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América Latina registra 135.000 homicídios por ano

Congresso sobre segurança propõe reformar as polícias do continente Violência provoca prejuízo anual de 120 bilhões de dólares na região

Carlos E. Cué
Um advogado armado que reagiu a um assalto matou um homem que andava na rua no centro de Buenos Aires, em abril passado.
Um advogado armado que reagiu a um assalto matou um homem que andava na rua no centro de Buenos Aires, em abril passado.Telam
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A insegurança é o grande tema político em quase toda a América Latina. Tornou-se um dos principais assuntos em praticamente todos os países. Durante as últimas eleições no Peru, foi a principal questão abordada no debate que quase levou à vitória de Keiko Fujimori. Na Venezuela, México, Brasil e até em países mais tranquilos, como a Argentina, a violência já é a principal preocupação. Os dados explicam por quê. Quase 135.000 pessoas foram assassinadas no ano passado na América Latina e no Caribe, segundo cifras do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que organizou uma reunião de especialistas durante uma semana em Buenos Aires. Essa violência e seu combate têm um custo de cerca de 120 bilhões de dólares (384 bilhões de reais) por ano, o que equivale a 200 dólares (640 reais) por habitante. Tanto que a América Latina poderia ter um PIB per capita 25% maior se alcançasse cifras de insegurança semelhantes às do resto do mundo.

Os países da América Latina têm muitas diferenças entre si, mas há duas coisas que claramente os une: a insegurança cidadã e a desigualdade. Nos últimos anos, com o enorme crescimento econômico em função do maior preço das matérias-primas, e com as políticas redistributivas de governos de esquerda, a pobreza diminuiu em quase todos os países. A cobertura de saúde e educação também foi ampliada, mas quase nenhuma nação conseguiu melhorar os índices de segurança. Ao contrário: a situação piorou até mesmo nas que estavam melhor, como a Argentina.

“Há dez anos estamos piorando sistematicamente. A Argentina está em patamares mais baixos que os demais países da região, mas, se nos comparamos com nós mesmos, estamos pior. Temos um índice de 6 assassinatos para cada 100.000 habitantes, o que é pouco para a região, mas é duas vezes maior que o de 20 nos atrás. E está aumentando muito o nível de criminalidade violenta sem homicídio”, diz o número dois do Ministério de Segurança da Argentina, Eugenio Burzaco, anfitrião do encontro do qual participaram altos representantes de 16 países.

A região tem enormes diferenças. Enquanto a Argentina possui essa cifra baixa — que aumenta muito quando se levam em conta as duas zonas mais atingidas pelo crime, a Grande Buenos Aires e a Grande Rosário, epicentros da droga —, em Honduras há 84 assassinatos por cada 100.000 habitantes (dados de 2013), na Venezuela 53, na Colômbia 31, no Brasil 28 e no México, 19. Na parte inferior do gráfico está o Chile, com 3 homicídios para cada 100.000 habitantes.

Essa insegurança provoca enormes prejuízos, que impedem avanços econômicos na região e obrigam muitos de seus habitantes a emigrar para a Europa ou os Estados Unidos, fugindo do crime. Segundo o BID, somente o gasto com as polícias no continente representa 51 bilhões de dólares (117 bilhões de reais) por ano. “A América Latina tem em média 23 homicídios para cada 100.000 habitantes. É o dobro da média da África e cinco vezes mais que a da Ásia. [A insegurança] é o principal problema para um em cada cinco latino-americanos”, diz José Luis Lupo, representante do BID para o Cone Sul.

Natalie Alvarado, coordenadora da área de segurança do BID, reconhece que as estatísticas na região são insuficientes, mas indicam alguns padrões. “Os países do sul estão muito preocupados porque aumentou a vitimização — o número de pessoas que dizem ter sido vítimas de um crime. A região tem crescido muito, mas não melhora o problema da insegurança. Há uma enorme população de jovens que não estudam nem trabalham e um grande vazio institucional. Os sistemas de penitenciárias estão em crise porque são centros do crime. Longe de se reabilitar, os criminosos aprendem melhores técnicas nesses lugares. O crescimento desordenado das grandes cidades latino-americanas propicia essa situação”, afirma.

Todos os especialistas concordam que a solução passa pela reforma das polícias, mas não necessariamente pelo aumento do número de policiais. “Em Honduras, que tem uma situação muito delicada, [a criminalidade] está diminuindo fortemente com reformas concentradas no recrutamento e na formação da polícia. Existem evidências, em todos os países, de que polícia maior não significa maior segurança. O Equador também tem avançado. Antes, os policiais eram pessoas que não tinham outra opção de emprego, eram gente sem futuro. É preciso dignificar a polícia”, diz Alvarado. No entanto, os cidadãos só costumam exigir mais agentes nas ruas. Na Argentina, o Governo acaba de enviar mais efetivos da Gendarmería [força de segurança das fronteiras] às zonas fronteiriças para evitar a entrada de drogas, origem de boa parte do problema da segurança, mas muita gente critica a medida porque quer ver a Gendarmería perto de sua casa, nas cidades.

Ninguém tem uma solução definitiva, mas todos concordam que este é o grande problema da América Latina do século XXI. E afeta sobretudo os pobres, que não podem contratar segurança privada.

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