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Crise em Natal chega às ruas com ataques a ônibus após transferência de presos

220 detentos do Sindicato RN foram transferidos de cadeia enquanto 15 ônibus foram incendiados

Parentes de presos queimam barricada no Rio Grande do Norte.
Parentes de presos queimam barricada no Rio Grande do Norte.REUTERS

O quinto dia de tensão no Rio Grande do Norte extrapolou os muros da penitenciária de Alcaçuz e chegou às ruas de Natal. Nesta quarta-feira, ao menos 15 ônibus e um carro oficial do Governo do Estado foram incendiados na capital. Os crimes ocorreram enquanto cerca de 220 detentos eram transferidos da penitenciária que fica em Nísia Floresta, na região metropolitana, para o presídio de Parnamirim, a 20 quilômetros dali. O secretário de Segurança Pública do Estado, Caio César, afirmou que a destruição dos ônibus está sendo investigada, mas que “provavelmente” existe um vínculo com o deslocamento dos detentos. Duas delegacias também foram alvos de pedradas e disparos na cidade, mas ninguém foi ferido ou detido nos ataques. Além disso, presos do Presídio Estadual do Seridó, em Cairó, interior do Rio Grande do Norte, iniciaram uma rebelião ainda na tarde de quarta. Um detento morreu, cinco ficaram feridos e dois passaram mal, segundo informações do jornal O Globo. Agentes penitenciários e policiais militares conseguiram controlar a situação.

A possível relação dos ônibus queimados com as transferências seria uma represália da facção criminosa Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte, chamado de RN, já que os detentos transferidos pertencem à esse grupo, que é rival do Primeiro Comando da Capital (PCC). A operação de transferência atravessou a tarde desta quarta, iniciando-se com a entrada do Batalhão de Choque em Alcaçuz. Enquanto os policiais estavam lá dentro, foi possível ouvir barulho de bombas e tiros.

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Do lado de fora, o clima ficou ainda mais tenso quando as mulheres e familiares dos internos souberam que os transferidos seriam membros do RN. Já era final de tarde, quando houve uma espécie de rebelião fora do presídio. Elas montaram uma barricada na rua da penitenciária, ateando fogo em um sofá e em restos de lixo, para tentar impedir que os detentos saíssem do presídio. “Se eles forem embora, vai ter mais morte”, disse uma delas. A polícia disparou balas de borracha na aglomeração para conter o protesto. Não houve feridos, mas ao menos uma mulher passou mal e foi atendida no local.

Dispersada a barricada, cinco ônibus começaram a chegar em Alcaçuz. Vinham da penitenciária de Parnamirim, com outros detentos que seriam “trocados” entre os dois presídios. O secretário Caio César afirmou que não houve resistência dos presos para deixar as prisões e que em Alcaçuz, durante a operação, foram localizadas armas de fogo, um colete a prova de balas e armas brancas (facas, canivetes etc). Ele não afirma explicitamente que os internos transferidos de Alcaçuz eram do RN, apenas que pertenciam aos pavilhões 1 e 2 –tidos como dominados pelo grupo. O secretário disse ainda que a escolha desses pavilhões se deu por uma questão “tática e de logística”, já que o pavilhão 5, onde fica o PCC, está situado no final do complexo, “dificultando a saída dos carros”, segundo o secretário.

A tensão em Alcaçuz iniciou-se no sábado, quando membros do PCC e do RN entraram em confronto por uma disputa de território interno. Ao menos 26 pessoas morreram naquele dia. Embora essa rebelião não tenha se repetido nos dias seguintes, o controle total da situação jamais foi restabelecido. Há tensão e trocas de ameaças entre os presos, que seguem fora das celas - as estruturas internas do presídio, já precário e superlotado, foram praticamente destruídas nos últimos dias. Neste panorama, os ônibus queimados pela cidade nesta quarta-feira são mais um ingrediente explosivo, embora não seja a primeira vez que Rio Grande Norte sinta nas ruas os reflexos da força do crime organizado. Em agosto de 2016, o Estado foi sacudido por três dias em uma onda de ataques que totalizou 65 ocorrências. Na época, ônibus também foram incendiados e prédios privados e públicos foram alvejados e as autoridades acusaram lideranças do Sindicato do Crime de estarem por trás das ações como reação à instalação de bloqueadores de celulares nos presídios.

A repórter Marina Rossi continua acompanhando as movimentações na penitenciária de Alcaçuz, onde desde o sábado os internos de duas facções estão em confronto. Leia a reportagem sobre o Sindicato do Crime http://bit.ly/2joJtoR

Gepostet von EL PAÍS Brasil am Mittwoch, 18. Januar 2017

Veja o relato da repórter durante a transferência dos detentos.

A retirada de membros do RN de Alcaçuz pode representar uma espécie de vitória para o PCC, já que  as duas facções reivindicavam a saída do grupo rival desde o início desse confronto. A rebelião das mulheres do lado de fora do presídio na tarde desta quarta, aponta para esse sentimento de derrota para a majoritária RN. É fruto também de uma questão mais prática: as famílias dos internos transferidos já estão acostumadas a ir a Alcaçuz para as visitas. Muitas mulheres já calculavam quanto a mais gastariam se tivessem de ir para Parnamirim. Mais cedo, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Expedido Ferreira de Souza, afirmou em uma reunião com entidades que “o Estado perdeu para o PCC”, e que a situação em Alcaçuz “é muito preocupante”.

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