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Coluna
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A mulher mais esperada da minha vida

Ou como Isaac B. Singer dá o norte a um nordestino depois do 'Amor e Exílio', o grande livro

Nunca esperei tanto por uma mulher na vida como esperei por Irene. Gastei todos os cotovelos da espera, caro Lupicínio, nos balcões das mais resistentes fórmicas dos interplanetários botecos. Tristes dos cotovelos que não afundam naturalmente sob o peso da dor-de-corno.

Esperei por Irene como aguardei os livros do Kurt Vonnegut no Círculo do Livro lá nas minhas primeiras leituras em Juazeiro. Te amo, velho Kurt! Rapaz...

E nada de Irene dá as caras. Li de trás pra frente e da frente pra trás Amor e Exílio, daquele menino chamado Isaac B. Singer, de certa forma um rapaz de Varsóvia, um sábio guri que não entendia —filosoficamente— a existência de Deus diante da maldade do mundo contra homens desprotegidos e dos animais da mesma sina. Que sentido faz ter um Deus que não cuide minimamente disso?

Poxa, um Deus que permite a morte escrota dos bichos e a filhadaputagem do trabalho escravo, vixe! Tudo por dinheiro, neoliberalismo e safadeza? Imagine esse Deus no Brasil: matando os desvalidos, pobres, sem-tetos, pretos, nordestinos e os culpados de sempre, como diria Hanna Arendt.

Imagine esse Deus no Brasil protegendo apenas quem está na lista da propina da Odebrecht. Esse Deus consagrando ao poder midiático o vice golpista chamado Michel Temer, o Rodrigo Maia e o Eunício Oliveira. Existem ladrões maiores no planeta? Eles venceram. O Brasil consagra os corruptos sob o sigilo supremo de Carmen Lúcia.

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Que demora, Irene, mas quando você chegou só pensei nesse dilema do pequeno Isaac, o menino, o “pirraia” inaugural do Amor e Exílio antes de ter voz e ficções próprias. Que sentido faz ter um Deus que só alargue a desigualdade e ache bonito isso entre os homens? Parece um Deus moral e vexaminoso de telejornal brasileiro, parece um Deus genérico de polemista sem Deus. Não é a ideia de Deus. Adeus.

Irene, chegaste na hora certa, a hora em que penso sobre a maldade do mundo contra os feios, sujos e malvados, sem se falar, mulher, nos vira-latas. Ainda bem que o danado do Isaac não se entregou diante de tais coisinhas e dificuldades daquela Polônia que nem te conto.

O que é fascismo?

Isaac enfrentou todos os sinais de fascismos. Quem disse que sei te explicar, a essa altura da embriaguez inicial, meu amor, o que seja fascismo. Só sei que nos bafeja o cangote tal ideia, como um sopro quente de um bueiro à beira de um metrô da Paulista. A ideia de fascismo é aquela velha perseguição que nos assombra, sabe aquele primo que mataram ou sangraram por ser gay e você nem sabe onde foi parar o maldito bê-ó da PM?

Não que alguém nos persiga à toa, não se trata disso, decerto falo de quem nos odeia por nada, independentemente de noção, GPS ou mapa. Odeia por origem, cor ou trajetória. Assim como nos massacres das antigas, agora o massacre dos favelados.

Amor & exílio.

Caro Isaac, posso rir de você um pouco? Rs. Carajo. E você na mão, digo, na cama daquela mulher mística da porra!, acabei de reler essas páginas...

Eu amaria também aquela miséria da existência. Lembra que você não tinha o sol, que você seria um dublê de vampiro etc, seu vagabundo, ah, mas a maluca bem que avisou... Maluca que nada, você que havia virado um leitor de almanaque de hipnose e outras embromagens, lembra?

O Décio e a Rose, avós de Irene, que me digam. Sabem da ideia que tenho do Isaac B. Singer. E quer saber mais? Tocam uma viola violeira, ave, depois eles contam, cantam, vai saber, aqui me despeço, quem sou eu diante desse ponto final?

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de A Pátria em sandálias da humildade (editora Realejo), entre outros livros.

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