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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A semana que sacudiu a América

A divisão entre os cidadãos e a classe política da região aumentou nos últimos sete dias

Protesto contra Michel Temer em São Paulo.
Protesto contra Michel Temer em São Paulo.S. Moreira (EFE)

“Os grandes países da América Latina são geralmente bem-sucedidos como nação e fracassos como Estados, ao contrário da Espanha, onde o Estado funciona razoavelmente bem, mas não tem um relato de nação”. Lembrei dessa ideia do historiador espanhol que vive no México, Tomás Pérez Vejo, em uma semana na qual o novo fracasso da classe política espanhola para formar um Governo, a polêmica visita de Donald Trump ao México, o controvertido impeachment parlamentar de Dilma Rousseff, a gigantesca manifestação da oposição contra o presidente Nicolás Maduro em Caracas e a culminação do processo de paz na Colômbia marcaram a agenda.

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Todos esses acontecimentos, de certa maneira e com suas próprias nuances, colocaram os governantes, como representantes do Estado, e os cidadãos, como expressão da nação, em lados diferentes.

Do lado de fora, surpreende a incapacidade dos políticos espanhóis de chegar a um acordo sobre problemas urgentes, como o desemprego que se aproxima dos 25%, o dobro entre os jovens, a defesa da independência pelas autoridades da Catalunha ou o envelhecimento da população, para citar apenas três, depois de mais de nove meses de intolerância e frivolidade de seus líderes, um espetáculo cansativo que presumivelmente será castigado pelos eleitores em novas eleições.

No caso do México, a visita de Trump na véspera da realização do Grito da Independência, não é só uma catástrofe de relações públicas para o presidente Enrique Peña Nieto, mas, provavelmente, vai introduzir o tema da recuperação da dignidade nacional na corrida pela presidência de 2018. O gesto inexplicável de convidar o grande demagogo gringo serviu para comparar Peña Nieto com ninguém menos que o general Antonio López de Santa Anna, responsável em 1848 pela perda dos territórios mexicanos que hoje são parte dos Estados Unidos e de quem, se o Google não desmentir, não deve existir uma única estátua em toda república. Também enfraqueceu seriamente o PRI, um partido inseparável da história do México no último século, em uma de suas principais características.

O gesto inexplicável de convidar o grande demagogo gringo serviu para comparar Peña Nieto com ninguém menos que o general Antonio López de Santa Anna

Mais complexa é a situação no Brasil, onde se juntam a crise econômica e a política. O traumático impeachment de uma presidenta eleita nas urnas por um procedimento parlamentar coloca em dúvida para parte da opinião pública a legitimidade do Executivo de Michel Temer, enquanto aumenta a distância entre governantes e governados, deixando a maior parte destes últimos como órfãos políticos.

A gigantesca manifestação da oposição na quinta-feira em Caracas prova mais claramente do que nunca o isolamento e a mentira de um regime que ainda se considera o único intérprete da vontade do povo venezuelano enquanto a Colômbia, com a assinatura da paz, viaja na direção contrária, em um esforço extraordinário e generoso, ainda cheio de incertezas, no sentido da integração e da reconciliação nacional.

A discussão sobre a legitimidade do poder e da construção da nação, dois desafios que gravitaram sobre a história contemporânea da América Latina, mais uma vez ficou evidente nos acontecimentos de uma semana que pode determinar o futuro da região.

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