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Milhares vão às ruas pela Lava Jato e aumentam pressão sobre o Congresso

Mesmo sem "Fora, Temer", atos acossam aliados do Planalto e põem Governo em alerta

A manifestação na av. Paulista.
A manifestação na av. Paulista.MIGUEL SCHINCARIOL (AFP)

Os brasileiros que se mobilizaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff voltaram às ruas de 18 Estados neste domingo. Milhares de pessoas, convocadas majoritariamente pelos grupos de direita Vem pra Rua e MBL (Movimento Brasil Livre), se reuniram para protestar contra as mudanças feitas na Câmara no pacote anticorrupção e também para defender as investigações da Operação Lava Jato. O Planalto não foi o alvo dos protestos, mas a volta dos atos de rua daqueles que apoiaram ativamente a chegada de Michel Temer ao poder acende um alerta no Governo. São os aliados cruciais de Temer no Congresso –o presidente do Senado, Renan Calheiros, como vilão da vez, e também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia–, que estão na mira. O grito de “Fora, Renan” e de "Fora, Maia" foram os mais entoados.

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A manifestação mais esperada era a de São Paulo, que chegou a abrigar os maiores protestos da democracia brasileira na campanha contra Dilma Rousseff. Dessa vez, a afluência não foi tão expressiva. Cerca de 15.000 pessoas ocuparam a avenida Paulista, segundo a Polícia Militar, não muito diferente dos protestos de movimentos progressistas contra medidas de austeridade do Governo. Vestidos de verde e amarelo, os manifestantes estenderam uma grande faixa com os dizeres “Congresso corrupto”. Dois grandes bonecos, um do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outro de Renan Calheiros, vestidos com roupas de presidiários, foram inflados. Já o boneco do juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, o "Super Moro", era o sucesso de vendas na manifestação na capital paulista. O procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da operação, também foi uma das figuras homenageadas.

No Rio de Janeiro também se concentrou uma das manifestações mais numerosas do país.  Compareceram na marcha, em Copacabana, desde ativistas contrários ao aborto até apoiadores de uma intervenção militar, integrados a uma multidão que gritava eufórica o nome de Sérgio Moro. “Queremos mais justiça. O maior problema de Brasil é a impunidade. O Congresso tem que aprovar medidas propostas contra a corrupção. As leis nunca são perfeitas, mas é importante que sejam rígidas”, afirmou a comerciante Diniz Tellini, de 46 anos, que foi com a sogra ao protesto no Rio.

Renan Calheiros, o vilão

Em São Paulo, Rogério Chequer, um dos líderes do movimento Vem pra Rua, martelou o discurso anticorrupção, mas fez questão de marcar diferenças. Para ele, as acusações do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, por exemplo, de que Michel Temer o pressionou para que ele favorecesse um negócio imobiliário de interesse direto de outro membro do gabinete, Geddel Vieira Lima, não são motivos suficientes para virar a artilharia para o Planalto. Tudo, para ele, deveria se concentrar em Renan. Enquanto isso, Kim Kataguiri, do MBL, confessou que o ato na Av. Paulista foi maior que o imaginado, e prometeu que, caso o Senado não vete as modificações das 10 medidas contra a corrupção e a lei de abuso de autoridade, o movimento voltará para as ruas no próximo domingo. O MBL estimou que 200.000 pessoas participaram do protesto deste domingo.

O esclarecimento público de que não era "Fora, Temer" deve ter sido ouvido com alento na cúpula do Governo – uma minoria presente na Av. Paulista carregava placas escritas "Fora Temer", como o consultor de empresas Alonso Soler, que chamou o Governo atual de "golpista" –,  mas isso não dissipa os problemas imediatos de Temer. O presidente, com baixíssima popularidade e em meio a uma arrastada recessão, precisa conciliar alguma resposta à opinião pública sem queimar as pontes com sua base no Congresso. Tanto Temer como Renan e a assessoria da Câmara divulgaram notas protocolares saudando os valores democráticos das manifestações. No entanto, os planos do Senado e Câmara não incluem, por ora, atender os anseios dos que foram às ruas.

Os últimos dias em Brasília mostraram exatamente a pressa dos congressistas em modificar o projeto anticorrupção. O presidente foi a público, ao lado de Renan Calheiros e Rodrigo Maia, prometer que "ouviria as ruas" e não aprovaria o anistia da prática de caixa 2 só para dias depois ver o pacote ser desfigurado. Na madrugada da última quarta-feira, enquanto o país estava consternado com o acidente com o avião da Chapecoense, que deixou 71 mortos, o Congresso decidiu manter sua atividade e modificar grande parte do projeto sobre a dez medidas contra a corrupção elaboradas pelo Ministério Público. Os deputados aboliram pontos-chave do texto e incluíram alguns que prejudicam juízes e promotores. No dia seguinte, Renan, tentou, sem sucesso, aprovar com urgência o que havia saído na Câmara.

As "dez medidas contra a corrupção" apoiadas por dois milhões de assinaturas e agora pelas manifestações neste domingo estão longe de ser consenso no mundo jurídico e político. Muitos estão temerosos de outorgar mais poder ao Judiciário e fragilizar o Estado de Direito numa espécie de sanha populista punitivista. Por outro lado, os reparos não eliminam a percepção de que os deputados, dezenas deles investigados por corrupção, estejam atuando em benefício próprio para minar o alcance das investigações. O clima tende a piorar. Nas próximas semanas, está para ser divulgada a apelidada "delação do fim do mundo", a colaboração com a Lava Jato de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht, a maior construtora da América Latina. Envolvidos na empresa que é considerada o coração do esquema corrupto da Petrobras, os novos colaboradores com a Justiça podem atingir dezenas de parlamentares e integrantes do Governo.

Os manifestantes também protestaram contra a decisão da Câmara de aprovar, dentro do pacote anticorrupção, o conceito de abuso de autoridade que permitirá julgar juízes e promotores de acordo com o critério de atuar “sob conduta incompatível com o cargo”. Renan Calheiros também promove um projeto com teor semelhante no Senado e não há desistido publicamente de levá-lo adiante. “Já existe esse controle no Poder Judiciário. O problema é tentar exercer o controle intimidando juízes e promotores utilizando conceitos vagos”, criticava no Rio de Janeiro Claudio Henrique Viana, procurador do Ministério Público do Rio.

Ainda que uma das principais reivindicações dos manifestantes fosse a mudança nas medidas contra a corrupção, muitos não sabiam ao certo do que se tratavam tais propostas, dando razão aos críticos que cobram mais debate qualificado sobre o tema. A reportagem do EL PAÍS conversou com cinco manifestantes que carregavam faixas e placas de apoio ao projeto original e todas tiveram dificuldades de explicar o conteúdo proposto pelo Ministério Público. A arquiteta Inês Ribeiro, por exemplo, citou superficialmente duas das dez medidas e disse que na página do Facebook do procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, estavam todas bem explicadas. "Eles [o Congresso] deturparam as medidas e isso é uma vergonha". Outra manifestante, que preferiu não se identificar, não soube citar nenhuma medida e pediu auxílio ao namorado.

Com ou sem detalhamento, o fato é que a balança da opinião pública pende para os procuradores da Lava Jato. A força-tarefa, com ativa promoção das manifestações deste domingo, mostra mais uma vez que não hesitará em usá-la.

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