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Coluna
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Por que poupam Temer?

Temer foi poupado pelas palavras de ordem dos manifestantes que, em troca, receberam ampla e simpática cobertura da mídia e contaram com a benevolência da polícia

Manifestação em Brasília, no último domingo.
Manifestação em Brasília, no último domingo.Joédson Alves (EFE)

As manifestações a favor da Operação Lava Jato, promovidas pelos grupos Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua, inovaram em pelo menos um item: protestaram contra a corrupção de forma genérica, ao mesmo tempo em que preservaram os corruptos, de forma específica. Não se ouviram gritos de “Fora, Temer”, embora seja o presidente não eleito, Michel Temer, o protagonista do grande escândalo dos últimos dias – os escândalos, infelizmente, ocorrem aqui com tal velocidade e frequência que são ultrapassados em nossa memória com bastante rapidez. Temer ainda não explicou as gravíssimas acusações feitas contra ele pelo ex-ministro Marcelo Calero, de que o teria pressionado a atender ao apelo do ex-ministro Geddel Vieira Lima para alterar parecer do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), visando beneficiá-lo financeiramente. Esse crime está tipificado no Código Penal como concussão, quando alguém exige para si vantagem em função do cargo que ocupa.

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Temer foi poupado pelas palavras de ordem dos manifestantes que, em troca, receberam ampla e simpática cobertura da mídia e contaram com a benevolência da polícia, em geral truculenta e covarde. Em sua maioria brancas de classe média, as pessoas que saíram às ruas defendiam a ideia, muitas por convicção, muitas por ingenuidade, de que a corrupção no Brasil é um fenômeno singular e, por isso, basta afastar alguns políticos que ela cederá. Mas a corrupção é endêmica e não se limita ao Poder Público. Arraigada no Executivo e no Legislativo (federal, estadual e municipal) e nas várias instâncias do Judiciário, tornou-se parte da vida de todos os cidadãos – muitas vezes sequer nos damos conta de estamos corrompendo ou sendo corrompidos em atos ordinários do dia a dia.

O Movimento Brasil Livre e o Vem pra Rua, que foram, de alguma forma, responsáveis pelo vergonhoso impeachment da presidente Dilma Rousseff, agora fecham os olhos para os desmandos patrocinados por Michel Temer. O MBL tem, entre seus principais líderes, o empresário Renan Santos, filiado ao PSDB até o ano passado, réu em 16 ações cíveis e em mais de 45 processos trabalhistas, segundo uma matéria do UOL – as acusações incluem fechamento fraudulento de empresas, dívidas fiscais, calote em pagamento de débitos trabalhistas e em ações por danos morais. Nas últimas eleições, o MBL lançou 45 candidatos, por vários partidos, elegendo oito membros – um prefeito em Minas Gerais, dois vereadores no Paraná, dois no Rio Grande do Sul e três em São Paulo. O mais destacado dentre eles, Fernando Holiday, estudante de 20 anos, notabilizou-se por suas posições contra as cotas raciais e políticas afirmativas e elegeu-se pelo DEM à Câmara Municipal de São Paulo com 45.000 votos. Em Porto Alegre (RS), o MBL elegeu Ramiro Rosário, pelo PSDB, com 4.600 votos.

Já o movimento Vem pra Rua foi criado em 2014 por um grupo de empresários para apoiar a candidatura derrotada do senador tucano Aécio Neves à Presidência da República. Seu principal articulador, Colin Butterfield, executivo, ex-presidente da Radar SA, do grupo Cosan, uma das maiores empresas privadas do Brasil, com negócios nas áreas de lubrificantes e produção de etanol, dona da Comgás e da Rumo, líder mundial de logística de açúcar para exportação, está por trás do empresário Rogério Chequer, líder do movimento.

Ignorar os interesses de movimentos como o MBL e Vem pra Rua, ignorar por que protegem Michel Temer é ignorar o funcionamento da máquina política. Na obra-prima O Leopardo, romance do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, há um diálogo extraordinário. O príncipe de Salina se surpreende com a decisão de seu sobrinho, Tancredi, de aderir às tropas revolucionárias que estão lutando contra o rei das Duas Sicílias pela unificação da Itália. Então, Tancredi cinicamente explica sua posição ao tio: “Se nós não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude”.

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