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Na Flip, uma conversa sobre os clichês e polêmicas da lei Rouanet

O mecanismo de fomento cultural é discutido na festa literária, que conta com ele pra existir

Público da Flip acompanha os debates pelo telão.
Público da Flip acompanha os debates pelo telão.André Conti

Um dos principais pilares de financiamento da Festa Literária de Paraty, a Lei Rouanet, é um dos assuntos debatidos nos bastidores da festa deste ano, depois de ter entrado, dias antes do evento começar, no centro de mais uma polêmica com a Operação Boca Livre. Deflagrada pela Polícia Federal na última terça-feira, 28 de junho, a investigação tem a missão de apurar desvios de verbas públicas destinadas ao fomento cultural, num esquema que chegou até a bancar um casamento de luxo. Porém, não é a primeira vez que a lei, criada em 1991 e que para muitos contém aspectos a serem aperfeiçoados, é alvo de críticas. A novidade é que ela deixou de ser tema de especialistas e chegou à mesa de bar, palco das discussões cotidianas, e às vezes é satanizada inclusive por quem desconhece o seu funcionamento.

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Um passeio pelo centro de Paraty dá o panorama desse debate. Geisa Evelin de Carvalho, estudante de Direito, está “radicalmente contra essa lei”. “Ela só favorece artistas oportunistas, aqueles que apoiam o Governo do PT, o partido comunista. Quem realmente faz arte, fica de fora”, acredita Geisa, que não trabalha com arte e não sabia que a Flip utiliza a Rouanet para captar recursos junto à iniciativa privada. Agora informada, ela celebra e diz que apoia que seja assim. O piloto Jacques William, que como Geisa veio a Paraty para acompanhar a Flip pela primeira vez, diz que “o país deveria investir mais em cultura”. Se é pela lei Rouanet, ele não sabe afirmar, porque nunca havia escutado falar a respeito. Já Sabrina Travassos, dona de uma livraria em Três Rios, no interior do Estado do Rio de Janeiro, opina que sem a Rouanet as cidades pequenas, como a dela, "jamais teriam eventos culturais”. Mas ela também tem críticas: “O problema com a lei é o controle de quem é beneficiado com o direito de captar. Alguns artistas privilegiados não precisariam disso”.

Na opinião do escritor Marcelo Rubens Paiva, favorável à Rouanet, é inegável que "rolaram abusos na lei”, e eles devem ser apurados. “O grande choque, para muita gente, foi ver que a cultura não é uma área isenta de banditismo. O que eu lamento é que todo mundo da área passe a ser tachado de bandido por causa de acontecimentos recentes”, diz, situando o país em um “momento desastroso” de sua história. Ao mesmo tempo, ele tem uma teoria sobre porque isso acontece: “O meio cultural conseguiu mostrar alguma força de resistência contra o Governo Temer, assim que ele subiu ao poder, e por isso foi rapidamente atacado, também simbolicamente”.

Para o curador da Flip, Paulo Werneck, o que está em curso é a "renovação de clichês sobre a Lei Rouanet" e não um debate legítimo sobre como melhorá-la. “No fim, o que está em jogo, mais do que o mecanismo específico, é o financiamento público da cultura. Todos os países que têm uma cultura de envergadura contam com recursos do Estado para isso”, opina. Werneck esclarece que a Flip, além de receber incentivos fiscais nos três níveis (federal, através da Rouanet, estadual e municipal), contou com incentivos públicos do Reino Unido e dos Estados Unidos para custear parte de sua operação deste ano. No caso dos EUA, o país ajudou o evento a trazer escritores norte-americanos que fazem parte da programação atual – um exemplo é Bill Clegg.

Tanto Paulo Werneck como Marcelo Rubens Paiva concordam em que a Rouanet precisa, sim, de ajustes. “Ela transferiu para a iniciativa privada, em grande parte, o papel de apoiador”, diz Rubens Paiva. Werneck finaliza: “É importante ter em mente que a responsabilidade do fomento cultural deve ser dividida entre a iniciativa pública e a privada. O Estado não pode se ausentar”. Em 2015, o orçamento da Flip contou com 54% de recursos captados via Lei Rouanet, 10% da Lei de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro, 4% do Governo municipal de Paraty, 21% de recursos não incentivados, 10% de recursos próprios (vindos, por exemplo, da venda de ingressos) e 1% de apoios e parcerias. Os números de 2016 serão divulgados neste domingo, 3 de julho, último dia de festa.

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