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A excepcional arquitetura do bom senso

América Latina como escola de arquitetura

Anatxu Zabalbeascoa
Convidados na Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Urbanismo.
Convidados na Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Urbanismo.SEBASTIÃO MOREIRA (EFE)
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É uma pena que em um ano no qual a Bienal de Veneza foi dirigida por um arquiteto latino-americano, Alejandro Aravena, não foi o próprio chileno ganhador do prêmio Pritzker que inaugurou a X Bienal Ibero-americana de Arquitetura e Urbanismo (BIAU) em São Paulo, refletindo seu bom momento. Foram dois outros pritzkers latinos, Eduardo Souto de Moura e Paulo Mendes da Rocha. O primeiro afirmou que “apesar de que muitos países latinos estão em crise, é evidente que a arquitetura ibero-americana não está em crise”. Não faltam ideias. E as mais poderosas apontam para uma mudança: a arquitetura feita de baixo para cima, a partir das necessidades e não a partir do planejamento teórico.

O caminho é tão revolucionário quanto difícil. Tem a seu favor a possibilidade de dotar de futuro uma profissão que deverá encontrar sua razão de ser na resolução de problemas, como a moradia de dois terços da população mundial. Por outro lado, precisa enfrentar a redução do negócio que, no século XX, foi a construção. Na América Latina convive a necessidade de melhorar os assentamentos precários com a urgência, como acontece em São Paulo, de transformar as favelas em bairros. Trata-se de ser guia, de ouvir em vez de impor. Nisso trabalham a maioria dos arquitetos premiados reunidos estes dias em São Paulo.

A ponte entre a Península Ibérica e a América Latina é de ida e volta. Na hora de trabalhar com inteligência e poucos meios, a América Latina é uma escola para o mundo. Isso fica evidenciado por Diana Herrera, do escritório colombiano Taller Síntesis. Contou a experiência em Vigía del Fuerte, um povo sem água ou eletricidade na floresta úmida tropical com 100% da infraestrutura mais básica deteriorada. Esse tipo de projeto começa com o arquiteto explicando que a primeira coisa que faz ali é entender como tudo foi construído. E o segundo é mudar seu modo de pensar a arquitetura para terminar transformando a vida da comunidade. “A arquitetura deve encontrar aí sua forma mais simples”, diz. E essa forma deriva também sempre da observação das tradições ancestrais: palafitas para se separar do solo e proteger contra as inundações e os animais, telhados inclinados para reciclar a água, recintos abertos para facilitar a ventilação...

Às vezes alguém – como o equatoriano Enrique Mora – explica como a mão-de-obra da família é o que torna possível muitas das construções. Aconteceu isso com ele quando construiu a casa para a avó da sua esposa com o que tinha: bambu. É então que o arquiteto passa a ser – além de guia – inventor de um sistema construtivo com o material disponível. “Trata-se de conseguir obras cuja qualidade não depende do preço, mas da capacidade de inventar a partir do que há”, diz.

A Bienal de Veneza, tradicionalmente mais concentrada em tendências que nas realidades, este ano deu um passo – levada por Aravena – que amplia o horizonte da arquitetura que procura se afastar da especulação imobiliária e se dedicar a transformar a vida das pessoas. Foi ali que os peruanos Jean Pierre Crousse e Sandra Barclay ganharam o Leão de Prata por seu Plan Selva, um exercício de arquitetura, geografia e identidade que partia da premissa de reconsiderar que o Peru, um país assumido como andino, é um território fundamentalmente amazônico em 61% do território. Crousse explica que 70% da sua população está concentrada na costa do Pacífico, onde, no entanto, está apenas 2% da água. Essa localização é uma herança colonial “menos interessada na serra e na selva, onde estão concentrados 98% dos recursos hídricos”. É na selva amazônica peruana que o governo projeta planos de desenvolvimento que as pessoas rejeitam. A razão? “As crianças caminham cinco horas para chegar à escola e se encontram com um colégio construído ao estilo ocidental que fica inundado metade do ano. Essa é outra herança da má digestão do colonialismo”.

Esse arquiteto argumenta que não é latitude que explica o seu país, mas a altitude. “Em vez de dividir o Peru em três partes – costa, serra e selva – o que define o território e seu modo de vida são as diferentes alturas”. É por isso que o Plan Selva, liderado pelo Ministério da Educação, consistiu em repensar o Peru amazônico a partir da educação. Trata-se de construir arquiteturas pré-fabricadas, elevadas do solo, ventiladas e protegidas da chuva. Dez já foram inauguradas. Outras 69 escolas estão planejadas. Em julho, no Peru houve uma mudança de governo. Ollanta Humala cedeu a presidência a Pedro Pablo Kuczyinski. Mas o ministro da educação é o mesmo: Jaime Saavedra. A arquitetura que escuta e entende os lugares e as pessoas, em vez de impor teorias ou modus operandi a priori é realmente transformadora. Também uma atividade política. Após o sucesso de Medellín, nessa cidade colombiana decidiram mapear a iluminação para comprovar se a escuridão equivalia a um aumento da criminalidade. Nas fotografias aéreas noturnas apareceram grandes áreas escuras que eram tanques de água. E decidiram usar essas infraestruturas para construir novos espaços públicos onde parecia não caber mais nada.

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