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Sérgio Moro: “Senado pode passar mensagem errada se aprovar nova lei”

Responsável por Lava Jato na primeira instância, juiz debate com Gilmar Mendes e Renan Calheiros

Renan Calheiros e Sergio Moro em debate no Senado
Renan Calheiros e Sergio Moro em debate no SenadoJoédson Alves (EFE)

“O consenso supera o confronto. A concórdia prevalece sobre o dissenso. A compreensão e o entendimento afastam a discórdia”. Com essas palavras e dirigindo-se ao juiz Sergio Moro, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB) abriu nesta quinta-feira uma sessão temática para debater um projeto que ele promove, a regulamentação de casos de abuso de autoridade, incluindo magistrados. A fala inicial de Calheiros propunha uma discussão franca e respeitosa, mas também poderia ser vista com certa ironia, dados os embates das últimas semanas entre o poder Legislativo e parte do Judiciário.

Além do projeto de lei sobre o tema em tramitação no Senado, a conversa na tribuna tinha ainda outra e mais controversa moldura: a aprovação pela Câmara dos Deputados de um desfigurado pacote anticorrupção que incluiu um trecho sobre abuso de autoridade. A transformação das “dez medidas contra a corrupção”, patrocinadas pelo Ministério Público Federal (MPF), foi vista como um ataque de deputados aos procuradores da Operação Lava Jato.

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A pretensa conciliação de Renan tentou azeitar o debate entre senadores e Moro, além do juiz federal Silvio Luís Ferreira da Rocha e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Antes da sessão especulava-se que para cada um dos participantes o projeto de lei tinha significados diferentes. Para Moro, era uma ameaça constante e um cabresto, já que propõe tornar em abuso de autoridade ações muito amplas e genéricas. Para Mendes também: o juiz é conhecido por dar seus pitacos regularmente à imprensa e um dos pontos da lei proíbe que juízes se pronunciem aos meios de comunicação. Para os senadores, poderia ser vista como uma ferramenta de autodefesa investigações de corrupção.

Apesar da controvérsia criada entorno do modo como a lei foi aprovada na Câmara e seu possível caráter de represália e  vendeta, diferentes vozes do mundo jurídico dizem que a discussão é necessária. Uma delas é a do próprio ministro Mendes, que ao se pronunciar hoje no debate, lembrou casos de arbitrariedade que viu ao presidir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Em um mutirão carcerário no Espírito Santo, encontramos um sujeito preso há 22 anos provisoriamente. Casos como tais, juiz Sergio Moro, são de evidente abuso de autoridade”, disse Mendes ao defender que a discussão seja feita.

Moro, por sua vez, defendeu que esse não é o momento mais oportuno para se propor algo como esse. "Uma nova lei de abuso de autoridade poderia ser interpretada nesse momento com tendo efeito prático de tolher investigações e persecuções penais. Faço essa sugestão com humildade", disse. “Não é o momento para uma deliberação considerando o contexto com diversas investigações em curso”. Apesar da maior parte do debate ter tido o clima tranquilo proposto por Calheiros no começo da sessão, as divergências estavam lá. Mendes, que tem se mostrado crítico eventual da atuação da Lava Jato, por exemplo, rebateu a sugestão de Moro. “Teríamos então que buscar um ano sabático da operação para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este?”, disse.

O juiz da Lava Jato também não deixou de dar uma resposta ao Legislativo durante sua fala. “Essas emendas da meia-noite que não permitem debate da sociedade mais aprofundado do Parlamento não são apropriadas em temas tão sensíveis”, disse. Já o juiz federal Silvio da Rocha disse que até más intenções podem dar ensejo a bons projetos, apesar de deixar claro que discorda com a leitura de que a lei de abuso da autoridade tivesse nascido assim. “Certos setores da sociedade, secundados por órgãos de imprensa, sustentam que a aprovação do projeto teria como principal motivação retaliar o comportamento de certos agentes públicos encarregados da persecução penal. Embora não concorde, considero-o importante para consolidar um sistema adequado de proteção aos direitos fundamentais”, disse.

"Teríamos então que buscar um ano sabático da Lava Jato para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este?", disse Mendes

Em um dos momentos de enfrentamento mais aberto, o senador Lindbergh Farias (PT) – que foi um dos 14 votos favoráveis à manobra de Calheiros que propôs votar o pacote de medidas ainda na noite de quarta-feira – foi à tribuna para questionar Moro sobre a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março deste ano, e sobre as escutas em que a ex-presidente Dilma Rousseff aparecia conversando com Lula. “Eu estou tendo coragem de vir aqui para dizer que acho que vivemos uma escalada autoritária”, disse. Moro, por sua vez, rebateu dizendo que a fala do senador teria deixado claro que a lei de abuso de autoridade seria utilizada para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Operação Lava Jato, como ele próprio.

Em entrevista para a Folha de S. Paulo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que enquanto cidadão e servidor público deseja uma lei de abuso de autoridade. “Agora, a forma atropelada como tem sido conduzida a discussão levanta no mínimo alguma suspeita. Por que essa pressa toda?”, disse. O argumento é curiosamente parecido com quem foi crítico ao pacote de “dez medidas contra corrupção”. Para parte do mundo jurídico, ele foi discutido de forma açodada e, por isso, acabou resultando em uma peça tão contraditória. Agora, depois da alta temperatura da semana – com ameaças do MPF e manobras dos congressistas – o debate, apesar das divergências, terminou como uma tentativa de colocar uma toalha quente em uma discussão que permanecerá em aberto pelas próximas semanas.

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