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O outro uniforme de Fidel Castro: seu agasalho

Adidas vestia a equipe olímpica cubana quando Castro começou a usar o abrigo de moletom

Fidel segura uma fotocópia do jornal ‘Granma’.
Fidel segura uma fotocópia do jornal ‘Granma’.AP

As fotos de Fidel Castro na sua juventude como guerrilheiro e durante suas primeiras décadas como mandatário se caracterizam pela farda militar. Depois, em seus últimos anos de vida, o uniforme foi outro. O agasalho de Fidel Castro – quase sempre da popular marca alemã Adidas – virou um símbolo da identidade dele em suas derradeiras aparições públicas.

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Castro, que morreu nesta sexta-feira aos 90 anos, trocou a farda pelos ternos civis na década de 1990, e estes pelo moletom ao se afastar do poder, em 2006. Sua primeira aparição com esse traje foi nas fotos que o Governo cubano divulgou após sua cirurgia (é a imagem do começo deste texto) e que deram a volta ao mundo. Para muitos, causava surpresa que um mandatário comunista usasse roupas de uma empresa como a Adidas.

Apesar de ter vestido várias marcas, a maioria dos modelos que ele ostentou eram da Adidas. A tal ponto que em 2015, após uma das suas últimas aparições em público, com um moletom da também alemã Puma, muitos veículos de comunicação repercutiram a mudança. Também vestiu Nike e Fila.

Da mão dada com o então presidente da China, Hu Jintao, em 18 de novembro de 2008.
Da mão dada com o então presidente da China, Hu Jintao, em 18 de novembro de 2008.AFP

Depois das primeiras fotos de Castro usando o moletom Adidas com as cores da bandeira cubana – um modelo no qual aparece em várias imagens pós-aposentadoria – o jornal The New York Times entrou em contato com a marca das três listras para saber da sua relação com o ditador. “Não é algo positivo nem negativo”, comentou o diretor de relações públicas da empresa. “Somos uma marca esportiva, fazemos produtos para atletas, não para líderes.”

Castro tinha tantos abrigos dessa marca, como relatou anos depois a empresa ao site Buzzfeed, porque “durante muitos anos, até 2012, a Adidas esteve associada com a equipe olímpica cubana, equipando-a com as roupas de treino e de competição”. Era a mesma explicação apresentada pela filial espanhola da Adidas ao site marketingdirecto em 2006: “Não houve uma estratégia para isso. Não foi programado”, dizia um executivo, insistindo que, após vários anos vestindo a equipe cubana de atletismo, seria “normal” que o dirigente aparecesse com um agasalho dessa marca.

Com o escritor Gabriel García Márquez, em 12 de março de 2007.
Com o escritor Gabriel García Márquez, em 12 de março de 2007.AP

‘Agasalhismo revolucionário’

Foi com um traje desses que Castro se encontrou com o papa Francisco em Havana. E também com ele se reuniu com François Hollande e com Lula, além de aparecer em dezenas de eventos televisionados. Nos seus últimos anos, o veterano revolucionário fez do moletom um ícone vinculado à sua figura, e outros líderes esquerdistas, como o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, imitaram sua estética.

Diante das imagens recorrentes de líderes como Castro, Maduro e o iraniano Mahmoud Ahmadinejad com roupas esportivas, alguns veículos da imprensa internacional adotaram no começo desta década a expressão “agasalhismo revolucionário”, cunhada pelo jornalista Toño Fraguas.

Com Hugo Chávez, em 13 de outubro de 2007
Com Hugo Chávez, em 13 de outubro de 2007Reuters

“Fidel Castro levou a épica do agasalho esportivo (às vezes de marcas norte-americanas) aos píncaros da sua glória: eles substituíam nada menos que o casaco verde-oliva”, dizia Fraguas no seu blog em 2010. “Isso tem várias leituras. A populista: ‘Uso moletom, como meus concidadãos. Sou um sujeito afável e normal’; a do macho-alfa: ‘Sou um sujeito dinâmico e de ação, por isso uso moletom, como os esportistas’.”

A espanhola Patrycia Centeno, autora do livro Política y Moda: La Imagen del Poder (inédito no Brasil), contava à Vanity Fair a origem do moletom e sua ascensão como peça política. “A palavra espanhola chandal [agasalho esportivo] é uma corruptela de marchand d'ail [vendedor de alho], como eram chamados os pulôveres de ponto grosso que vendedores de frutas e hortaliças costumavam vestir na França no final do século XIX. A peça não tardou a se difundir entre a classe trabalhadora e, já na Primeira Guerra Mundial, os soldados a adotaram sob o uniforme.”

“Não são poucos os analistas que conferem ao agasalho de moletom um misticismo ideológico vago e precipitado”, observava Centeno. “Para alguns é o novo símbolo da revolução. Outros o tacham de populista.”

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