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‘Pequeno segredo’ vence ‘Aquarius’ e vai representar Brasil no Oscar. Justiça ou retaliação?

Escolha chega em meio à polêmica que longa pernambucano gerou com protesto anti-Temer

Cena de 'Pequeno Segredo'.
Cena de 'Pequeno Segredo'.Reprodução

Pequeno segredo, baseado em fatos reais protagonizados por uma família brasileira que deu a volta ao mundo navegando, irá representar o Brasil na disputa pela indicação ao Oscar 2017. O longa-metragem tem direção de David Schurman – cuja família ficou famosa por ser a primeira tripulação brasileira a dar a volta ao mundo em um veleiro – e desbancou o favorito Aquarius na briga por uma estatueta a melhor filme estrangeiro, inédita no país.

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Ainda sem ter sido lançado no circuito comercial, Pequeno segredo se inspirou na história da irmã adotiva de Schurman, que era portadora do HIV e morreu em 2006 aos 13 anos de idade devido às complicações causadas pelo vírus, que herdou de sua mãe biológica. A história está no centro do best seller Pequeno segredo: a lição de vida de Kat para a família Schurman, livro escrito pela mãe do cineasta e publicado em 2012. Em sua página no Facebook, Schurman agradeceu a indicação. “Obrigado a todos os que acreditam nesse filme! Meu profundo respeito a todos os maravilhosos filmes inscritos. Tenham certeza que faremos de tudo e não economizaremos energias para representar nosso país na premiação do Oscar 2017. Obrigado, obrigado, obrigado!”.

Beto Rodrigues, membro da comissão instituída pelo Ministério da Cultura, foi quem anunciou o escolhido em uma coletiva de imprensa que aconteceu nesta segunda-feira na Cinemateca Brasileira. Segundo o produtor gaúcho, o comitê avaliou dois critérios para eleger o candidato: qualidade técnica e artística, e adequação ao "pensamento da Academia" – sem entrar em detalhes sobre essa lógica. Diferentemente dos outros concorrentes, Pequeno segredo tem estrangeiros em sua equipe, como os atores Fionnula Flanagan e Erroll Shand, e partes faladas em inglês.

O filme desbancou outros 15 títulos, entre eles Aquarius, que era visto como um dos mais cotados para representar o país. Dirigido pelo cineasta Kleber Mendonça Filho, o filme acabou se tornando um símbolo da resistência contra o Governo do presidente Michel Temer, pelo protesto público feito por Mendonça Filho e seu elenco, do qual faz parte a consagrada atriz Sonia Braga, durante o festival de Cannes, em maio deste ano. Na ocasião, eles levantaram cartazes improvisados, em inglês e francês, afirmando que o Brasil estava vivendo um golpe de Estado, referindo-se ao processo de impeachment da ex-presidenta Dilma que beneficiou Temer.

Cercado por essa polêmica que caiu em cheio na sociedade polarizada do Brasil neste momento, o filme foi alvo de críticas permanentes de quem repudia a esquerda no país, e instigou a curiosidade do público sobre seu conteúdo. A obra caiu no gosto da plateia, como atesta o próprio diretor, que contou nesta segunda que o filme já foi visto por quase 200.000 pessoas. Ele se manifestou nesta segunda em sua página no Facebook sobre a derrota para Pequeno segredo. “Soube aqui no Festival de Toronto da decisão via Ministério da Cultura de não indicar Aquarius como candidato brasileiro ao Oscar. Estou numa tarde de entrevistas e já vendo o tipo de reação que tem surgido na imprensa e redes sociais. É bem possível que a decisão da comissão esteja em total sintonia com a realidade política do Brasil, ou seja, é coerente e já esperada”, afirmou. Mendonça observa que Aquarius tem conquistado internacionalmente “um tipo raro de prestígio, e isso inclui distribuição comercial em mais de 60 países”.

Pequeno segredo, por outro lado, ainda não chegou aos cinemas brasileiros nem internacionais, ou seja, não passou pelo crivo dos críticos e dos telespectadores, o que gerou um mal estar entre os que entendem do assunto. Raras vezes o Brasil indicou um filme que não tivesse passado por esse batismo. Sem a distribuição da fita para avaliação geral, não houve como comparar seu conteúdo com Aquarius e a sua indicação acabou aumentando a polêmica sobre uma eventual retaliação do atual Ministério da Cultura. Inicialmente, a obra de Schurman deveria entrar em cartaz em novembro. Mas a data limite para que um filme concorra na categoria com fins comerciais é que esteja por pelo menos sete dias consecutivos entre os dias 1º de outubro de 2015 e 30 de setembro de 2016, como explica o portal G1. O MinC iria então antecipar seu lançamento para cumprir a regra da Academia.

Como representante do país, o filme dirigido por Schurman terá de competir por uma das cinco indicações oficiais ao Oscar de melhor filme estrangeiro, cuja estatueta será entregue em 26 de fevereiro de 2017, na 89ª edição dos prêmios da Academia de Hollywood. O filme contará com concorrentes fortes, dentre eles a comédia alemã Toni Erdmann, de Maren Ade, e o espanhol Julieta, do já premiado Pedro Almodóvar. O Brasil só obteve até hoje quatro indicações a melhor filme estrangeiro. A mais recente foi em 1999, com Central do Brasil, de Walter Salles. No ano passado, o país apresentou Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, que aborda o universo das empregadas domésticas no Brasil, mas que não foi escolhido pela Academia.

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