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Coluna
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Tento achar que não é golpe, mas...

Tento, juro, mas reparo que se trata de um golpe parlamentar sem tanques, com uma tese (pedalada fiscal) armada por técnicos em falso-moralismo

Senado inicia o julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, nesta quinta.
Senado inicia o julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, nesta quinta.Cadu Gomes (EFE)

Faço de tudo, mas não consigo. Juro que me esforço para dizer que não se trata de uma tramoia, uma farsa, um golpe parlamentar, juro, vasculho, investigo, leio de tudo —sou aquele cara que lia e lê tanta notícia, lembra, o sujeito indefinido de cuja existência o Caetano duvidava, vide a faixa “Alegria, Alegria”? Sim, canção também conhecida como “Caminhando contra o vento”. Por que não, por que não?

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Nada de novo sob o sol na banca de revistas, e nesse Eclesiastes permanente, juro que tento entender aquele belo diálogo patriótico entre o sr. Sérgio Machado e Romero Jucá e, juro, vomito como um Bukowski chegando em casa depois de um porre de uma quinzena. Por favor, me ajude, preciso entender, sob qual aspecto, como aquele diálogo impertinente pode ser interpretado fora do xadrez golpista. Jucá assumiria como todo-poderoso do governo provisório dias depois... O resto você sabe. Corta. Mais uma golfada.

Juro, vou poupá-lo de ouvir de novo, embora vez por outra, apenas por masoquismo, escute tudo outra vez (play again, Sam!) no velho gravador dos meus tempos de jovem repórter, presente de Geneton Moraes Neto para o então foca do Recife. Gracias, véi, descansa em paz, não vou encher o saco do amigo com nostalgias ou pesadelos terrenos, juro, só te digo que Bodinho, o melhor contínuo de redação do mundo, aproveita e também manda lembranças, além de repetir aquela antiga frase irônica atualíssima: “Você é pago para apurar e escrever; se vai publicar quem decide é o dono”.

Tento entender a tese de um impeachment, embora traumático de todo jeito, mas não consigo, juro por Nossa Senhora do Desterro. Meu padim, padim Ciço de Juazeiro, nem a sagaz raposa Floro Bartolomeu seria capaz de tal trama —estou certo, biógrafo Lira Neto? A política no Brasil é a mesma dos anos 1930?

Juro, colegas dos telejornais, sou todo vistas e oiças para entender as edições... Compreendo as linhas editorais, os compromissos das casas mais conservadoras, ah quantos passaralhos rolaram, etc. A democracia, todavia, estrebucha quando não se leva em conta 54 milhões de votos. Tudo é cobrado pela história, embora no momento prevaleça o cinismo sorridente dos golpistas. Deixa quieto?

Tudo será lembrado depois, como diria o cobrador do conto homônimo de Rubem Fonseca, uma das maiores e mais sinceras narrativas do país. Jovens, leiam, importantíssimo, sabe quando a ficção explica mais do que vários tomos de sociologia? É por aí, te avexa, se liga.

Distanciamento

Juro que tento entender como as delações não valem quando os atingidos são personagens tipo Michel Temer, José Serra —eterno protegido de toda mídia, amém!—, Aécio Neves, etc etc. Ave, me encho de tristeza e preguiça... Para uns vale a delação da empreiteira, para os protegidos vale o distanciamento (ode)brechtiano, para citar a técnica russa do grande teatro.

É ridícula, juro, esta ladainha crônica. Tudo isso poderia ser tão óbvio, quem dera, pretensão da minha parte. Será que vamos acordar apenas quando “A Pátria em chuteiras” —agora campeã olímpica— se transformar na pátria em vara? Quando os direitos trabalhistas, em nome da perversão patronal, forem para o beleléu? Talvez. Importante é que acorde.

Tento, juro, mas reparo que se trata de um golpe parlamentar sem tanques, com uma tese (pedalada fiscal) armada por técnicos em falso-moralismo, é o que fica evidente ao mirar no olho desses boçais, deixa quieto? Juro que tento.

Até lembro, à guisa de paródia, um rock´n´roll cantado pelo bravo irmão e artista gaúcho Wander Wildner:

“Minha vontade é ser bonito

Mas eu não consigo

Eu sempre volto atrás

Eu sempre volto atrás...”

Assim sou eu com a tese golpista. Não consigo vê-la de outra forma. E na gana de citador-mor da crônica brasileira, vale um Manuel António Pina, um dos meus poetas portugueses prediletos, para fechar a tampa dessa garrafa atirada aos náufragos:

“Ainda não é o fim/ Nem o princípio do mundo/ Calma/ É apenas um pouco tarde”.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os machões dançaram -crônicas de amor & sexo em tempo de homens vacilões” (editora Record). Na televisão, é comentarista do programa “Papo de Segunda” (GNT).

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