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Os segredos de dois professores brasileiros eleitos entre os 50 mais inovadores do mundo

Valter Menezes e Wemerson Nogueira foram escolhidos para concorrer ao prêmio Nobel da Educação

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Um é um veterano da educação, com 22 anos de sala de aula. O outro é novato, apenas cinco anos de experiência. Mas os dois brasileiros selecionados dentre os 50 melhores professores do mundo têm algumas coisas em comum. Ambos dão aula de Ciências e compartilham uma paixão: buscar formas de inovar o ensino público. Valter Menezes, do Amazonas, e Wemerson Nogueira, do Espírito Santo, foram escolhidos entre mais de 20 mil nomeações, para concorrer ao Global Teacher Prize, promovido pela Fundação Varkey e considerado o Nobel da educação. O vencedor leva um prêmio de US$ 1 milhão.

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Os professores dividiram com o EL PAÍS o segredo para ser inovador, mesmo frente às adversidades da escola pública. Ouvir e valorizar os alunos, ser um aprendiz, compartilhar informações com outros professores, ser criativo, ampliar a educação para fora dos muros da escola e, principalmente, mostrar aos alunos que a educação pode ser transformadora são alguns dos ensinamentos que eles destacam para mudar a qualidade do ensino brasileiro.

"A missão do professor é a mais linda, porque trabalha com gente. As escolas têm que trabalhar suas realidades com projetos inovadores que encontrem uma solução para uma problemática que está em volta da escola. Ao redor da escola temos um laboratório a céu aberto que nossas escolas não estão trabalhando", diz Valter.

"O professor inovador é aquele que se permite ser um aprendiz juntamente com seu aluno, que compartilhe informações e que tenha preocupação em diversificar os métodos de ensino. E os alunos têm muito o que contribuir nesse quesito. Eles têm acesso às tecnologias, pesquisam mais, e por isso, têm como ser os principais protagonistas para transformar a educação. Pergunte aos alunos como eles querem aprender, vocês vão se surpreender", diz Wemerson.

Projeto Água Limpa: alunos levaram saneamento para as próprias casas

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"Se a educação brasileira vai mal, a culpa não é do aluno, é do professor, que não soube usar a criatividade para que seus alunos assimilassem os conteúdos". Essa é a premissa que norteia a carreira de Valter Menezes, professor concursado de Ciências da rede municipal de Parintins, no Amazonas, que há 22 anos dá aula na escola Luiz Gonzaga, na comunidade rural de Santo Antônio do Rio Tracajá. "Se um professor reprova cinco alunos, são seis reprovados, contando ele mesmo", garante.

Após uma experiência de sete anos dando aula em uma escola de ensino médio que usava a tecnologia como parte do método de ensino, ele decidiu mudar a forma de dar aula na escola municipal em que leciona. Para despertar o interesse dos seus alunos, Valter começou a trabalhar com base na realização de projetos. "O projeto nos dá um direcionamento para colocar a teoria em prática e alcançar metas", conta.

Um prêmio de US$ 1 milhão para realizar sonhos

Considerado o prêmio Nobel da Educação, o Global Teacher Prize foi criado para reconhecer um professor excepcional de qualquer lugar do mundo, que tenha feito uma contribuição extraordinária à sua profissão. Em março, dez professores serão selecionados para ir ao Fórum Global sobre Educação e Habilidades em Dubai, nos Emirados Árabes. Um deles ganhará US$ 1 milhão. Apesar de ainda ser um sonho distante, Valter e Wemerson já têm ideia do que farão se ganharem o prêmio.

"Quero abrir a Fundação Nogueira, para criar ações de incentivos para que alunos do ensino médio se tornem professores", conta Wemerson, que ainda pretende atuar como orientador na formação de professores inovadores. "Meu plano é abrir um laboratório de ciências e tecnologia em Nova Venécia (ES), onde nasci."

Valter também quer usar o prêmio para beneficiar os alunos e suas famílias. "Tenho vários projetos que gostaria de executar para ajudar a comunidade, a começar pela fundação da ONG 'Gurizada, os Guardiões da Floresta'", conta Valter, que ainda sonha em criar uma escola profissionalizante para jovens e construir um barco biblioteca para levar a leitura para os curumins do Tracajá.

Para ele, mexer com a realidade do aluno tem que ser um dos principais focos desse método. Assim surgiu o Projeto Água Limpa, que nasceu a partir de questionamentos dos estudantes sobre a necessidade de aumentar o saneamento básico na comunidade. Com o tratamento de dejeto humano, a iniciativa transformou Santo Antônio do Rio Tracajá na primeira comunidade ecologicamente correta do Amazonas, onde as fossas não agridem os lençóis freáticos.

O projeto envolveu diretamente toda a direção da escola, professores, alunos de todas as series, a comunidade e as ONGs que atuam na região, como a Asas de Socorro e Tearfund, que financiaram as ações. Eles instalaram filtros Bio Ativos de Areia nas residências que não têm água encanada, como nas beiras dos rios.

A diferença na performance dos alunos que participaram do projeto foi grande. O segredo do sucesso: foram eles que questionaram, buscaram e desenvolveram soluções a serem aplicadas em suas próprias residências. "É possível ver a gratidão das famílias e a satisfação dos estudantes. Hoje você anda pelas ruas da comunidade e não sente o odor dos banheiros, que antes eram apenas buracos cavados no chão com dois paus cercado por uma casinha de palha", afirma Valter.

O projeto continua ativo e serve de modelo para outras comunidades que passam pelas mesmas dificuldades. "Eu acredito que a educação verdadeira tem que transformar a realidade do aluno. As teorias ensinadas em sala de aula devem retornar aos alunos de forma de prática, como soluções para mudar a triste realidade em que muitos vivem."

Pelo seu protagonismo, Valter foi condecorado pela Câmara Municipal de sua cidade com a medalha Raimundo Almada, a mais importante distinção que um morador pode receber, e sua escola recebeu o Prêmio "Educador Nota 10" em 2015, da Fundação Victor Civita.

Para 2017, Valter já tem outro projeto em foco: trabalhar com o reflorestamento. Ele quer criar um viveiro de plantas frutíferas para os produtores plantarem em meio à monocultura de mandioca, para que, num futuro próximo, tenham a floresta renovada. "Se não fizermos isso a partir de uma escola localizada no pulmão do mundo, a Amazônia virará um deserto."

Filtrando as Lágrimas do Rio Doce: o sonho de devolver vida ao rio

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Há cinco anos, quando começou a procurar trabalho como professor, a realidade encontrada por Wemerson da Silva Nogueira, não era muito atrativa. Sem concursos para professor efetivo da rede pública, o jeito era se adaptar à vida de "designado temporário", uma contratação comum no Brasil, em que o professor passa por um processo seletivo no começo do ano e é encaminhado para uma escola que tem falta de concursados.

Na prática, ele passou por muitas escolas e pensou em abandonar a carreira. "Lembro quando comecei a dar aula para o ensino médio. Foram dois meses tentando, mas eles conversavam, cantavam, faziam baderna. Estava quase desistindo, quando decidi mudar a estratégia", afirma.

Por sorte, Wemerson não desistiu. Ele resolveu entender os alunos e perguntou como eles queriam aprender o conteúdo das classes de química. "Ouvi que eles queriam aulas práticas, mas como o conteúdo é importante, chegamos ao consenso de que teríamos uma aula teórica e uma prática", conta. Para transformar a aula em algo interessante aos alunos, ele decidiu cantar. "Dancei, sambei, e os alunos tocavam pandeiro, tambor e chocalho."

Mas será que os alunos aprendiam? Wemerson conta que, em 2014, a escolar teve um resultado quatro vezes melhor no Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (Paebes). "Tenho uma aluna que passou em Medicina e me contou que cantou todo o conteúdo de Química durante a prova, rindo das mais de 40 músicas que fizemos."

Wemerson coleciona vitórias em cada escola que passa. Seus projetos lhe renderam o Prêmio "Educador Nota 10", concedido aos dez melhores professores do Brasil. "O primeiro passo para inovar é dar voz ao aluno no ambiente escolar, entender como eles querem aprender. E usar a ferramenta mais importante que temos na escola, a comunidade", afirma.

Foi pensando na comunidade, que ele criou o projeto Filtrando as Lágrimas do Rio Doce, em 2016, na Escola Antonio dos Santos Neves, em Boa Esperança, no Espírito Santo. O professor desenvolveu uma pesquisa científica com os alunos de 13 e 14 anos em que o objetivo era aprender a tabela periódica na prática. Para isso, ele transformou o Rio Doce em sala de aula. "Os estudantes aprenderam fazendo pesquisa e análise dos metais pesados presentes na água do rio após o desastre de Mariana", conta.

Os estudantes assumiram também um outro desafio: devolver o rio para a comunidade. Por isso, criaram um mecanismo de retenção capaz de filtrar a água do Rio Doce. "Em uma região sem saneamento, o objetivo era que os ribeirinhos pudessem voltar a usar a água para molhar as plantações e fazer as atividades de casa."

Wemerson conta que mais de 500 filtros já foram instalados gratuitamente e agora o projeto é replicado por outras comunidades afetadas no Espírito Santo e em Minas Gerais. "Os alunos entenderam que era mais do que aprender ciências, era usar o conhecimento adquirido para contribuir e transformar vidas de pessoas que estavam sofrendo".

O professor calcula que já impactou mais de 3 mil alunos com suas ideias. Em 2017, vai dar continuidade ao projeto do Rio Doce, "até que o rio esteja limpo novamente". Parece muito ambicioso? Pois ele garante que está só começando. Quer ainda desenvolver outras ideias que ajudem a combater a criminalidade e a violência, todas a partir da sala de aula.

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