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‘Não significa não’: Alemanha amplia a definição de crime de estupro

Legislação anterior punia o abuso sexual somente se a vítima tivesse resistido fisicamente Agora, basta que a vítima diga 'não'

Manifestação contra agressões cometidas na noite do Réveillon passado.Foto: reuters_live | Vídeo: O. Berg
Luis Doncel

Basta que uma mulher se oponha verbalmente a um assédio sexual para que, caso o ato se realize mesmo assim, ele seja considerado um crime? O uso da violência é uma condição sine qua non para se considerar o ato um estupro, ou o fato de a vítima ter pronunciado previamente um “não” já seria suficiente para isso? Nesta quinta-feira, o Bundestag (Câmara dos Deputados da Alemanha) respondeu a essas perguntas. Depois de três meses de uma discussão cheia de tensões, os deputados aprovaram por unanimidade (todos os 601 votos emitidos foram a favor) o endurecimento legal com o qual o Ministério da Justiça pretende garantir que nenhuma agressão sexual fique impune.

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A polêmica iniciativa — que recebeu o apoio de grupos feministas e críticas de setores que temem a ocorrência de abusos nas denúncias — ganhou força após a onda de agressões a mulheres por parte de imigrantes e solicitantes de asilo ocorrida na noite do Réveillon passado em Colônia. Os deputados aplaudiram de pé uma norma que, segundo o ministro da Justiça, Heiko Maas, trata de uma questão que “é a mais comum nas agressões sexuais”.

A reforma do artigo 177 do Código Penal do país implica uma mudança na definição das condições para que um ato seja considerado uma agressão sexual ou um estupro. Até hoje, era preciso que o agressor tivesse usado de violência ou pelo menos ameaçado recorrer a ela; ou que a vítima fosse incapaz de se proteger. O problema é que essa lei não contemplava casos como o de uma mulher que foi obrigada pelo marido a manter relações sexuais mesmo se negando a isso. Ela não queria gritar nem brigar, para não acordar as crianças da casa. Considerando a ausência de uma resistência física, o Tribunal Federal de Justiça do país avaliou, em 2012, que o homem em questão não cometera nenhum crime.

O espírito que envolve a atual reforma legal é que as palavras pronunciadas pela vítima são consideradas como definitivas. Basta que esta diga “não” ou “pare”, ou que mostre alguma outra forma de descontentamento, como, por exemplo, chorar. Aquele que não respeitar esse posicionamento terá de enfrentar as consequências legais, com penas que podem chegar a até cinco anos de prisão. A reforma servirá também para ampliar o leque de ações consideradas como agressões, incluindo atos como beijar ou apalpar, com pena máxima de dois anos.

Apesar da unanimidade dos parlamentares e do aplauso das feministas, há quem critique a nova lei. A redatora-chefe da revista semanal Die Zeit, Sabine Rückert, escreveu um artigo duro contra a norma, que ela avalia como sendo “fatal e desnecessária”, argumentando que a reforma abriria as portas para a ocorrência de um número infinito de casos em que mulheres poderiam denunciar um homem com quem tenham passado uma noite por razões totalmente subjetivas.

A nova norma, segundo a qual “não significa não”, vem sendo discutido há anos, mas o empurrão definitivo para a reforma legal aconteceu no último dia 31 de dezembro. A onda de agressões e roubos envolvendo cerca de mil mulheres por parte de homens provenientes, em sua maioria, do norte da África ou de países árabes comoveu a Alemanha. E levou o Governo a optar pelo enrijecimento da lei sobre o assédio, assim como por facilitar a expulsão de estrangeiros que tenham cometido crimes. A legislação aprovada nesta quinta-feira pelo Bundestag — que ainda precisa passar pelo Senado — também facilitará a deportação de agressores sexuais estrangeiros e permitirá a apresentação de denúncia formal contra todos os integrantes de um grupo em que uma mulher tenha sido agredida. Os Verdes levantaram dúvidas sobre este último ponto, considerando ser muito difícil estabelecer a culpa coletiva de um grupo pela ação de uma pessoa específica.

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