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Professor da FGV: “Os procuradores não têm obrigação de ser imparciais, o Judiciário sim”

Ivar Hartmann argumenta que força-tarefa frisou que denúncia contra Lula é uma peça do quebra-cabeça

Gil Alessi

"Espetaculosa", "marqueteira" e "sem provas" foram expressões usadas pela defesa do ex-presidente Lula - e até por ministros do Supremo - para definir a apresentação da denúncia contra o petista na última quarta-feira pela força-tarefa da Operação Lava Jato. Com o auxílio de um Power Point que alavancou memes nas redes sociais, os procuradores do Ministério Público Federal trataram o ex-sindicalista como coordenador de um esquema criminoso ("propinocracia"), sem no entanto apresentar denúncia específica de formação de quadrilha. "Isso não quer dizer que não serão feitas denúncias futuras", afirma Ivar Hartmann, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio. Segundo ele, o que para uns é a "espetacularização do caso", pode ser entendido por outros como "transparência" por parte das autoridades.

FGV

Pergunta. A apresentação do Ministério Público Federal foi muito criticada pela defesa do Lula e por outros observadores, que falaram em “espetacularização” do caso. Você concorda?

Resposta. Acho que essa expressão [espetacularização] é usada de forma pejorativa, mas ela pode ser aplicada tanto para a acusação quanto para a defesa. Sabemos que também existe um esforço natural da defesa do ex-presidente que ocorre fora dos autos. Isso é normal. O que uns falam que é uma ação de marketing, outros podem dizer que é uma maneira [do Ministério Público] de apresentar à sociedade os resultados da investigação. É normal que o MP faça isso. Quem não pode fazer isso é o Judiciário. A manifestação de um ministro do Supremo Tribunal Federal é proibida por lei, pela Lei Orgânica da Magistratura. Ele não pode se manifestar sobre algo que irá julgar. O MP não tem essas amarras.

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P. Os procuradores têm sido acusados de não serem imparciais...

R. O MP não tem obrigação de ser imparcial. O MP na Lava Jato tem um lado evidente, que é o lado da acusação. Prefiro que o MP se exponha a críticas e mostre seus argumentos e convicções para que a população possa avaliar. E isso é ainda mais importante envolvendo o Lula. Queremos sempre mais transparência quando se trata de denúncias envolvendo ex-presidentes do Brasil. E não importa se é Lula, Dilma ou Fernando Henrique Cardoso. Transparência é positiva em qualquer caso. Faz parte da democracia.

P. Esse tipo de comportamento do Ministério Público Federal não fortalece o discurso do PT de que existe perseguição política no processo?

R. O PT vem utilizando o discurso de que é alvo de perseguição política desde o mensalão. Isso não é novo e não é resultado da Lava Jato. Vale lembrar que essa linha da defesa do partido e do ex-presidente é totalmente legal, é parte da liberdade de expressão. Mas essa crítica de que o partido é perseguido existe mesmo com relação ao Supremo, sendo que a maioria de seus integrantes foi indicada por Governos petistas.

P. Houve um extenso debate sobre o uso do termo “convicção” pelos procuradores. O uso desse tipo de linguagem em detrimento da apresentação de provas não é ruim?

R. Pressupõe-se que é algo ruim que os procuradores exponham suas convicções. Se eles acreditam em algo, prefiro que eles digam do que finjam que não acreditam nisso. Quanto mais comunicarem para a sociedade civil quais suas convicções, melhor. O contexto no qual um crime que é parte da denúncia ocorreu precisa ser mostrado. Eles frisaram esse ponto de que esta denúncia é apenas uma peça do quebra-cabeça.

P. De acordo com a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, até ministros do STF criticaram a “espetacularização” da denúncia...

R. Pode ser que para esses ministros seja inconveniente ter que dividir o protagonismo na imprensa com os procuradores. Existe a opacidade do tribunal como instituição e o protagonismo midiático dos ministros individualmente, principalmente o ministro Gilmar Mendes, que se manifesta na imprensa com frequência sobre casos que ele irá julgar.

P. Não é estranho falarem que o Lula é o “comandante da propinocracia” mas não o denunciarem por formação de quadrilha?

R. Apesar das acusações feitas naquela denúncia não incluírem formação de quadrilha, eles deram a entender de que haverá outras denúncias futuramente.Tanto a defesa quando o Ministério Público podem partir do princípio de que nem todas as provas na denúncia serão convincentes. Parte delas pode até ser anulada pelo juiz, o que não significa que todas as demais serão nulas.

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