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O poderoso deputado chora

Cunha se emociona ao falar da família e reclama de “vingança” por ter deflagrado o impeachment

Carla Jiménez
Eduardo Cunha, ao anunciar nesta quinta sua renuncia.
Eduardo Cunha, ao anunciar nesta quinta sua renuncia.Fernando Bizerra Jr (EFE)

O todo poderoso Eduardo Cunha, que comandou os rumos do Brasil nos últimos 17 meses, se emocionou em frente às câmeras, numa rara cena de fragilidade do homem que foi amado e odiado no cargo de presidente da Câmara dos Deputados. Um choro sem lágrimas. “Usam a minha família de forma cruel e desumana, visando me atingir”, disse ele quebrando a voz diante de dezenas de jornalistas que o rodeavam no saguão da Casa. Foi apenas uma pausa emocional num discurso lido com a mesma firmeza e segurança que marcou a figura pública de Cunha nos intensos tempos que varreram o Brasil desde fevereiro de 2015, quando ele ganhou a presidência.

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“Estou pagando um alto preço por ter dado início ao impeachment. Não tenho dúvidas, inclusive, que a principal causa do meu afastamento reside na condução desse processo de impeachment, afirmou ele, desprezando os inúmeros delatores que o citaram como beneficiário de propina e as provas obtidas pela Operação Lava Jato mostrando transações bancárias de dinheiro ilícito utilizado para proveito pessoal. Falou da “seletividade” de quem o investiga, e de “perseguição” e “vingança”. “Reafirmo que não recebi qualquer vantagem indevida de quem quer que seja”, avisou ele, que ainda classificou a situação atual da Câmara de “interinidade bizarra”. Era o velho Cunha de sempre.

Voltou a quebrar a voz ao citar sua família dizendo que queria agradecer à sua família, “de quem os meus algozes não tiveram o mínimo respeito, atacando de forma covarde especialmente minha mulher e minha filha”, afirmou.

Todo mundo tem seu ponto fraco, e a família de Cunha pareceu ser um dos limites do sagaz parlamentar. Os procuradores da Lava Jato já tinham evidências desse coração mole com os familiares ao descobrir a contrassenha que Cunha utilizava em uma conta no banco suíço Julius Baer: Elza, o nome da sua mãe.

O Cunha profissional, no entanto, foi sempre implacável com seus adversários políticos. Inúmeras vezes virava a sua cadeira de presidente para ficar de costas quando alguém o criticava publicamente dentro da Câmara, ou mostrava frieza e indiferença quando alguém gritava com ele. Acelerou sessões para não dar chance aos opositores, refez votações quando obtinha derrotas justificando que havia brechas que lhe permitiam essas manobras. Nunca um líder do Legislativo promoveu um furacão dessa estatura.

Citando “Deus” e dizendo-se orgulhoso de ter presidido a Câmara do seu país, o sofrimento de Cunha passa também pelo desapego de um cargo que lhe deu poder como nunca, e ao qual dedicava horas extras com a fé de quem precisava conhecer mais do que todos o regimento interno da Casa que presidia. Algo que lhe serviu para vencer ou confundir seus adversários políticos.

O pedido de renúncia dá mostras de que Cunha chegou ao limite, a um momento de desespero de quem não quer perder o foro privilegiado a que tem direito como deputado, e de usar o poder que ainda lhe resta. Tudo isso, um dia depois de um dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Rubens Bueno (PPS-RS), ter dito que não adiantavam mais manobras do deputado, uma vez que mais de 400 representantes da Casa, ou seja, a ampla maioria, era a favor da cassação do seu mandato. Cunha chega ao fim da linha chorando ao ver a própria metamorfose de político poderoso e invejado, em homem rejeitado pelos seus antigos súditos.

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