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Maconha legal floresce na América Latina

Região debate há anos a liberalização da planta, mas não de seu cultivo

Última marcha da maconha na Argentina foi liderada pelas mães medicinais.
Última marcha da maconha na Argentina foi liderada pelas mães medicinais.Ricardo Ceppi
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A legalização da maconha avança pouco a pouco na América Latina. Uruguai e México, à frente das iniciativas recreativas, e a Colômbia, das medicinais, são a ponta de lança. A partir de casos de crianças com epilepsia refratária que se multiplicaram na Argentina no último ano se abriu uma porta de emergência em uma agência do Estado para atender os pacientes, mas em completa ilegalidade, de forma que muitos decidem cultivar em casa. No entanto, a estagnação do projeto uruguaio e sucessivas mudanças de governo na região têm produzido muitas páginas escritas, mas poucas decisões. A vontade dos governos de desregulamentar é real?

NO BRASIL, DEBATE ESTÁ À ESPERA DO SUPREMO

Foi em agosto do ano passado que os ministros da maior alta corte do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), iniciaram o debate sobre a descriminalização do uso de drogas. Os magistrados julgam a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas (11.343/2006), que trata das penas para quem for pego portando ou consumindo alguma substância ilícita. O delicado debate, porém, durou menos de um mês. Ao longo desse tempo, dois ministros votaram a favor da legalização do consumo e porte da maconha especificamente: Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O ministro Gilmar Mendes foi além e votou a favor da descriminalização do uso de "todas as drogas". Pela ordem, o próximo a votar seria o ministro Teori Zavascki, mas ele pediu mais tempo para analisar o processoe nunca mais voltou a falar no assunto.

Na Argentina, a brecha se abriu pelo lado da cannabis medicinal. A pequena Naira abre um raro sorriso e revira os olhos, sua pupila balança de um lado para o outro. Diego, no entanto, começa a piscar com insistência e, de repente, bate a testa contra a mesa. Josefina sofre choques elétricos com os quais pode perder o ar. Os braços de Iñaki formigam e seu peito se infla como um balão. O neurologista norte-americano Orrin Devinsky descreve a epilepsia refratária como crises frequentes que não respondem aos medicamentos anticonvulsivos. A condição, de difícil detecção em fase inicial, ataca muitas crianças na Argentina, embora não existam dados oficiais. Essas crianças encontraram a solução no óleo de cannabis, que é preparado com flores de maconha diluídas em azeite de oliva. O cultivo da planta segue proibido e a importação é um benefício para cerca de 85 privilegiados que cumpriram trâmites complexos da Administração Nacional de Medicamentos (Anmat), mas também não há nenhuma regra que regule o fornecimento.

As mães reunidas na Cannabis Medicinal Argentina (Cameda) ganharam destaque em outubro de 2015, quando María Laura Alasi, mãe de Josefina, obteve a primeira licença para importar óleo Charlotte Web. Os pedidos se multiplicaram e o organismo teve que dar uma resposta geral. Seu diretor, Carlos Chiale, disse no Parlamento que a questão é urgente. "Essa lei deveria ter saído ontem, não se pode esperar mais. Somos totalmente a favor desses tratamentos", disse. A comunidade científica está gradualmente a caminho de um consenso semelhante, e até mesmo os serviços sociais começaram a aceitá-lo. Mas ninguém fala de autocultivo e a discussão é que tipo de lei deve ser discutido. Em 9 de agosto, foi aprovado pelo comitê de saúde do Parlamento três projetos que solicitam ao Executivo a autorização para pesquisas das cepas. Logo após o presidente Mauricio Macri surpreender ao abrir uma porta para a descriminalização da cannabis para tratamentos terapêuticos. "Eu não me fecho a nada", disse.

Mas a vontade política de Macri não inclui o autocultivo, ao qual muitas famílias recorrem para produzir medicamentos em casa: a lei argentina penaliza com até 15 anos de prisão. Paulina Bobadilla é integrante do Mamá Cultiva Chile, uma ONG que desde 2012 faz no seu país o mesmo que Cameda na Argentina. "O Charlotte custa 300 dólares e conhecemos muitos casos em que não funciona. É o mesmo que com os medicamentos tradicionais, é preciso ter diferentes tipos para ir vendo qual é que funciona. Nós cultivamos 3, 4 ou 5, dependendo do espaço que temos", disse Bobadilla. Ela afirma que a regulamentação deve alcançar a cannabis medicinal em seus diferentes formatos, “porque até agora só uma elite em cada país pode obter os medicamentos, se eles forem comprados de um laboratório". "As famílias mais vulneráveis não têm direito a um dia de paz?", questiona.

Imagem da última marcha em Buenos Aires, que reuniu 150.000 pessoas.
Imagem da última marcha em Buenos Aires, que reuniu 150.000 pessoas.Ricardo Ceppi

México, no meio do caminho

URUGUAI DÁ UM PASSO QUE NÃO COMPLETA

O Uruguai foi o único que apostou pela legalização total. O Governo apresentou na época como uma tentativa por parte do Estado para regular o comércio da maconha para reduzir os ganhos do tráfico de drogas. Produtores e consumidores devem se registrar e foi autorizada a compra em farmácias de 40 gramas de cannabis por mês para fins recreativos. Além disso, existem cerca de 5.000 autocultivadores legais. O projeto, no entanto, agora está parado e a maconha ainda não está à venda um mês após uma etapa prevista em lei.

No México, a nova política de regulamentação da maconha tem ficado até agora nas boas intenções. Em abril, o presidente Enrique Peña Nieto anunciou uma iniciativa para aumentar a posse permitida de cinco gramas para 28 gramas (uma onça). A proposta, bem-recebida no momento, está esperando que os partidos políticos no Congresso se atrevam a quebrar um tabu em vigor há décadas. Isso pode acontecer em setembro, com o início de uma nova sessão.

Os cremes são outro derivado da cannabis e servem para tratar erupções cutâneas.
Os cremes são outro derivado da cannabis e servem para tratar erupções cutâneas.El País

Os legisladores também vão discutir o uso medicinal da droga. O caso de Grace Elizalde, uma menor que sofria diariamente centenas de ataques epiléticos, tem ajudado a mudar a opinião pública. Seus pais lutaram para que as autoridades permitissem a importação de um xarope feito com cannabis, como já aconteceu na Argentina. O medicamento reduziu drasticamente as crises da garota. Os deputados e senadores precisam retirar a proibição aos experimentos de laboratório e ao desenvolvimento de medicamentos com canabinóides. Está praticamente descartado que os legisladores criem um sistema de farmácias ou dispensários onde a maconha seja vendida para os pacientes, como ocorre no vizinho Estados Unidos.

O Congresso deve refletir nas leis o histórico veredicto do Supremo Tribunal de novembro passado, quando os juízes do Tribunal concederam uma liminar a quatro ativistas para cultivar, transportar e usar maconha para fins recreativos. Até hoje, apenas as pessoas que seguem um caminho judicial longo traçado por este grupo podem plantar maconha sem serem punidas.

Arturo Zaldívar, um dos ministros do Tribunal, considerou que a proibição vai contra o desenvolvimento da livre personalidade. Os juízes declararam inconstitucionais cinco artigos da Lei Geral de Saúde. Os deputados e senadores devem projetar um novo marco regulatório para a maconha para conter a onda de ações no Judiciário. Por enquanto, eles vão começar com o uso médico para os laboratórios e, talvez, um aumento na carga da dose pessoal.

Uma flor de cannabis, perto do ponto de corte.
Uma flor de cannabis, perto do ponto de corte.El País

Cannabis medicinal contra cultivos ilícitos na Colômbia

Na Colômbia existe um decreto assinado pelo presidente Juan Manuel Santos, que em maio passado foi aprovado pelo Congresso. Os representantes parlamentares apoiaram a possibilidade de que no país exista uma lei que dê garantias jurídicas e diretrizes claras para o uso desta planta. À iniciativa só resta a reconciliação entre a Câmara e o Senado (os dois órgãos do Parlamento) para que passe para a sanção presidencial e se torne lei.

Essa situação jurídica não impediu que no final de junho o Ministério da Saúde concedesse a primeira licença para produzir derivados de médicos de maconha para fins médicos para a empresa canadense PharmaCielo. A autorização permite que a empresa, com sede no município de Rionegro, em Antioquia Oriental, transforme cultivos de maconha em produtos para exportação, comércio interno ou pesquisa, mas não o cultivo. Uma vez que essa permissão for obtida, todas as grandes e médias empresas que até o momento tenham obtido autorização devem ir ao Conselho Nacional de Narcóticos, o organismo encarregado de outorgar a concessão final para o plantio.

Segundo os cálculos do Governo, poderia significar uma entrada econômica anual de pelo menos 2 bilhões de dólares. As empresas locais e menores serão especialmente beneficiadas por terem de cumprir requisitos de segurança menos rigorosos do que as grandes empresas em relação à "custódia de terra, o acesso à revisão da informação e a auditoria da cannabis". O objetivo é que esses agricultores encontrem "uma alternativa às culturas ilícitas". Os primeiros produtos são esperados em 2017.

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