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Cristina Kirchner, indiciada por corrupção: “Querem encobrir a crise”

Milhares de simpatizantes fazem manifestação de apoio à ex-presidenta na porta do tribunal

Apoiadores rodeiam Cristina Kirchner na saída do tribunal federal em Buenos Aires.Vídeo: EFE
Carlos E. Cué

Cristina Kirchner, ex-presidenta da Argentina, sai pela porta dos fundos de um tribunal federal depois de depor nesta segunda-feira pela primeira vez como indiciada em um processo de suspeita de corrupção. Na maioria dos países, essa fotografia marcaria o naufrágio definitivo de uma carreira política. Mas na Argentina é diferente. Kirchner não sai sozinha e cabisbaixa, como outros ex-presidentes de outros países que passaram por trâmites similares. Do lado de fora, milhares de partidários a esperam – bem menos que na primeira vez que depôs, em abril, em um processo de suspeita de fraude contra o Estado por mau uso do Banco Central – com gritos de “vamos voltar” e “Cristina é do povo e ninguém a toca”.

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Estão ali todos os principais deputados e sindicalistas de seu núcleo duro. E ainda a parte mais simbólica do mundo kirchnerista: os desaparecidos da ditadura militar argentina. Cristina sai do tribunal e entra para cumprimentar as ocupantes de um pequeno ônibus cheio de mulheres com lenços brancos na cabeça. São as Mães de Praça de Maio, com sua líder Hebe de Bonafini à frente, manifestando apoio no dia em que a ex-presidenta enfrenta um processo por corrupção. Não estão as Avós, mais moderadas, mas as Mães.

Kirchner já não ocupa nenhum cargo público. Formalmente não é nada. Mas, para seus partidários, que são milhares, continua sendo a indiscutível líder política. E conquista simpatia. Boa parte dos peronistas querem que desapareça definitivamente do cenário, porque acreditam que divide seus votos e isso beneficia o atual presidente Mauricio Macri. Mas ela não tem intenção de retirar-se e mantém, apesar de todos os escândalos, um núcleo importante de eleitores potenciais.

Kirchner declara perante o tribunal com um de seus empresários mais próximos, Lázaro Báez, condenado por lavagem de dinheiro, e o principal encarregado das obras públicas, Julio López, preso por tentar ocultar nove milhões de dólares (21 milhões de reais) em um convento. Mas ela não parece inquieta. Pelo contrário. Cresce. “É uma formidável manobra de perseguição política, como a que também está acontecendo com Lula no Brasil. Querem encobrir o desastre econômico e social que a Argentina vive hoje. Estão tentando esconder o que todos sabemos, o que está acontecendo nos supermercados, que o salário não acompanha a inflação”.

Estão contra você porque vai se candidatar nas eleições de 2017 (quando se renova metade do Parlamento)?, perguntam. “Eu acredito que miram dirigentes que podem ser candidatos e põem em perigo seu eleitorado”, responde. Não confirma se concorrerá, mas tudo indica que sim. Macri, segundo afirmam pessoas próximas, prefere que ela se candidate e divida o voto peronista.

O grande debate na Argentina gira em torno da possibilidade de os juízes a colocarem na prisão por este ou outros processos. “É difícil mandarem Cristina para a cadeia, seria uma catástrofe, mas quem sabe, se a situação econômica se complicar alguém pode ter essa tentação”, explica ao EL PAÍS o juiz Raúl Zaffaroni, ex-membro da Suprema Corte e um dos kirchneristas que foram apoiar a ex-presidenta na porta do tribunal, como outros personagens importantes desse grupo: Axel Kicillof, Martín Sabatella, Hugo Yasky.

Todos insistem no mesmo ponto que a presidenta: é uma perseguição política. “Isto é um show midiático, há 300 policiais, não há a menor necessidade. Querem oferecer a imagem da Cristina perseguida pela Justiça. A ação não se sustenta. O fato de estarem avaliando se lhes convém ou não politicamente que Cristina seja presa é incrível”, afirma Kicillof. “Ela está sendo perseguida por revanche. Estão com medo que possa ser candidata. Claro que existe corrupção estrutural na Argentina. Mas só estão analisando 1%, um único empresário, uma única província. Que façam um auditoria de tudo”, exige Sabatella. Kirchner aponta para o primo do presidente, Angelo Calcaterra, importante empreiteiro, terceiro maior executor de obras públicas durante o kirchnerismo. Báez, o que está preso, ocupa a 38ª posição. Mas o que os juízes estão analisando não é o volume, e sim se obteve esses contratos em troca de subornos ou se era diretamente era o testa-de-ferro dos Kirchner.

Todos admitem que a imagem de Julio López, ex-encarregado de obras públicas, deixando malas com 9 milhões de dólares em um convento prejudicou muito o kirchnerismo. Mas insistem que Kirchner não sabia, não estava nisso. E acreditam que não poderão provar nada, apesar de os promotores continuarem avançando nas estreitas ligações entre o empresário Lázaro Báez, que ganhou 16 bilhões de pesos (cerca de 3 bilhões de reais) por obras em Santa Cruz, 80% do que recebeu na província matriz do kirchnerismo. Seus partidários a apoiam aconteça o que acontecer, e o ambiente vai esquentando. A polícia se exacerbou e disparou inclusive contra os jornalistas e alguns políticos em meio a um enorme caos quando a ex-presidenta tentou se aproximar de seus simpatizantes para cumprimentá-los.

Assim, a ex-presidenta transformou em um ato político sua obrigação de comparecer perante o juiz federal Julián Ercolini, encarregado do expediente, e perante o qual não respondeu perguntas. A ação procura determinar se os indiciados, entre eles ex-membros do Governo anterior e o empresário Báez, integraram uma organização “criminosa” para “beneficiar-se ilegitimamente” da concessão de obras públicas em “consequente e grave detrimento” dos cofres públicos entre 2003 e 2015. “Se nós éramos uma associação ilícita, este Governo é uma associação ilícita terrorista, que impõe o terror às pessoas quando vão ao supermercado ou quando recebem a conta de luz ou de gás”, ironizou ela. Durante os próximos meses a política argentina viverá assim, como quase sempre, com a atenção voltada para os tribunais.

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