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Spectacles, o objeto mais desejado

A estratégia de venda dos óculos da Snapchat torna o gadget o objeto de desejo nos EUA

Os óculos Spectacles têm aparência de acessório de moda.
Os óculos Spectacles têm aparência de acessório de moda.Snap

À primeira vista, os Spectacles, novos óculos do Snapchat, parecem os clássicos óculos de sol que Jack Nicholson usou a vida toda, os mesmos com que torce pelos Lakers na primeira fila do Staples Center. Somente os arremates dos cantos superiores chamam a atenção. Um canto adornado com pontinhos amarelos em torno de uma câmera, que quase não se nota. Mas os gadgets são o objeto mais desejado hoje nos Estados Unidos. Os óculos, inicialmente concebidos apenas para uso com o aplicativo Snapchat, da mesma empresa que os criou, permitem compartilhar vídeos de apenas 10 segundos dentro da rede social mais efêmera.

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Os óculos do Snapchat custam 129 dólares (cerca de 440 reais), preço mais do que aceitável para um gadget e, duas semanas após seu lançamento nos EUA, viraram uma febre no país. No entanto, a estratégia de venda fez deles algo inatingível e desejado com uma expectativa raramente vista.

A chave é a estratégia da escassez artificial. Apenas um número limitado de óculos é oferecido por dia. Não dizem quantos são colocados à venda, mas estimativas feitas na fila de espera indicam 300 unidades diárias. Tampouco se sabe onde serão vendidos até que, em sua conta no Twitter, é dada uma pista poucas horas antes sobre o lugar onde será colocado o robô especial de distribuição automática. O Snapbot se desloca numa pick-up com placa de Los Angeles, onde fica a sede principal da empresa fundada por Evan Spiegel.

A empresa Snapchat joga com um público ávido por novidades. Quando se dava como certo que o robô só andaria pela Costa Oeste, surpreenderam em plena semana de Ação de Graças com uma loja física de aspecto improvisado em Nova York. Até agora é a única loja física, mas tem horário limitado.

A empresa junta o mundo on-line com o off-line com incomum maestria. Jogam com ser ou não parte da comunidade. No dia 19 de novembro, deram mais um exemplo de seu enorme poderio. Apareceram perto do jogo de futebol universitário mais esperado do sul da Califórnia. Nas imediações do Rose Bowl, o estádio de futebol de Pasadena, as torcidas compartilhavam cerveja e churrasco na parte de trás do carro numa saudável competição. Só o robô distribuidor de óculos rompeu a calculada bagunça. Mais de 500 pessoas numa fila ao longo do canal do Arroio Seco esperavam pacientemente a vez. Duas horas depois de deixar a máquina de distribuição, a má notícia chegou. Mais da metade dos fãs do Snapchat não teriam seus esperados óculos. Não houve aborrecimento.

Um número limitado de óculos é oferecido por dia. Não dizem quantos são colocados à venda, mas estimativas feitas na fila indicam 300 unidades por dia

Como se fosse parte de um jogo, começaram a olhar o Twitter com a intenção de descobrir a localização do dia seguinte. A mente malévola por trás dessa caixa amarela não teve piedade. No domingo, dia 20, apareceram numa das áreas mais profundas do Cânion do Colorado. Uma hora depois, todas as empresas de Las Vegas que oferecem voos de helicóptero afirmavam ter esgotado as passagens para aquela tarde. Uma viagem de ida e volta da cidade do pecado até o Cânion custa quatro vezes mais do que os óculos. No domingo seguinte, dia 27, deixaram um pacote embrulhado como presente de Natal no estacionamento do The Grove, um dos shopping centers de Los Angeles. Já era noite. Quando se soube que dentro dele estava a loja itinerante, a febre começou. Mais uma vez, mais da metade dos fãs da Snapchat ficou sem seus óculos. No primeiro domingo de dezembro, escolheram uma localização digna de cinema, o observatório Griffith, nas colinas de Hollywood, com Los Angeles a seus pés, ao lado da estátua em homenagem ao James Dean de Rebelde sem Causa. Uma fila de habitantes de Los Angeles e turistas quis pôr as mãos nos óculos, mas a situação se repetiu. No eBay ou no Craiglist o produto pode ser encontrado por preços que ultrapassam os 800 dólares, mais de quatro vezes seu valor nominal.

Juan Pablo Rojas é professor de marketing on-line na Platzi e mentor na Launchpad, a incubadora do Google para startups estrangeiras em Silicon Valley. Na opinião dele, a escassez artificial é a chave do sucesso. “Em vez de você se sentir decepcionado, porque quando chega a sua vez tudo foi vendido, ou pensar que a Snapchat não sabe administrar a demanda, considera-se alguém com sorte por fazer parte da multidão, por ver o robô e falar com aqueles que conseguiram comprar”, explica.

Spectacles têm aparência de complemento de moda.
Spectacles têm aparência de complemento de moda.Snap

A Snapchat foi ainda mais longe. Chegou a contratar publicidade. As bandejas para colocar objetos antes de passar pela inspeção de segurança no aeroporto de Los Angeles mostram modelos de ambos os sexos posando com os óculos. O anúncio traz apenas “Spectacles” e o olho do robô ciclope que distribui os óculos no mundo real. No SOMA, o bairro das startups de San Francisco, vários muros estão decorados com esse signo, um olho icônico sobre fundo amarelo. E nada mais. Nem endereço web, nem lojas do aeroporto, nem uma única referência adicional. Os óculos são anunciados num lugar só com a intenção de reforçar a marca e o desejo, de despertar a curiosidade naquele que não sabe do que se trata.

Antonio Jiménez Chacón, investidor de capital de risco na Richmond Partners, uma empresa do Silicon Valley, vê isso como uma maneira de fortalecer o vínculo pessoal que por si só o aplicativo já provoca com seus usuários, mas acrescenta uma nuance mais técnica, com o olhar no futuro: “É uma porta para a realidade aumentada, o que, sem dúvida, lhes permitirá validar esse modelo, cujos usos sociais têm infinitas possibilidades”.

Rojas avisa que alongar demasiadamente essa estratégia pode acabar tendo um efeito negativo: “É o que eu chamo de efeito Pokémon Go: no início todos estavam lá, mas se você tem sempre o mesmo resultado ou é impossível alcançar o objetivo, você se cansa e abandona”. Jiménez Chacón tem uma visão oposta: “Se esse espírito de comunidade for respeitado, não haverá efeito negativo. No Snapchat o foco é no entretenimento com vídeos do seu churrasco com efeito ou da sua sessão de surf. É um bônus, mas não é necessário para usar o Snapchat”.

A estratégia de venda fez deles algo inatingível e desejado com uma expectativa raramente vista

A empresa Snapchat deu os primeiros passos para ter ações cotadas em Wall Street. Sua avaliação inicial ronda os 30 bilhões de dólares. Rojas acredita que essa encenação serve para realçar seu valor: “Esse tipo de ações diferentes faz com que se dê atenção e se veja como uma empresa com criatividade e capacidade para atrair um público jovem que passa do telefone celular ao mundo real”.

Chacón vê um segundo passo nessa estratégia mágica, a interação entre aqueles que já têm o Spectacles: “Isso geraria uma nova linguagem mais visual, com a opção de se comunicar uns com os outros”.

A sede da Snapchat, em Los Angeles, não dá nenhuma informação sobre sua possível venda fora dos Estados Unidos, pela Internet ou em lojas físicas mais formalmente. Tampouco oferecem óculos para teste e consideram lisonjeiro o interesse despertado.

Chacón, estrategista social, só tem palavras de elogio para a Snapchat, da qual espera mais surpresas: “Eles entenderam o valor das redes e o impulsionaram com novas interações. Não acredito que deixarão de fazer isso”.

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