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Maduro acusa a oposição pelos atrasos no referendo revocatório

Presidente afirma que a MUD realizou o processo "fora do prazo” e “cheio de fraudes e ilegalidades”

Andrés Mourenza
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro (esquerda) ao lado do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, durante o Congresso Mundial de Energia, em Istambul, dia 10 de outubro.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro (esquerda) ao lado do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, durante o Congresso Mundial de Energia, em Istambul, dia 10 de outubro.Kayhan Ozer (AP)

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, atacou na terça-feira a oposição da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a qual culpou pelos atrasos no referendo revocatório por realizá-lo “fora do prazo” e “cheio de fraudes e ilegalidades”. “Perderam o capital que acumularam nas eleições de 6 de dezembro, o atiraram no lixo. Não têm nenhuma credibilidade dentro e fora do país”, afirmou o mandatário em declarações a vários veículos de comunicação ao ser perguntado pelo EL PAÍS sobre as acusações da oposição de que o Governo tenta estender os períodos da convocação.

Em abril, a MUD – maioria no Parlamento, mas oposição ao presidente chavista – iniciou os trâmites para a convocação de um referendo revocatório contra Maduro de acordo com o artigo 72 da Constituição venezuelana. É um processo complexo dividido em três fases: pedido do início do processo – para o qual é preciso o apoio de 1% do eleitorado –; coleta do 20% de apoio necessário a favor da consulta e, finalmente, votação revocatória, para a qual é preciso que a oposição consiga mais votos do que os obtidos pelo presidente em sua eleição. Entre os próximos dias 26 e 28 de outubro, a MUD terá o desafio de reunir um número de assinaturas equivalente a um quinto do eleitorado, com o que poderia forçar o referendo.

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Mas o processo foi manchado pelas trocas de acusações e um clima de crescente polarização. A oposição afirma que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) – dominado pela situação – manobrou para dificultar o referendo, exigindo entre outras coisas que o 20% de apoio ao referendo revocatório seja coletado em cada distrito e não em todo o país. De acordo com a MUD, o objetivo é estender os prazos e fazer com que a consulta ocorra após 10 de janeiro de 2017, o que significaria que, no caso de uma derrota, Maduro deveria renunciar em favor de seu vice-presidente e não convocar novas eleições gerais.

O Executivo, por sua vez, acusa a oposição de falsificar parte das assinaturas reunidas e de utilizar até mesmo pessoas falecidas para isso. “A oposição venezuelana fracassou totalmente e não tem capacidade para dirigir e governar a Venezuela. Não tem moral, não têm projeto para conduzir nosso país. O fracasso da oposição é o fracasso deles, não culpem a revolução pelo próprio fracasso”, criticou Maduro em Istambul, onde participou do Congresso Mundial de Energia.

Tal Congresso significou um respaldo às expectativas da Venezuela de reduzir a produção petrolífera para aumentar seu preço, já que na segunda-feira o presidente russo, Vladimir Putin, apoiou essas demandas, provocando um aumento imediato na cotação do petróleo. “São sinais muito claros de que o novo consenso começa a funcionar. E isso trará estabilidade ao mercado, e irá permitir uma recuperação realista de preços”, disse. Maduro situou o “preço justo” dessa matéria-prima por volta dos 70 dólares (223 reais) por barril, 20 dólares (64 reais) acima de seu preço atual, mas a maioria dos analistas prevê que o preço se estabilizará entre 40 e 60 dólares (127 a 192 reais). “As empresas talvez não o digam publicamente, mas no privado nos dizem que aplaudem o acordo, porque o que existia até agora era um caos que prejudicava a todos”, acrescentou o venezuelano.

É justamente essa consolidação de preços do petróleo – após chegar a um mínimo de 27 dólares (86 reais) em janeiro – que é vista pelo Governo venezuelano como uma tábua de salvação para a situação crítica pela qual sua economia atravessa. “Já passamos pela parte mais difícil. E isso nos permitiu definir um quadro estratégico da agenda econômica bolivariana, com quinze motores. A recuperação dos preços do petróleo nos permitirá injetar um pouco mais de recursos em cada um dos motores e na recuperação da economia”, explicou o presidente venezuelano se referindo a um plano destinado a diversificar em diferentes setores a atual economia do país, muito dependente dos hidrocarbonetos: “Os Estados Unidos e a direita internacional acreditavam que não passaríamos por esse desafio. Passamos e hoje estamos mais fortes do que ontem, para levantar uma economia com bases sólidas para o século XXI, onde o petróleo será uma alavanca complementar de desenvolvimento para nosso país”.

"A recuperação dos preços do petróleo nos permitirá injetar um pouco mais de recursos na recuperação da economia"

O Executivo venezuelano espera que a recuperação econômica comece em 2017, após um 2015 em que seu Produto Interno Bruto (PIB) caiu 5,7% e um 2016 que também deve fechar no vermelho. O Fundo Monetário Internacional, por outro lado, estima que a economia da Venezuela sofrerá em 2016 uma contração de até 10% do PIB e de 4,5% no ano que vem.

Outro dos objetivos da viagem de Maduro a Istambul foi reforçar “a aliança” com a Turquia, país com quem assinou vários acordos, dentre os quais se destacam a formação de um fundo de investimento para apoiar projetos conjuntos – cuja quantia por enquanto é desconhecida – e o projeto de transporte de coque de petróleo venezuelano, que interessa aos turcos. Foi acertado também o fornecimento de combustível por parte da petrolífera estatal venezuelana PDVSA à empresa turca de cruzeiros Global Liman e à companhia aérea Turkish Airlines, que iniciará seus voos a Caracas a partir de dezembro. “A Turquia é uma potência emergente das mais poderosas, e a Venezuela uma potência em construção. Temos a possibilidade de crescermos juntos”, afirmou o mandatário chavista sobre seu novo parceiro, um país membro da OTAN e candidato à adesão à UE, mas que nos últimos meses se aproximou da Rússia.

O presidente venezuelano anunciou na terça-feira que seu homólogo turco, Recep Tayyip Erdogan, viajará à Venezuela no começo do próximo ano para consolidar os novos laços e comparou a tentativa de golpe militar sofrida pela Turquia em 15 de julho com “os contínuos golpes que a Venezuela enfrenta”. O islamista e conservador Erdogan insinuou a participação de “forças externas” no golpe fracassado – supostamente perpetrado por seguidores de uma congregação muçulmana semelhante à organização católica Opus Dei – e alguns de seus ministros acusaram diretamente os EUA de orquestrar o complô, após o qual se iniciou uma perseguição muito criticada pelas organizações de direitos humanos, com pelo menos 30.000 presos e mais de 100.000 funcionários demitidos da Administração. Já em agosto, Maduro alertou a oposição de que “se a direita [venezuelana] atravessar a fronteira do golpismo” sua resposta faria Erdogan parecer “uma criança de colo”.

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