_
_
_
_
_

As angustiantes 18 horas de Yassir: “Não sabia se poderia entrar nos EUA”

Imigrante afegão e sua família são recebidos como heróis pelos manifestantes contrários ao veto imigratório decretado por Trump

Silvia Ayuso
Manifestantes no aeroporto de Dulles, nos arredores de Washington.
Manifestantes no aeroporto de Dulles, nos arredores de Washington.THOMAS WATKINS (AFP)
Mais informações
Protestos em massa nos EUA contra o decreto de Trump
Donald Trump sacode os Estados Unidos com 15 decretos em uma semana
Juíza suspende deportações de refugiados decretada por Trump
Líderes mundiais criticam o veto de Trump à entrada de refugiados nos EUA

A última coisa que Yassir Razawi esperava ao colocar os pés nos Estados Unidos pela primeira vez era ser recepcionado como herói. Centenas de pessoas aclamaram a ele e à sua família – a mulher e duas filhas de 3 e 5 anos – ao saírem pelo portão do aeroporto internacional Dulles, nos arredores de Washington, na noite do domingo. As meninas ganharam brinquedos de pelúcia, enquanto Razawi segurava com força a bandeira norte-americana que alguém lhe dera. Sua mulher guardava vales-presente que simpatizantes deixaram em suas mãos, sem saber bem o que fazer com eles. Mas o principal, contava o recém-chegado depois de se recuperar da emoção, era o alívio de saberem que finalmente estavam nos EUA.

O veto migratório imposto por Donald Trump na sexta-feira passada não afeta, ao menos por enquanto, cidadãos do Afeganistão, mas isso em princípio não estava muito claro. Por isso, assim que o decreto foi emitido Razawi e sua família decidiram acelerar os preparativos para a migração: encheram duas malas e partiram imediatamente, “sem olhar para trás”, mesmo sem a certeza de que poderiam entrar no país.

“Foram 18 horas de voo, e a gente não sabia se ia conseguir entrar ou se iriam nos deter ou rejeitar. Mas afinal não aconteceu nada de ruim e pudemos entrar, estou realmente feliz”, disse Razawi, que desembarcou com um visto tipo SIV (“visto de imigração oficial”, na sigla em inglês), concedido pelos EUA exclusivamente a cidadãos iraquianos e afegãos que trabalharam para o Exército ou Governo norte-americano em seus países de origem. Razawi foi tradutor dos norte-americanos no Afeganistão durante os últimos três anos. Antes, por 16 anos, realizou o mesmo trabalho para agências internacionais de desenvolvimento. Como tantos afegãos que trabalham para governos estrangeiros, Razawi e sua família eram ameaçados de morte. Sentia que poderiam ser atacados a qualquer momento. E não esperava que o país pelo qual tanto se arriscou poderia lhe fechar as portas.

“Não somos uma ameaça para os EUA, olhem para nós. Trabalhamos para o Governo norte-americano, o apoiamos, e esta ordem executiva [decreto presidencial] não faz sentido”, lamentava.

Razawi e sua família passariam a sua primeira noite nos EUA em um alojamento preparado pela ONG No One Left Behind (“ninguém deixado para trás”), que ajuda tradutores afegãos e iraquianos que trabalharam para as forças norte-americanas. Essa acolhida foi motivo de comemoração para Matt Zeller, cofundador da ONG e veterano da guerra do Afeganistão, onde teria morrido se não fosse, como conta, pela intervenção do seu tradutor, que matou dois militantes do Taliban que estavam prestes a alvejá-lo.

Mas Zeller, que não descansou desde a divulgação do decreto de Trump na sexta-feira, rapidamente assume um semblante mais sério. Razawi é uma história com final feliz, mas há muitas outras mais preocupantes, como as dos tradutores iraquianos com visto especial que estão ameaçados e que, depois de mais de um ano de gestões e interrogatórios para receber o aval para emigrarem, foram barrados quando estavam prestes a realizar seu sonho. Desde sexta-feira, a organização de Zeller soube de dois iraquianos detidos em Nova York e Filadélfia e também recebeu informações sobre iraquianos que não puderam decolar do Egito, Índia e Turquia com destino aos EUA.

“Imagine como é estar no avião na Turquia e, a 10 minutos da decolagem, quando você começa a pensar que vai dar tudo certo, tiram você e sua família e dizem que precisam voltar ao Iraque, onde você já foi ameaçado e ainda por cima ficou sem casa porque vendeu tudo para vir aos EUA”, disse.

Apesar da retificação feita nas últimas horas pelo Governo Trump, esclarecendo que quem tiver uma permissão de residência legal (green card) poderá retornar aos Estados Unidos, os especialistas não acreditam que as condições para os mais afetados pelo veto migratório devam melhorar tão logo. “Se você é iraquiano e tem um green card, eu não recomendaria viajar ao exterior no momento”, aconselhava Dan Press, um dos muitos advogados que se deslocaram até o aeroporto Dulles para ajudar possíveis afetados pelo decreto presidencial. Razawi também tinha um conselho para outros afegãos com visto pronto: “Não esperem mais, façam as malas e venham, porque não sabemos o que mais pode acontecer. Tudo é muito imprevisível agora”.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_