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Samuel Pessôa: “A PEC dos gastos vai trazer racionalidade e forçar novas reformas”

Pesquisador do Ibre defende que a racionalização dos gastos provavelmente ajudará a melhorar áreas importantes, como a saúde e a educação

Economista Samuel Pessôa.
Economista Samuel Pessôa.Divulgação (Ibre)

O economista Samuel Pessôa defende fortemente a adoção da controversa PEC 241, proposta de emenda à Constituição que propõe congelar os gastos do Governo por até 20 anos, como condição primária para reequilibrar as contas públicas brasileiras. O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV não vislumbra outra alternativa: ou reforma-se o "estado disfuncional" ou o destino do Brasil será voltar ao temido passado inflacionário dos anos 80.

Para Pessôa, a polêmica gerada pela PEC 241 é promovida por uma pequena parcela da sociedade, que no entanto "é barulhenta". Mas não o suficiente para barrar a aprovação da proposta no Senado, em sua visão. Ao contrário dos críticos à PEC, o pesquisador defende que a racionalização dos gastos deve ajudar a melhorar áreas importantes, como a saúde e a educação.

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Pergunta. O senhor acredita que a PEC 241 do teto de gastos pode resolver o problema fiscal do Brasil? Ou existem alternativas a ela?

Resposta. A PEC dos gastos é meio um ovo de Colombo e foi feita porque não vai dar para arrumar as coisas de outra maneira. Para resolver o problema fiscal brasileiro, precisamos fazer várias reformas. Construímos um Estado que não cabe dentro da economia e da sociedade. Ou reformamos esse Estado, ou a alternativa é voltar aos anos 80 e 90. O problema é que o Brasil está com uma economia política muito disfuncional. Temos um arranjo político em que é difícil fazer reforma, porque cada grupo de pressão quer defender o seu quinhão no orçamento público. Todo mundo quer fazer ajuste fiscal, desde que seja no bolso do outro. Cada vez que se negocia uma reforma, o grupo que vai ser afetado por ela se organiza e bloqueia. O que a PEC faz é disciplinar o conflito distributivo no país, que hoje está nos levando ao passado inflacionário. Ao explicitar o conflito distributivo colocando o limite do crescimento do gasto, você obriga que haja racionalidade.

P. Que tipo de racionalidade?

R. Hoje, no Congresso, tem a bancada da bala, a da educação, a da saúde e a da agricultura, que negociam apoios entre elas, e o resultado disso é um crescimento ilimitado do gasto público. De fato, se eu pegar o ano de 1991, o gasto primário da União era 10% e hoje é 20%. Tivemos um crescimento quase linear e permanente nos últimos 25 anos. Ao explicitar o limite, essa cooperação entre os grupos de pressão vai acabar, já que ela tem um limite. A PEC dos gastos vai trazer essa racionalidade, e a comissão de orçamento passará a ser muito importante.

P. Mas é realmente necessário um prazo tão longo para a PEC, de 20 anos?

R. Na verdade não são 20 anos, são dez mais dez. Eu acho pouco. Nós vamos sair do déficit em dez anos. No ano que vem, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita será 10% inferior ao de 2013. O prazo para que o nosso PIB per capita recupere o patamar de 2013 vai ser de três a quatro anos. E vão mais seis anos para tentar ganhar alguma coisa. Provavelmente, no décimo ano do teto dos gastos nós vamos estar com superávit primário de 2,5% do PIB, que é o que precisamos para estabilizar a dívida pública. O problema é que o buraco ficou muito grande, demoramos muito para começar arrumar a casa. Agora, oxalá, que em dez anos, o país esteja melhor do que estou imaginando. Neste caso, o Governo pode alterar a regra para o 11º ano por meio de um projeto de lei complementar que só requer maioria absoluta nas duas casas.

P. Apesar de ser necessário o controle de gastos, não são preocupantes algumas projeções sobre as perdas nas áreas da saúde e de educação que a PEC pode trazer? Quem pode sofrer mais é a população mais vulnerável?

R. Não acho. Nos últimos dez anos o gasto per capita com educação dobrou, mas a qualidade não melhorou. Vejo o contrário: esse teto vai racionalizar tanto o gasto, que provavelmente a saúde e a educação, daqui a dez anos, vão ser melhores do que seriam sem a PEC. Encontraremos mil maneiras de gastar melhor o dinheiro. Não é possível, gastando hoje o dobro per capita real por aluno, ter uma educação em que a qualidade não sentiu nada. A saúde também não teve nenhuma melhora, mas o gasto também foi menor do que o da educação. O que a gente gasta hoje na saúde é 40% per capita a mais. A saúde tem perdido proporção no orçamento. Mas a PEC, ao trazer uma realidade orçamentária para a sociedade e para o Estado, vai fazer que a gente racionalize outras áreas como a Previdência. E isso possibilita que sobre mais dinheiro para saúde. A PEC dos gastos vai forçar novas reformas.

P. A polêmica ao redor da PEC tem gerado protestos e ocupações. Acredita que falta mais diálogo do Governo com a sociedade?

R. Acho que a polêmica é muito pequena. É uma minoria na sociedade, ainda que muito barulhenta. E o sinal disso é que a PEC está sendo aprovada com muita facilidade no Congresso. Não vejo polêmica, tem meia dúzia protestando e, mesmo assim, com zero representatividade na sociedade. Por isso, a PEC já foi aprovada na Câmara e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. E ela provavelmente será aprovada até o dia 13 de dezembro. Esses grupos contra a PEC são os mesmos que foram contra o Plano Real, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, é a mesma turma. Lembra o que o Guido Mantega e o Mercadante falaram? Foram contra tudo e são contra PEC. Esses caras gostam de inflação. A hiperinflação mata o pobre. E depois se dizem de esquerda. Eles quebraram o Brasil.

P. E as ocupações de estudantes contrários à PEC?

R. Os estudantes pobres que estão na rede privada não estão contra PEC. Quem está contra são os estudantes ricos que estudam em federais, assim como os estudantes ricos de federais foram contrários ao plano real. É gente que gosta de inflação. Temos que perguntar para eles por que eles gostam. Até hoje não entendi. Mas esses caras gostavam do Governo Kirchner. Qual foi o legado dos Kirchner na Argentina? 40% de inflação. Eram os mesmos estudantes que gostavam do Governo da Venezuela. A gente tem que lembrar que os trabalhadores melhoraram sua condição só depois que estabilizamos a economia. A constituição é de 1988, a melhora dos trabalhadores começou em 1995. Os efeitos benéficos da nova constituição só começaram a aparecer quando conseguimos debelar o monstro inflacionário.

P. A PEC sozinha, no entanto, não conseguirá estabilizar a economia. Quais são as outras prioridades?

R. São várias. Primeiro, garantimos o teto. Depois tem que haver uma série de medidas para readequar nosso Estado de bem estar social dentro da capacidade da economia. A gente gasta com aposentadoria 13% do PIB. Países que têm a mesma estrutura etária que a nossa gastam 5%. Há um problema aí. As pessoas no Brasil se aposentam com 52 anos e essas não são as que se aposentam com um salário mínimo. As pessoas que se aposentam com 52 ou 54 são de algumas carreiras do serviço público, com salário integral, ou algumas pessoas de CLT que estão acima do mínimo. Há uma série de distorções. No Brasil, a pessoa pode acumular a sua própria aposentadoria com a pensão do cônjuge que morreu. Isso não é permitido em vários países do mundo. Precisamos de vários ajustes para que as injustiças dos excessos sejam corrigidas. Vai ser muito difícil. Depois disso, deve ficar para 2019 uma rodada de carga tributária. Só com corte de gastos obviamente não vamos arrumar a casa.

P. Sim, a crise não é só pelo gasto. Há uma forte insuficiência de receita.

R. A crise econômica agrava o problema fiscal, mas o que está errado do ponto de vista estrutural é o gasto, não a receita. A receita cresce na mesma velocidade do PIB. O gasto, faça chuva ou faço sol, está crescendo ao dobro da velocidade do PIB. Isso não é um equilíbrio, não é estável. Depois de corrigir isso, aí sim: vamos para uma rodada de impostos. Mas precisamos primeiro atacar a fonte do desequilíbrio.

P. E qual seria a agenda de impostos? O que é necessário numa reforma tributária no Brasil hoje?

R. Acho que há duas agendas, uma que não é de aumento de impostos, mas de simplificação de impostos indiretos. E a outra agenda, que é aumentar a participação de imposto sobre a renda na arrecadação total. É preciso alterar a regra sobre lucros e dividendos. É uma agenda imensa. Já o imposto sobre fortuna, acho bobagem. É muito complicado e tem um efeito pequeno de arrecadação. Gosto mais de imposto sobre herança, porque já existe um processo, um inventário. É perfeitamente natural que o fisco entre e pegue uma parte dele. E é fato que esse imposto sobre herança é muito baixo no Brasil.

P. Nesse momento recessivo, em que estamos cortando investimento e as famílias estão perdendo o poder aquisitivo, como voltaremos a ter demanda para a retomada do crescimento?

R. Temos uma inflação muito alta, então tem pouca demanda, e a economia está devagar. A inflação está indo para o centro da meta. Quando ela for para a meta, vamos jogar os juros que está em 14% para 9%. Aí a demanda aparece, naturalmente. A gente só precisa que a inflação vá para a meta, que a gente vença a inércia inflacionária. Tivemos um Banco Central leniente com a inflação durante muitos anos. Tivemos uma política desastrada que congelou preços de serviços públicos e a gasolina por muito tempo. Precisamos arrumar tudo isso. Na verdade, já estamos avançando. A expectativa de inflação para o ano que vem já está abaixo dos 5%. O Banco Central já começou a queda de juros. Em seis meses, teremos juros bem mais baixos, e a demanda vai voltar. Esse raciocínio de falta de demanda só vale para países que estão com a inflação e os juros zerados.

P. A inesperada vitória do republicano Donald Trump pode prejudicar de alguma forma a retomado do crescimento do Brasil, uma vez que a dinâmica do comércio global deve ser alterada?

R. A vitória do Trump me preocupa não tanto pela mudança do comércio, mas pelo custo de capital para fora. O comércio não preocupa tanto, porque a economia brasileira é um pouco fechada. Mas a gente precisa de juros internacionais baixos durante muitos anos, porque temos um problema fiscal doméstico dramático e a nossa dívida ainda vai crescer muito. Ainda vai demorar de três a quatro anos para ela parar de crescer. Durante esse período, é importante que o custo de capital no mundo seja baixo. No entanto, o excesso de protecionismo de Trump e uma política fiscal mais frouxa devem estimular a inflação dos Estados Unidos e o aumento dos juros. Tudo isso tem efeito aqui no Brasil, pois gera o que estamos vendo após a eleição do republicano: uma depreciação do câmbio, que impacta a inflação aqui no Brasil, e pode dificultar a queda de juros no Brasil. Isso complica a retomada econômica, o que me preocupa.

P. Qual a sua avaliação sobre os primeiros seis meses do Governo Temer e de sua equipe econômica?

R. Estamos no meio da maior crise dos últimos 120 anos. A economia está muito machucada. A política econômica vigente entre 2009 e 2014, da nova matriz, foi o pior regime de política econômica da República. Nunca durante tanto tempo tantas medidas erradas foram tomadas. A recuperação vai ser muito lenta, as pessoas sabem disso, o ministro sabe, e a equipe econômica também. O Instituto Brasileiro de Economia aposta, em sua previsão mais conservadora, em um crescimento de 0,6% no próximo ano. O desemprego deve continuar crescendo até o primeiro semestre do ano de 2017, depois ele se estabiliza em 12% e começa a cair no primeiro trimestre de 2018. O ano que vem será menos complicado que os anteriores. 

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