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Tudo pronto para os primeiros milionários da maconha nos EUA

Passos para a legalização total multiplicam os negócios em torno da 'cannabis' nos EUA Califórnia vota em novembro uma lei que pode ser definitiva

Um dos quiosques do Congresso Mundial da Canabis, em Los Angeles, nesta semana.Vídeo: AFP / Video: EVA CATALÁN
Pablo Ximénez de Sandoval

Há três anos, Dan Humiston organiza uma importante feira de negócios em Nova York e Los Angeles. Cerca de cem expositores, dezenas de conferências sobre legislação e marketing, uma vibrante troca de ideias e centenas de potenciais investidores percorrendo seus corredores servem como prova do seu sucesso. Mas a feira tem uma peculiaridade. O produto principal, a maconha, não está em lugar algum. É ilegal. Mesmo assim, os participantes do Congresso Mundial da Cannabis têm certeza de que estão largando na frente em uma nova corrida do ouro.

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“A indústria canábica nos Estados Unidos está explodindo”, dizia Humiston nesta quinta-feira, 8 de setembro, dia em que uma nova edição da feira começava em Los Angeles. “Abriram-se as portas a muitos empreendedores para que assumam posições em diferentes aspectos do setor. Esta é a hora de entrar, é uma vez na vida. Há uma indústria que está surgindo e precisa de gente, precisa de negócios”.

A progressiva legalização do uso da maconha nos Estados Unidos, primeiro para uso médico e depois para uso livre como mais uma droga legal, está criando todo um ecossistema econômico em volta desta planta, cujo cultivo e manipulação continuam a ser perseguidos pelo Governo federal. Atualmente, 26 Estados autorizam o uso medicinal da maconha, algo que permite ao consumidor comprá-la apenas com uma receita médica. Três mais têm propostas nesse sentido a ponto de ser votadas.

Além disso, quatro Estados (Washington, Oregon, Alasca e Colorado) permitem o uso recreativo em um mercado regulamentado e que paga impostos como qualquer outro produto. Em novembro próximo, junto com as eleições presidenciais, serão votadas medidas parecidas em outros cinco Estados. E o mais cobiçado de todos é a Califórnia. Segundo todas as pesquisas, o Estado mais rico e povoado do país se dispõe a descriminalizar completamente a maconha no próximo 8 de novembro nas urnas. “A Califórnia forçará o Governo federal a enfrentar esse assunto”, vaticina Humiston. O Estado rechaçou uma medida similar em 2010, mas atualmente as pesquisas revelam um apoio enorme à legalização, a ponto de os próprios políticos fazerem leis para antecipar essa regulamentação.

O principal argumento para a legalização é tirar das sombras uma indústria que já é gigantesca em si e impossível de perseguir pelas agências de segurança federais. Os benefícios fiscais seriam de “centenas de milhões por ano”, segundo os proponentes da lei californiana. O Colorado arrecadou no ano passado 135 milhões de dólares (mais de 445 milhões de reais) em impostos para a cannabis, 77% mais do que os 76 milhões (cerca de 250 milhões de reais) de 2014, o dobro arrecadado com o álcool. O Colorado tem 5 milhões de habitantes e a Califórnia, 38 milhões. A consultoria especializada ArcView estima as vendas legais no ano passado em todo o país em 5,7 bilhões de dólares (cerca de 570 bilhões de reais). Ninguém sabe quanto aumentaria isso se o mercado ilegal for incorporado. A perspectiva de um efeito parecido, em escala muito maior, gerou uma verdadeira febre do ouro verde.

Quiosque de fertilizantes feitos com maconha no Congresso Mundial da Cannabis, em Los Angeles.
Quiosque de fertilizantes feitos com maconha no Congresso Mundial da Cannabis, em Los Angeles.MARK RALSTON (AFP)

Na feira de negócios de Los Angeles, dezenas de pessoas foram a dois seminários simultâneos na quarta-feira pela manhã, um sobre começar seu próprio negócio de maconha e outro sobre como investir na indústria. Entre os exibidores, havia desde cosméticos de cânhamo até sacolas para embalagem, serviços financeiros, assessoria legal e consultoria de marketing. Chris Husong, por exemplo, apresentava a linha de produtos de Elixinol, óleos com essência de maconha apresentados como mais um produto farmacêutico. “Muita gente precisa do THC (o integrante psicoativo, que alivia a dor e a náusea)”, dizia. Sua empresa se esforça na apresentação e na dosificação porque “ainda existe o estigma da maconha”, mesmo podendo ser utilizada como qualquer medicamento.

Avis Bulbuyan estava na feira oferecendo os serviços da SIVA, uma consultoria de negócios especializada na indústria da maconha. Explica que com um investimento de 200.000 a 300.000 dólares é possível montar um dispensário e, em geral, obter um retorno do investimento de 40%. Reconhece que o fato de o produto em si ser ilegal em nível federal complica os negócios. Por exemplo, é muito difícil encontrar serviços bancários para um negócio de maconha e a indústria movimenta grandes quantidades de dinheiro. “Quanto mais se respeitam as regras, menos risco se corre pelo lado federal”, diz Bulbuyan. Seu irmão Kevin desenvolveu uma linha de produtos medicinais de maconha chamada Varavo, com uma embalagem diferenciada. Entre seus produtos, oferece cápsulas para cigarro eletrônico com maconha. Ter a mesma imagem dos produtos farmacêuticos é fundamental, em sua opinião, para ganhar respeitabilidade e confiança entre os consumidores.

O uso livre da maconha já não é uma reivindicação só de pacientes de doenças como o câncer. É uma necessidade para uma indústria ansiosa. A conferência principal do Congresso Anual da Cannabis estava a cargo de Montel Williams, uma personalidade da televisão que sofre de esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença degenerativa cruel, e importante voz em favor da legalização. Consome maconha diariamente, em diferentes variações. E anunciava também que vai montar sua própria companhia de produtos farmacêuticos. Para Williams, o mais importante da legalização é que médicos e indústria farmacêutica possam fazer experiências com a maconha. Atualmente, cada paciente decide quanto lhe faz bem e como tomar. “Nós, os próprios pacientes, desenvolvemos a ciência”, disse Williams ao EL PAÍS.

Esses pacientes com visão de negócios são hoje os especialistas de referência desta indústria a ponto de explodir. Cheryl Shuman se promove há alguns anos como ‘a rainha da maconha de Beverly Hills’, falando abertamente de como tem sua própria plantação e é a fornecedora de dezenas de famosos. “É o novo álcool”, dizia Shuman em uma entrevista com este jornal durante um evento de networking com mulheres que querem aprender como ficar ricas na área. Shuman, que aspira a um programa de televisão, disse: “Quero ser a Martha Stewart da maconha”.

“A indústria já está aqui. O que estamos esperando é a legalização dessa indústria”, afirmou Dale Jones em uma entrevista com este jornal em Oakland em 2014. Jones é a diretora da autodenominada Universidade de Oaksterdam, que é uma reconhecida escola de negócios ligada à maconha com sede na cidade vizinha de San Francisco. Já tiveram 25.000 estudantes de 30 países diferentes desde 2007. Para Jones, estamos no mesmo momento do fim da proibição do álcool. Os melhor situados nesse momento foram os que fizeram mais dinheiro. Os melhor situados agora na maconha podem ser os Jim Beam ou os Jack Daniels desta indústria. No momento, estamos na proibição. “O primeiro que chegar pode fazer muito dinheiro, mas também pode acabar na cadeia”, adverte. Essa situação tem muitas probabilidades de se esclarecer a partir de 8 de novembro e os primeiros milionários desta febre poderão começar a se gabar disso.

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