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Chapecó canta sob chuva para se despedir de seus heróis

Após polêmica, presidente Michel Temer vai a velório no estádio da Chapeocense, mas não discursa

Felipe Betim
Militares carregam os caixões diante da torcida da Chapecoense.
Militares carregam os caixões diante da torcida da Chapecoense.FERNANDO BIZERRA JR (EFE)

A forte chuva que caiu por horas sobre Chapecó neste sábado foi a companheira insistente de milhares de torcedores que saíram de suas casas para chorar — como a cidade parecia fazer ela mesma — e prestar a última homenagem a seus ídolos da Chapecoense. “Ôôôô, o campeão voltou!”, cantaram, a plenos pulmões, quando os caixões com os corpos das vítimas do acidente de avião, ocorrido na última terça-feira na Colômbia, chegaram a Arena Condá. Seus heróis finalmente estavam em casa de novo. Demorou. Todo o período de traslado e recepção dos corpos foi longo, cheio de imprevistos e de improvisos. Ainda assim, o velório coletivo cumpriu sua missão e ofereceu a oportunidade para a população de Chapecó de se despedir daqueles que mais alegria haviam levado para a cidade nos últimos tempos.

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Três torcedores que se abraçavam entre lágrimas nas arquibancadas expressaram o que essa perda significou para eles. “Venho ao estádio desde 1977, quando tudo isso ainda era de terra e os jogadores eram todos amadores”, diz Délci Toscan, de 50 anos. Sua esposa, Ângela Maria, logo acrescenta que nos últimos anos “já ninguém torcia pelo Grêmio, pelo Internacional ou pelo Corinthians, só pela Chape”. Jacir Tolotti, de 57, lamenta: “Vou dizer o quê? Estão todos mortos. Não tem o que falar”.

A jornada deste sábado começou ainda nas primeiras horas da manhã, com a expectativa de que os 50 corpos — das 71 pessoas que morreram — chegassem às sete horas, conforme havia sido programado. Mas os dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) só aterrissaram entre 9h30 e 10h. Fechados e protegidos por causa da chuva, os caixões foram recebidos com honrarias militares e carregadas por soldados ao longo de um tapete vermelho. Cada urna levava o nome de da vítima em cima. E a cada nome que aparecia, um parente começava a chorar ou até mesmo a gritar de desespero.

Quatro caminhões abertos fizeram o cortejo até o estádio e chegaram por volta de 12h30. Soldados do exército mais uma vez carregaram os caixões, um a um, pelo gramado encharcado até o local coberto onde estavam familiares, amigos e autoridades. Foi o momento — o primeiro de vários ao longo do dia — em que fotógrafos e cinegrafistas afastaram seus olhos, também encharcados, das lentes de suas câmeras e repórteres deixaram de lado seus microfones e celulares. Muitos choraram e se abraçaram. A emoção conseguiu furar — não pela primeira vez — a dureza emocional que os jornalistas se auto impõem em coberturas de tragédias. Mas nesta, muitos deles também perderam seus amigos e colegas de profissão. Também estavam de luto. A maioria dos jornalistas que estavam no avião, entretanto, foi velada em suas respectivas cidades.

Igualmente emocionante foi o momento em que Ilaídes Padilha, mãe do goleiro Danilo, atravessou o gramado. A torcida gritava o nome de seu filho quando, ao invés se dirigir imediatamente para a área coberta, preferiu enfrentar a chuva forte. Chorando muito, cumprimentou a torcida nas arquibancadas e a imprensa que se encontrava atrás de uma cerca no meio do campo. No dia anterior, havia deixado ser entrevistada por vários jornalistas porque, de alguma forma, se sentia reconfortada. Mas acabou ela mesma amparando e abraçando quem se aproximava.

A esta altura, as arquibancadas já estavam lotadas de pessoas que aplaudiam e cantavam os hinos da torcida. O plano da Chapecoense era de que a primeira hora do funeral fosse reservada apenas para familiares e amigos, mas uma multidão já ocupava assentos na arquibancada na noite anterior para guardar lugar. O clube também esperava que cerca de 100.000 pessoas fossem até o estádio e, por isso, havia planejado instalar telões na área externa. Com a forte chuva esse planejamento prévio não foi necessário.

Temer não discursou

O ato que se seguiu foi repleto de discursos e de uma presença inesperada: a do presidente Michel Temer. O Executivo Federal havia confirmado sua presença apenas na cerimônia militar do aeroporto porque, segundo publicou a imprensa, o mandatário queria evitar vaias e manifestações anti-Governo. Osmar Machado, pai do zagueiro Filipe Machado, chegou a criticar o presidente por considerar “uma falta de respeito” que os familiares tivessem “que ir até o aeroporto abraçar o presidente”. Diante das críticas da opinião pública, o chefe de Governo mudou de planos em cima da hora. Anunciou sua decisão ainda no aeroporto, explicando para os jornalistas que sua intenção havia sido a de evitar esquemas prévios de segurança que impedissem os torcedores de se aproximarem do estádio.

Temer atravessou o gramado de maneira discreta, quando soava nos alto-falantes o hino da Chapecoense. Não houve discursos. Permaneceu em silêncio, quase sempre estático e com as mãos juntas durante o evento. Ao ser anunciado junto a outras autoridades, não escutou as temidas vaias na arena, mas muito menos aplausos. O silêncio da torcida também foi absoluto. No final, aproveitou um momento de grande euforia da arquibancada para sair discretamente.

A fria reação da torcida com Temer foi muito diferente de quando o embaixador da Colômbia foi anunciado. Ele foi intensamente aplaudido, igual que a cada menção a este país ao longo da cerimônia. O sentimento de gratidão era enorme. Não apenas porque os colombianos lotaram o estádio em Medellín para homenagear as vítimas do acidente, na última quarta-feira. Mas também, como lembrou o prefeito de Chapecó, porque os colombianos salvaram as vidas das seis pessoas que sobreviveram ao acidente. Vestindo uma camisa do Atlético Nacional de Medellín, que disputaria a final da Sul-Americana com a Chape, Luciano Buligon leu em seu discurso uma mensagem que estava no site do time: “A Chapecoense veio para Medellín com um sonho, e voltou como uma lenda. Lendas não morrem”.

Na homenagem também estiveram outras autoridades e personalidades, como o presidente da FIFA, Gianni Infantino; o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero; o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo; o técnico da seleção brasileira, Tite; e o bispo de Chapecó, que leu uma mensagem do Papa Francisco. Até mesmo o apresentador Cid Moreira — sim, Cid Moreira — deixou sua casa para ler algumas mensagens bíblicas na cerimônia.

O velório ainda teve orquestras sinfônicas, crianças entrando com bandeiras, militares dando tiros e balões brancos soltos ao céu. A chuva finalmente resolveu dar uma trégua quando o final já se aproximava. Foi quando os nomes das vítimas foram anunciados e, logo depois, familiares andaram pelo campo, aos prantos, segurando fotos dos entes que se foram. O torcedor Jacir Tolotti também estava chorando. “Nós somos um time pequeno, cara. Não queríamos ser conhecidos no mundo todo como agora. Não desse jeito. Só queríamos ganhar a Sul-Americana”.

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