anos e já não é aquela composta por um casal com filhos. Se, em 1995, esse modelo mais tradicional respondia por cerca de 58% das famílias, em 2015, esse percentual caiu para 42%, tendo aumentado de maneira significativa o número de lares brasileiros com somente uma pessoa e também o percentual de casais sem filhos. É o que mostra o estudo Retrato Das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgado nesta segunda-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O número de pessoas que vivem sozinhas passou de 7,9% para 14,5% em duas décadas. Já o de mulheres sem filhos passou de 2,4% para 3%. 

A pesquisa, com com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), observou ainda que o número de mulheres chefiando famílias quase dobrou. Em 1995, 23% dos domicílios tinham mulheres como pessoas de referência. Vinte anos depois, esse número chegou a 40%, o que parece indicar mudanças no padrão de comportamento social, demonstrando maior aceitação de modelos menos tradicionalistas, segundo o estudo.

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Pouco mudou, entretanto, em relação a jornada laboral entre mulheres e homens. A diferença de carga de trabalho entre eles seguiu quase inalterada nos últimos 20 anos: as brasileiras continuam trabalhando mais devido à dupla jornada de tarefas. Em 2015, a carga total média das mulheres era de 53,6 horas, enquanto a deles era de 46,1 horas, uma diferença de 7,5 horas. A pesquisa mostrou ainda que as mulheres ocupadas continuam se responsabilizando pelo trabalho doméstico não remunerado. Nas última duas décadas, mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas, enquanto a proporção de homens que se dedicam ao afazeres de casa ficou em torno de 50%.

No entanto, apesar de trabalharem mais e também possuírem uma taxa de escolaridade maior que a dos homens, elas seguem ganhando menos. Entre 1995 e 2015, a escala de remuneração manteve-se inalterada: homens brancos têm os melhores rendimentos, seguidos de mulheres brancas, homens negros e mulheres negras.

"O que se percebe é que é uma questão de gênero. No Brasil se entende que é responsabilidade das mulheres o trabalho doméstico. É um nó de desigualdade que parece não ter perspectiva de se desfazer", avalia a especialista em políticas públicas e gestão governamental e uma das autoras do trabalho, Natália Fontoura.

Ainda segundo Fontoura, a responsabilidade feminina pelo trabalho de casa ainda é uma barreira para que muitas mulheres entrem no mercado de trabalho. Fontoura ressaltou ainda que a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou muito entre as décadas de 1960 e 1980, mas que nos últimos 20 anos houve uma estabilização. "Parece que as mulheres alcançaram o teto de entrada no mercado de trabalho. Elas não conseguiram superar os 60%, que consideramos um patamar baixo em comparação a muitos países", disse.

Para a autora do estudo, os dados publicados servem como elementos importantes para a discussão da polêmica Reforma da Previdência. No atual debate sobre as mudanças na aposentadoria, o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos, independentemente do gênero, é  justificada pela maior participação das mulheres no mercado de trabalho e a redução do tempo que elas gastam com afazeres domésticos. Duas ideias que são colocadas em dúvida pelo estudo. "A carga de trabalho maior era a justificativa para a regra atual de aposentadoria das mulheres. E o que vemos é que não houve uma mudança nesse aspecto, elas continuam trabalhando mais. O dado precisa ser levado em conta, ainda que os defensores da mudança também argumentem a questão das mulheres viverem mais, o que é certo", pondera Fontoura.

A pesquisa apontou também que o trabalho doméstico atrai cada vez menos mulheres jovens no Brasil. A quantidade de trabalhadoras domésticas com até 29 anos de idade caiu mais de 30 pontos percentuais no período analisado: de 51,5% em 1995 para 16% em 2015. No entanto, o emprego doméstico ainda era a ocupação de 18% das mulheres negras e de 10% das mulheres brancas no Brasil em 2015. Já a renda das domésticas saltou 64% nesses 20 anos, atingindo o valor médio de 739 reais em 2015 — ainda abaixo do salário mínimo, à época de 788 reais.

A análise dos dados feito pelo Ipea sinalizou ainda uma tendência de aumento na quantidade de diaristas. Em 1995, as empregadas que trabalhavam por diária eram 18,3% da categoria, já em 2015  o número subiu para 31,7%.

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