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Uma plataforma para cobrar políticas educativas dos candidatos nas eleições

Projeto de ex-alunos de Harvard vai coletar perguntas nas redes e fiscalizar "promessômetro"

Stefano, do canal reVisão, e Tábata, do Mapa Educação, em vídeo sobre projeto.
Stefano, do canal reVisão, e Tábata, do Mapa Educação, em vídeo sobre projeto.Youtube

A campanha eleitoral municipal começou oficialmente esta semana e é bem capaz que você ainda nem tenha percebido, pois os Jogos Olímpicos tomaram conta das ruas, do noticiário e das redes sociais em todo o país. Mas um grupo de jovens brasileiros, ex-alunos de Harvard, nos Estados Unidos, já começou a se mobilizar para aquecer o debate sobre políticas públicas de educação. As eleições municipais são fundamentais para o segmento educativo porque compete ao município gerir a maior parte do ensino público, que vai da pré-escola ao fundamental (ainda que a gestão do fundamental seja dividida com os governos estaduais).

Tábata Amaral, Ligia Stocche e Renan Carneiro, todos na faixa dos 20 anos de idade, são fundadores do Movimento Mapa Educação, que promove a educação enquanto prioridade na agenda política nacional, tendo o jovem como protagonista das transformações sociais. Foi dentro desse projeto que nasceu, na semana passada, o Mapa nas Eleições, uma plataforma que pretende canalizar as demandas de educação dos jovens e levá-las até os candidatos a prefeito de três capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. "Vamos coletar perguntas dos internautas, na nossa página do Facebook, e levá-las aos candidatos. Alguns deles já gravaram vídeos com suas respostas e nós vamos publicá-las durante as eleições", explica Bruno Cordeiro, diretor de mídias sociais do Mapa. Por falta de recursos e de pessoal, o projeto abrange poucas regiões, mas o objetivo é fazer deste piloto uma ação permanente, ampliando o escopo para as próximas campanhas.

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O canal também vai publicar vídeos e conteúdo produzido pela equipe do Mapa com informações sobre educação, eleições e sobre o papel dos prefeitos e vereadores, explicando como eles podem atuar para melhorar a qualidade da educação nos municípios e como podem ser acessados pelos cidadãos.

Para Bruno, a presença de um projeto desses nas redes sociais é importante porque os jovens de hoje "nascem" na internet. Além disso, os debates eleitorais são geralmente enfadonhos e até complicados para a chamada geração Y. "Os candidatos são muito vagos em suas promessas, além de fazerem questão de usar uma linguagem difícil, que os jovens podem não compreender", afirma. Os candidatos abordados pelo Mapa Educação foram instruídos a usar uma linguagem mais simples e a detalhar o máximo possível, em suas respostas, os projetos de educação que pretendem melhorar ou lançar. "Falar simplesmente que vai aumentar verba para educação não quer dizer nada, pois o Brasil investe bastante dinheiro no segmento, já. Precisamos de propostas realmente concretas, saber onde e como esse dinheiro será gasto", complementa.

A ideia é também criar uma página na internet com uma espécie de observatório após as eleições, para que as pessoas possam acompanhar se todas as promessas de campanha a respeito de educação pública estão sendo cumpridas. "Só prometer não serve de nada", diz Bruno. "Todos os problemas que ganham destaque nas campanhas eleitorais, como emprego, saúde, questões de gênero, de igualdade de direitos, de legalização de drogas... Tudo passa pela educação. Por isso que este deveria ser o tema principal de qualquer debate, pois é ele quem puxa e influencia os demais problemas".

Para Bruno, a educação no Brasil passa por diversos entraves, que vão desde a ausência de uma base curricular comum, até falta de infraestrutura e incentivo aos alunos e professores. "Nosso trabalho tem como objetivo mostrar para os jovens como é possível, por meio da educação, mudar a comunidade onde vivem e, depois, todo o país", diz.

Foi no curso de engenharia de materiais da UFSCar que ele conheceu Ligia Stocche, logo que ela voltou de sua graduação sanduíche em Harvard. Ela o convidou no ano passado para integrar o Mapa Educação, movimento que conta hoje com 130 membros voluntários, dos quais 50 são coordenadores e gestores. Os demais membros são chamados de embaixadores, e ajudam a promover a iniciativa em suas comunidades.

Campeã olímpica

Mas é provavelmente a história de Tábata Amaral a mais conhecida dos três fundadores do Mapa Educação. A jovem astrofísica conquistou mais de 30 medalhas olímpicas em competições científicas no Brasil e no exterior. A primeira ela ganhou quando tinha apenas 12 anos. Mas a "fama" veio mesmo aos 18, quando foi aprovada em cinco universidades americanas - e escolheu se matricular na mesma instituição de Barack Obama.

Ainda que seja craque em ciências exatas, nunca escondeu sua paixão por sociologia - ela cursou, além de astrofísica, políticas públicas em Harvard. Antes de ir para os Estados Unidos estudar, Tábata já havia criado seu primeiro empreendimento social, o projeto Vontade Olímpica de Aprender, que incentiva alunos de escolas públicas de São Paulo a participar de competições científicas.

De volta ao Brasil, desde julho deste ano, Tábata quer se dedicar ao segmento de educação, para que muitos jovens tenham, assim como ela, oportunidade de se desenvolver. Em entrevista recente para o G1, desconstruiu o discurso de "meritocracia", palavra que não gosta de ver associada à sua história de sucesso: "Se você pegar a população brasileira e der uma educação de qualidade, boas oportunidades, nosso país vai ser mais justo e mais bacana. Não dá para falar 'quem quer consegue' porque não é assim. Quem quer e está em uma escola pública de baixa qualidade em uma cidade pequena, não consegue. Sinto muito, mas é verdade." Filha de uma vendedora de flores e de um motorista de ônibus, a astrofísica de 22 anos cresceu na periferia da capital paulista, mas foi graças ao seu desempenho olímpico que conseguiu uma bolsa de estudos em um colégio particular. Foi a partir dessa chance que lhe foi dada, que pôde seguir o caminho para Harvard, conforme gosta de ponderar em suas entrevistas.

Acompanhe a evolução da educação na sua cidade

Ainda que a Lei da Transparência assegure o direito à informação pública a todos os cidadão brasileiros, são poucos os municípios que de fato divulgam indicadores realmente claros sobre educação - aliás, sobre qualquer outra área, de saúde à gestão orçamentária. Por conta disso, a organização sem fins lucrativos Todos pela Educação criou uma ferramenta, disponível gratuitamente pelo site da instituição, que compila microdados de educação em todas as esferas, municipal, estadual e federal. A plataforma, Observatório do PNE, traz a evolução de indicadores do Plano Nacional de Educação e permite a comparação de desempenho entre diferentes regiões, para que os cidadãos estejam munidos de informações e referências na hora de cobrar resultados dos governantes.

Na plataforma, estão reunidas informações sobre educação disponíveis em pesquisas realizadas regularmente pelo Inep e o IBGE. "Os dados sobre educação sempre aparecem de forma muito difusa, espalhados por diferentes pesquisas. Quem pretende acompanhar os indicadores de sua região tem muitas dificuldades em encontrar tudo aquilo que precisa, em cruzar dados e dar sentido a eles. Por isso, o trabalho do Observatório em processar esses micro dados é muito importante", explica Alejandra Meraz Velasco, superintendente do Todos pela Educação.

A reivindicação por mais transparência nas informações sobre políticas públicas educacionais também deve partir da sociedade. "As promessas de campanha precisam se transformar em plano de governo e a pressão popular é fundamental para isso", defende Velasco. "Se a escola não instiga nenhum tipo de debate político, a participação do jovem nas eleições fica comprometida. Ele precisa, desde cedo, entender que pode ser um agente de transformação", complementa.

Nesse sentido a Todos pela Educação repudia o projeto de lei que pretende criar a Escola sem Partido. "Além de inconstitucional, não faz sentido. A escola é o lugar onde o jovem se depara com o diferente e a criança precisa conhecer opiniões diversas para desenvolver a sua própria. A base para uma boa convivência é o respeito pela diferença", afirma.

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