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Quando Leonard Cohen chorou junto com o público durante um show

A história de um show em que o músico abandonou o palco desolado, mas momentos depois retornou para fazer uma apresentação memorável

Leonard Cohen em uma apresentação no início dos anos setenta.
Leonard Cohen em uma apresentação no início dos anos setenta.Cordon

Leonard Cohen entrou abruptamente no camarim. Sentou-se abatido em um canto e disse: “Não posso, estou me dilacerando”. Tinha deixado precipitadamente o palco diante do assombro dos espectadores. Era 1972 e aquele era um de seus primeiros concertos em Israel, importantíssimo por ele ser judeu. Mas o músico, que morreu nesta quinta-feira, com 38 anos na época, não pôde terminar o recital na sala Binyanei Ha'uma de Jerusalém.

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Antes de deixar o tablado, já alertara o público: “Não estou sentindo profundamente as canções. E acho sinceramente que estou enganando vocês. Vou tentar de novo. Se não funcionar, eu os deixo e lhes devolveremos o dinheiro. Há noites nas quais a gente se eleva no ar e outras em que simplesmente não decola”. A honestidade brutal do músico pegou de surpresa tanto os espectadores como os músicos, que não tinham uma opinião tão sombria do que estavam presenciando.

Naquela noite tão importante para ele, Cohen estava torturado pela responsabilidade e o compromisso, por elevar a pureza artística a um nível místico. Embora o público não estivesse percebendo, ele, sim. Levantou-se, e disse, como se vê no documentário de Tony Palmer Bird on a Wire: “Vamos deixar o palco agora e meditar profundamente no camarim para tentar recuperar a forma. Se conseguirmos, voltaremos”.

O músico mergulhou em uma atitude de melancolia profunda, arrasado por sua derrota em um de seus concertos mais relevantes. Sua exigência artística estava acima de tudo. Tão alta que tanto fazia que o público estivesse desfrutando plenamente da atuação. Segundo conta Sylvie Simmons no livro I’m Your Man: The Life of Leonard Cohen (Sou teu Homem: a Vida de Leonard Cohen), o representante do músico se aproximou de Cohen e lhe disse: “Temos de honrar o negócio e terminar a apresentação, ou pode ser que não saiamos daqui admirados”. O materialista contra a arte.

Cohen disse ao público: "Não estou sentindo profundamente as canções. E acho que estou enganando vocês. Vou tentar de novo. Se não funcionar, eu os deixo e lhes devolveremos o dinheiro”

Do lado de fora, ninguém havia abandonado a sala. Nem um só pedido de devolução do dinheiro. Nem uma só vaia. Pelo contrário: começaram a cantar Hevenu shalom aleichem (A paz esteja contigo), um poema judaico de felicidade. Nesse momento, aconteceu. Cohen seguiu o conselho de sua mãe: “Quando as coisas estão indo mal para você, barbeie-se". Alguém lhe levou uma navalha e creme de barbear, ele se aproximou do lavabo e começou a raspar a barba enquanto escutava ao fundo os cânticos dos espectadores: “Que a paz esteja convosco, anjos do altíssimo. O supremo rei dos reis é o santo abençoado”.

Quando terminou de se barbear, Leonard Cohen retornou ao palco seguido de seus músicos. Ninguém tinha ido embora. A ovação foi estrondosa. Depois, fez-se silêncio. O músico pegou seu violão e começou a cantar So Long Marianne: "Nós nos conhecemos quando éramos jovens. Foi em um parque de cor lilás e verde. Você me agarrou como se eu fosse um crucifixo enquanto entrávamos de joelhos na escuridão. Adeus, Marianne, já é hora de começarmos a rir e a chorar, e chorar, e rirmos de tudo”.

Enquanto cantava, as lágrimas do músico começaram a deslizar por suas bochechas. Ouviram-se soluços na multidão. A angústia envolveu os músicos. Agora sim: Leonard Cohen estava sentindo profundamente as canções.

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