_
_
_
_
_

Voltar para casa: o sonho dos emigrados mexicanos

O fluxo de imigrantes mexicanos que desejam mudar para os EUA está no patamar mais baixo desde 1990

Um dos projetos de agricultura da organização Alma, em Zacatecas, onde trabalham migrantes deportados.
Um dos projetos de agricultura da organização Alma, em Zacatecas, onde trabalham migrantes deportados.As. Alma

Durante 13 anos, Gerardo González Márquez alternou seu trabalho na agricultura e jardinagem com o ativismo. Mexicano residente no condado de Riverside, na Califórnia, ele trabalhou com outros compatriotas num clube de migrantes que fomentava as tradições mexicanas em território norte-americano e buscava uma forma para que os residentes nos Estados Unidos regressassem com um emprego ao seu país natal. O primeiro passo era encontrar um projeto sustentável e depois convencer os colegas de que era possível começar de novo em seu país, com certa quantidade de dinheiro economizada e um apoio do Governo. “Nosso sonho sempre foi mexicano, não americano: tentamos fazer dinheiro lá e voltar ao México para começar um negócio. Para mim, sempre foi muito difícil não ter uma identidade. Sempre trabalhei com o objetivo de voltar”, diz o homem de 42 anos.

Mais informações
Será que Trump passaria no teste que quer impor aos imigrantes?
Aqueles que mantêm vivo o sonho americano
Empate na Suprema Corte mantém bloqueada a reforma imigratória de Obama

Através do clube, Gerardo soube que o Governo mexicano do então presidente Vicente Fox havia lançado um programa de apoio a migrantes e então decidiu dar o primeiro passo. Um dia, ele disse aos amigos que seria o exemplo da causa pela qual lutavam. E começou a organizar os papéis. Em 2007, fez as malas e retornou com a esposa e os filhos para Pánuco, um pequeno município do estado de Zacatecas, a fim de empreender o sonho mexicano. O programa federal o apoiou com o equivalente a 17,6 milhões de reais para que implantasse sua fazenda de criação de porcos. “Se eu defendia uma ideologia, tinha de levá-la a cabo. Precisava mostrar às pessoas que era possível regressar e encontrar um futuro melhor”, relata. Cerca de 25 famílias retornaram no mês seguinte, seguindo seu exemplo.

Uma vez instalado em sua terra, Gerardo envolveu outros migrantes no negócio da criação de porco. No México ele também fundou a associação civil Alma, um centro de capacitação e apoio. A partir de então, seu trabalho tem dois eixos: convencer as pessoas que desejam emigrar aos EUA de permanecer nas suas cidades; e continuar com o trabalho de persuasão dos mexicanos que residem no exterior para que retornem e montem seus negócios. “Eles estão envolvidos em seus projetos, com recursos próprios ou de suas famílias que moram nos EUA. Nós lhe dizemos: se você vai desembolsar 5.000 dólares (16 mil reais) em um “coiote” (traficante de pessoas), melhor investi-los aqui”, afirma.

Gerardo voltou à Califórnia para conversar com mexicanos que continuam lá, através de reuniões organizadas pelos clubes de migrantes. Quando identifica alguém que tem um projeto produtivo, o grupo ajuda na gestão. “Exibimos vídeos, mostramos como o trabalho é feito aqui no México. E eles tomam uma decisão”, explica.

Entre 2009 e 2014, 870.000 mexicanos foram para os EUA em busca de melhores oportunidades, enquanto 1 milhão de compatriotas retornaram à terra natal

Ante a falta de apoio governamental, que com o tempo minguou ou foi sendo manejado com fins políticos, Gerardo e seu grupo procuram semear nas pessoas a ideia de serem empreendedoras. “Tentamos que elas montem seu próprio negócio e fomentem o desenvolvimento local, para que outros não tenham que sair e arriscar a vida da família”, diz ele.

Em Pánuco, de 16.800 habitantes, a taxa de migração aos EUA diminuiu em 15%, diz Gerardo, lembrando que a redução se deve, em grande medida, ao trabalho da organização. Ele faz parte dessa outra estatística de pessoas que voltam ao México por decisão própria, depois de ter partido rumo aos EUA em busca do chamado “sonho americano”.

Um dos projetos onde trabalham os migrantes que voltaram dos EUA.
Um dos projetos onde trabalham os migrantes que voltaram dos EUA.

Menos migrantes

Entre 2009 e 2014, houve um fluxo migratório negativo do México para os Estados Unidos. Nesse período, 870.000 migrantes foram para o país vizinho em busca de melhores oportunidades, enquanto 1 milhão de compatriotas retornaram à sua terra natal, segundo um estudo do Centro Pew com base em dados da pesquisa nacional da dinâmica demográfica do Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México (INEGI) e em censos governamentais dos EUA. A queda no número de mexicanos que querem emigrar talvez se deva à implementação mais estrita das leis migratórias do Governo de Obama ou à lenta recuperação econômica dos EUA após a recessão de 2009.

A percepção dos mexicanos sobre o vizinho do norte também mudou, diz o estudo. Embora quase metade ainda acredite que lá teria uma vida melhor, cada vez mais mexicanos consideram que teriam uma vida equivalente à atual se mudassem para os EUA. O documento também revela que, dos cerca de 1 milhão de mexicanos que abandonaram os EUA entre 2009 e 2014 por sua própria vontade, 61% citaram a reunificação familiar como motivo principal para regressar ao México. A análise mostra que o fluxo de imigrantes que desejam mudar para os EUA está no patamar mais baixo desde 1990. Em 2000, 9,4 milhões de mexicanos viviam em território norte-americano. Em 2007 eram 12,8 milhões, mas em 2014 a cifra caiu para 11,7 milhões. Outra pesquisa também refletiu a redução da quantidade de mexicanos que moram nos EUA. Em 2007, 42% dos adultos mexicanos disseram que mantinham contato com um amigo ou familiar que morava naquele país. Os censos mais recentes indicam que a cifra atual é de 35%, segundo o Instituto Pew.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_