_
_
_
_
_

Eduardo Cunha lança sombra sobre Governo Temer

Supremo julga esta semana pedido de habeas corpus do ex-deputado para deixar a prisão. Se continuar preso, aumenta a tentação para delatar o que sabe sobre o presidente

Gil Alessi

O ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sempre deixou claro que pode até cair, mas cairá atirando. Com o conhecimento de quem esteve no centro do poder de seu partido, o ex-presidente da Câmara não deixa de mandar sinais de fumaça ao Planalto de que tem artilharia de sobra para cumprir o que diz à boca pequena. Na semana passada, ele mandou um desses sinais diante do juiz Sérgio Moro. Em depoimento de três horas ao juiz federal, o peemedebista afirmou que o presidente Michel Temer participou, em 2007, de uma reunião com a bancada do partido para discutir as indicações para diretorias da Petrobras. “Fui comunicado [de que haveria uma reunião (...) pelo próprio Michel Temer e pelo Henrique Alves (...) Temer esteve nessa reunião”, afirmou Cunha. À época Temer era deputado federal e presidente da Câmara.

Michel Temer, na terça-feira em Brasília.
Michel Temer, na terça-feira em Brasília.A. ANHOLETE (AFP)

A versão do ex-deputado contradiz depoimento por escrito enviado no final do ano passado pelo presidente a Moro, na condição de testemunha de defesa de Cunha. No texto ele declarou que “não houve essa reunião”. O encontro entre lideranças peemedebistas consta na denúncia da força-tarefa apresentada contra o ex-deputado. O objetivo foi tentar pacificar a bancada peemedebista. De acordo com Cunha, havia um “desconforto” com “as nomeações do PT de Graça Foster para a Diretoria de Gás e José Eduardo Dutra para a presidência da BR Distribuidora terem sido feitas sem as nomeações do PMDB”. Mais adiante Cunha é mais direto. "[Temer] participou sim da reunião e foi ele que comunicou a todos nós o que tinha acontecido", diz.

Mais informações
Frente a frente com Moro, Eduardo Cunha diz ter aneurisma como o de dona Marisa
Imóveis milionários, Cunha, PCC: as polêmicas do indicado
Posse de Moreira em ministério dá combustível à oposição de Temer
Delações da Odebrecht devem forçar Temer a fazer reforma ministerial

Existe a possibilidade de que o ex-deputado também firme um acordo de colaboração com a Justiça, o que potencialmente poderia arrasar o Governo e boa parte dos deputados do chamado centrão. No momento, no entanto, seus advogados afirmam que ele não está interessado em fazer uma delação. Os ventos podem mudar caso ele continue preso preventivamente – Cunha está detido desde outubro de 2016. Nesta semana o Supremo vai analisar um pedido de habeas corpus feito pela defesa do peemedebista – a expectativa é que ele seja julgado na quarta-feira pela Corte. Se continuar preso, a tentação de colaborar com um acordo de delação aumenta.

Soma-se à sombra projetada por Cunha sobre o Planalto a ameaça constante das delações de 77 ex-executivos e diretores da empreiteira Odebrecht. A expectativa é que o presidente e seu primeiro escalão sejam atingidos em cheio pelo conteúdo dos depoimentos – vários deles já são alvo de inquérito no STF.

A ameaça velada feita por Cunha ao presidente ocorre em um momento em que o presidente se sente cada dia mais seguro na cadeira que ocupa há nove meses. De um lado, economistas respeitados afirmam que o país entrou nos trilhos na economia com o controle das contas públicas, o que soa como música aos ouvidos do mercado financeiro. De outro, Temer coleciona vitórias importantes que o deixam ainda mais confortável. No último dia 2, viu seu candidato à presidência da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser confirmado no cargo. No mesmo dia, sentiu-se confiante para  conceder status de ministro a Moreira Franco, um de seus mais antigos aliados e hoje secretário-executivo do Programa de Parcerias em investimentos. Ele assumiria a Secretaria Geral da Presidência da República. Agora Franco, que foi citado 34 vezes na delação de Cláudio Melo Filho, da Odebrecht, ganharia direito a foro privilegiado, e ficaria longe das mãos de Moro. Sua indicação ainda não está certa. Depois de um ioiô judicial, com juízes federais aceitando e derrubando liminares que barram sua posse, ele pode assumir o cargo, mas o STF ainda analisará o caso.

Além disso, Temer nomeou um aliado para ocupar um dos mais altos postos do Judiciário. Alexandre de Moraes, até então ministro da Justiça e amigo de longa data do presidente, foi indicado pelo peemedebista para a vaga de Teori Zavscki, morto em janeiro, no Supremo Tribunal Federal. O Senado Federal ainda precisa sabatinar Moraes antes que ele possa assumir o cargo, mas sua aprovação é praticamente certa. Seria um forte aliado dentro do Supremo, algo que desperta críticas da oposição, mas aumentaria a tranquilidade do presidente que já foi citado inúmeras vezes por delatores.

O PMDB tem motivos para se preocupar com Cunha. Esta não é a primeira vez que o ex-deputado, que foi praticamente abandonado pelos colegas de partido no ano passado e acabou com o mandato cassado e atrás das grades, ameaça retaliar contra Temer. Em novembro do ano passado o ex-deputado enviou para Moro uma série de perguntas para serem feitas ao presidente por Moro – parte delas acabou vetada pelo magistrado sob a alegação de não serem "pertinentes" para o caso. Entre os questionamentos propostos por Cunha estão as relações de Temer com vários ex-diretores da Petrobras envolvidos na Lava Jato.

Mantendo o estilo de atacar para se defender, o ex-deputado também disparou contra Moro: em artigo assinado na Folha de S.Paulo, ele diz que sua prisão é um "troféu", e que em Curitiba – onde o juiz atua – "basta prender para tornar o fato ilegal em consumado". Por sua vez, Moro criticou o depoimento dado por Cunha na semana passada. Em despacho publicado na sexta-feira ele classificou as referências feitas pelo peemedebista a Temer como "episódio reprovável de tentativa pelo acusado de intimidação da Presidência da República".

O peemedebista é réu em um processo no âmbito da Lava Jato acusado de ter recebido 5 milhões de propinas em contas na Suíça. O valor seria referente a propinas pagas por contratos obtidos pela Petrobras em Benin, na África. O processo dele estava nas mãos do STF, mas quando a Corte cassou seu mandato o caso foi enviado para a primeira instância. No depoimento a Moro ele negou ter tido participação nas negociações. "Pode ser que eu não tenha entendido, mas não estou conseguindo visualizar [neste caso] o ato de corrupção. Não participei", afirma.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_