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Bolívia faz campanha contra novo decreto de imigração de Mauricio Macri

Evo Morales manda o presidente do Senado a Buenos Aires para frear "a onda de xenofobia”

Carlos E. Cué

O endurecimento da política imigratória de Mauricio Macri, que aprovou um decreto para expulsar com mais facilidade os estrangeiros envolvidos em delitos e evitar que entrem no país pessoas com antecedentes criminais, provocou um conflito importante com a Bolívia. Evo Morales, que criticou Macri com dureza e o acusou de se aproximar das políticas de Donald Trump, enviou uma delegação a Buenos Aires liderada pelo presidente do Senado, José Alberto Gonzáles, para demonstrar seu mal-estar e reduzir a tensão.

Os presidentes de Bolívia, Evo Morais, e da Argentina, Mauricio Macri.
Os presidentes de Bolívia, Evo Morais, e da Argentina, Mauricio Macri.Reuters

“O temor dos bolivianos é que seja desencadeada uma onda de perseguições, com discriminação pelo tipo físico, que persigam pessoas que vêm trabalhar, com a desculpa da luta contra a criminalidade. A questão foi exacerbada, apareceu uma onda de xenofobia, mas no Governo argentino nos garantem que não é essa a intenção do decreto. Estamos tentando afastar fantasmas. A reunião foi positiva”, disse Gonzáles a EL PAÍS, depois de se encontrar com o vice-chanceler argentino, Pedro Villagra.

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O Governo Macri insiste em que não tem nenhuma intenção de estigmatizar os imigrantes, que a Argentina continua sendo um país aberto –o preâmbulo de sua Constituição é muito claro ao falar de “todos os homens do mundo que queiram habitar em solo argentino” –, mas algumas declarações, em especial as da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, aumentaram a tensão com a Bolívia, Peru e Uruguai, os países com mais cidadãos na Argentina. Um deputado argentino, Alfredo Olmedo, chegou a pedir que seja construído um muro com a Bolívia, e Evo Morales explodiu. “Irmãos presidentes latino-americanos: sejamos pátria grande, não sigamos políticas imigratórias do Norte. Juntos por nossa soberania e dignidade”, lançou no Twitter. “As políticas discriminatórias que condenam a imigração e a consideram causadora da criminalidade, do narcotráfico, do tráfico de pessoas, terrorismo e um freio ao direito ao desenvolvimento são um retrocesso vergonhoso diante dos direitos conquistados pela luta de nossos povos”, arrematou.

Gonzáles, que viveu vários anos na Argentina, como cônsul boliviano, se reuniu com representantes de uma comunidade enorme no país –1,2 milhão de pessoas – e detectou uma grande preocupação. “A questão foi exagerada, o papel da mídia é importante, as redes sociais contribuem também. Isso inquieta as pessoas. O Governo argentino insiste em que é uma norma contra a criminalidade. Estamos tentando eliminar um pouco esses fantasmas.”

O presidente do Senado boliviano apontou a mulher de Macri, Juliana Awada, proprietária de uma conhecida marca de roupas que trabalha muito com bolivianos em suas oficinas e foi acusada de empregar trabalhadores irregulares. “Se vocês têm dúvidas de como trabalham os bolivianos, perguntem a Awada qual é a qualidade do trabalho dos costureiros bolivianos”, disse.

Gonzáles parece buscar agora um apaziguamento para evitar males maiores. No entanto, os bolivianos na Argentina estão muito apreensivos. María Blanco, referência dos bolivianos em Villa Celina, em Buenos Aires, explica que “o medo é que criem motivos. Podem te expulsar por oito anos. E estamos vendo abusos da polícia, que entra sem ordem de revista nas chácaras onde são produzidas hortaliças. Agora vai ser pior. Esta nova lei reaviva a xenofobia. Meus filhos nasceram aqui. Este é seu país, mas continuam sendo considerados bolivianos. A sociedade nos discrimina. Agora vão começar as aulas. Veremos o que vai acontecer”, se preocupa.

“O problema real é a crise”, diz Juan Vasquez, da Simbiosis Cultural, entidade de bolivianos. “Há muita preocupação porque não há trabalho. O setor têxtil, que é onde os bolivianos mais trabalham, está muito mal porque estão sendo abertas as importações. Todas as oficinas descumprem a lei de alguma maneira. Agora podem expulsar você por qualquer coisa”, diz.

“Muitos cidadãos paraguaios, bolivianos e peruanos se comprometem nas questões do narcotráfico como financiadores ou como mulas, como motoristas ou como parte de uma rede”, disse a ministra Bullrich, desencadeando a polêmica. “Dizem coisas que não são verdadeiras. Temos os dados oficiais do sistema penitenciário de Buenos Aires. Dos 39.000 presos que há na província, somente 190 são bolivianos. E somente 14 deles estão ali por narcotráfico. Esta é a realidade”, sentencia Gonzáles. Bullrich insiste: "A lei é a mesma que a Bolívia tem, exatamente igual para as pessoas que têm antecedentes ou cometeram delitos. Não são bem-vindas. A lei não tem nada a ver com a imigração, mas com a criminalidade”.

As consequências práticas do decreto serão vistas com o tempo. Mas os bolivianos já começam a notar uma onda de xenofobia nunca vista na Argentina.

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