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Déficit de um militar para a Previdência é 32 vezes maior que o de um aposentado do INSS

Militares não foram incluídos na reforma proposta pelo Governo. Ministério da Defesa diz, no entanto, que projeto de lei com mudanças nas regras já está em discussão

Ministro da Defesa, Raul Jungmann, em evento em julho.
Ministro da Defesa, Raul Jungmann, em evento em julho. Marcelo Camargo (Agência Brasil)

Preservados da proposta da reforma da Previdência apresentada pelo Governo Temer, os integrantes das Forças Armadas fazem parte do regime previdenciário mais deficitário em valores per capita. Os militares respondem por quase metade do rombo da Previdência dos servidores públicos da União – que chegou a 72,5 bilhões de reais no ano passado –, embora representem apenas um terço dos servidores.

Segundo cálculos do ex-secretário da previdência e consultor do Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim, o regime da previdência dos militares beneficiou 296.000 pessoas – entre reformados, na reserva e pensionistas -  no ano passado e apresentou um déficit de 32,5 bilhões de reais. Ou seja, cada um dos beneficiados gerou um rombo anual de 109.000 reais aos cofres públicos. O valor é 32 vezes maior que o déficit gerado por um aposentado no regime geral (Instituto Nacional do Seguro Social -INSS). No ano passado, o rombo gerado no regime geral foi de 89 bilhões de reais em um universo de 26 milhões de beneficiários, o que significa dizer que cada aposentado do INSS gerou um déficit de 3.414 reais. A contribuição dos militares também é abaixo da dos civis: 7,5% do salário bruto contra 11% dos aposentados pelo INSS.

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O Governo justificou a decisão de não incluir os militares na reforma da Previdência em função das  condições especiais da carreira das Forças Armadas, que incluem desde possíveis riscos de vida ao preparo físico exigido. “Nada justifica deixar os militares de fora da reforma. Ele é o regime mais deficitário em valores proporcionais. Além disso, o contingente de militares no Brasil é exagerado”, explica Rolim.

A exclusão dos militares é também considerada por Sonia Fleury, professora da FGV, como uma das distorções da reforma apresentada. “Ela mostra claramente que os setores que têm mais capacidade de pressão conseguem empurrar para frente essa mudança, enquanto pessoas extremamente vulneráveis passam a ter obrigação de passar mais cinco anos sem receber o benefício”, afirma Fleury.

A PEC proposta pelo Governo fixa uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres (atualmente mulheres podem se aposentar aos 60 e os homens aos 65). Enquadram-se nessa nova categoria mulheres que tenham até 45 anos e homens com até 50 anos. A regra também prevê que será preciso um mínimo de 25 anos de tempo de contribuição - atualmente o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos. O Governo Temer argumenta que, tal como está, a Previdência é insustentável. De acordo com projeções do Ministério da Fazenda, mantidas a legislação em vigor, as despesas do sistema geral, o INSS, passariam de 8% do PIB em 2016 para 17,5% do PIB em 2060. As mudanças na Previdência são precedidas da aprovação do teto de gastos, os pilares do programa do Governo para tentar conter o déficit nas contas públicas sem aumento imediato de impostos ou uma reforma tributária.

Segundo o ministro da Defesa Raul Jungmann, um projeto de lei complementar com mudanças nas regras previdenciárias para os militares já está em discussão e deve ser enviado à Casa Civil entre janeiro e fevereiro de 2017. Ainda de acordo com o ministro, todas as regras poderiam ser negociadas, inclusive um aumento da contribuição e do tempo de serviço.

“Não queremos nenhum privilégio, apenas que se reconheça as especificidades. Tudo está na mesa. Não há nada excluído da agenda”, afirmou Jungmann em coletiva de imprensa em Brasília neste mês. O ministro negou também que a participação dos militares no déficit da Previdência seja de 32,5 bilhões de reais e disse que há uma “confusão contábil” neste cálculo.

Segundo o ministro da Defesa, o INSS arca somente com as pensões pagas a dependentes dos militares. Para o ministro, o déficit real é de 13,85 bilhões de reais. Segundo ele, serão pagos 16,55 bilhões aos pensionistas das três Forças, mas haverá 2,69 bilhões arrecadados com as contribuições da categoria no ano de 2016.Já os salários dos inativos e reservistas, de acordo com Jungmann, são pagos pelo próprio Ministério da Defesa. Isso ocorre porque os militares estão enquadrados em um sistema de proteção social custeado pelo Tesouro Nacional. Dele, saíram os recursos para o pagamento de militares ativos e inativos que, neste ano, somaram 20,23 bilhões de reias e 18,59 bilhões de reais, respectivamente. Os valores já estavam consignados por lei ao orçamento do ministério, segundo o ministro.

“Quem paga nossos inativos somos nós. Ou seja, os nossos inativos não pressionam a Previdência. Isso é computado na Previdência por um óbvio equívoco contábil, que está sendo desfeito do balanço da União”, declarou o ministro que informou ainda que o pagamento aos homens da reserva não pode ser classificado como gasto previdenciário já que eles podem ser convocados a voltar a serviço.

Segundo Leonardo Rolim, o que o ministério da Defesa está fazendo é uma contabilidade criativa para fingir que não existe um rombo. “Se a justificativa é falar que é o Ministério que paga o benefício, não existiria déficit de servidor público. Via Forças Armadas eles estão dando argumentos para não fazerem a reforma. De onde acham que vem o dinheiro do ministério?”, critica Rolim.

Em defesa das contas da pasta, o ministro da Defesa ressaltou que os valores da folha de pagamento dos militares estão em um movimento decrescente. Segundo números da Defesa, em 2003 os gastos com pagamento de pessoal equivaliam a 1,17% do Produto Interno Bruto (PIB), soma das riquezas produzidos em um país). Em 2015, caíram para 0,87%. O ministro ressaltou ainda que houve uma grande reforma na Lei de Remuneração da categoria, que já tirou vários benefícios da categoria como pagamento por tempo de serviço e a polêmica pensão para as filhas solteiras. O benefício da pensão vitalícia para filhas foi extinto em 2000 para servidores admitidos a partir daquela data, mas quem já integrava o quadro das Forças Armadas pode optar pelo pagamento de um adicional de 1,5% na contribuição previdenciária para manter o privilégio.

Especialistas argumentam, no entanto, que mesmo com o fim da pensão para as filhas solteiras, ainda há particularidades na previdência militar que deveriam ser revistas. A categoria não tem idade mínima de aposentadoria e eles vão para a reserva com 30 anos de serviço.

Recuo

Ainda que a proposta da reforma da Previdência não contemple regras para os integrantes das Forças Armadas, o texto original proibia o acúmulo de aposentadorias e pensões por morte referentes ao INSS para todos os regimes. Um dia após a apresentação do documento, no entanto, depois de pressões políticas, o Planalto recuou e alterou a PEC. Na proposta modificada, o governo retirou do texto qualquer mudança no regime de previdência dos bombeiros, dos policiais militares e dos militares das Forças Armadas. Assim como as Forças Armadas, segundo o Governo, os bombeiros e policiais militares têm leis específicas estaduais. 

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