_
_
_
_
_

Fort Ad Pays: uma “herança” cheia de dívidas na Espanha

Pedro Fort ganhou, desde Miami, milhões de euros com um esquema de pirâmide que enganou 40.000 pessoas

Oriol Güell

Pedro Fort, proprietário da empresa piramidal Fort Ad Pays, fugiu da Espanha com destino à Colômbia em 2006, depois de cometer inúmeras fraudes na província de Tarragona, segundo revela uma investigação do EL PAÍS. Fort, que hoje mora na Flórida (EUA), ganhou milhões de euros nos últimos dois anos graças a um grupo de empresas piramidais que enganaram mais de 40.000 investidores de uma dúzia de países. Com o dinheiro obtido, Fort comprou uma casa em Miami por 1,1 milhões de euros e tem pelo menos outro milhão em um banco offshore de sua propriedade com sede no paraíso fiscal de Dominica. As novas vítimas deste homem, que se apresenta como um especialista em gestão e publicidade online, se juntam aos que ele já deixou na Espanha há uma década. Entre elas estão meia dúzia de sócios em duas empresas, o escritório da La Caixa em que trabalhava, a residência em que seu pai morava e até suas irmãs, que foram julgadas por dívidas que ele deixou em sua fuga.

Mais informações
Wikipedia expulsa centenas de editores por cobrarem de empresas
A moeda digital é a próxima fronteira da fraude
Quatro presos por manipular resultado da liga italiana

Fort foi para a Colômbia com sua esposa por volta de 19 de junho de 2006. Naquela manhã tinha marcado com os sócios de uma de suas empresas para fazer um acordo e liquidar dívidas. “Nunca apareceu”, lembra um deles, acrescentando que o dono de Fort Ad está há meses dando “desculpas, ardis e enganos”. “Deixava contas sem pagar, desviava dinheiro para suas contas, assinava reconhecimentos de dívida que não cumpria...”, diz outro.

Fort fugiu para a Colômbia com uma quantidade importante de dinheiro, calculam seus antigos sócios. “Pelo menos um quarto de milhão, mas por outro lado foi só com a roupa do corpo. Quando entramos em sua casa, tinha deixado tudo aí. As roupas nos armários, lembranças familiares...”, acrescenta este sócio que, como outras quatro pessoas vinculadas com Fort no passado, pediu anonimato.

De acordo com a reconstrução que este jornal conseguiu fazer, e que omite detalhes que possam identificar parentes e amigos, Pedro Fort nasceu em Reus em 14 de agosto de 1962. Seus pais, que vinham de famílias modestas do interior de Tarragona, conseguiram pagar por seus estudos e isso permitiu que começasse a trabalhar na La Caixa no início dos anos 80. Uma pessoa que o conheceu nessa época definiu Fort como “muito esperto e com jeito para se relacionar com pessoas”.

Depois de mais de duas décadas como funcionário em vários escritórios em cidades costeiras ao sul da cidade de Tarragona, a vida de Fort dá uma virada em 2004. No início daquele ano, deixa La Caixa após cometer irregularidades graves em um escritório e começa uma nova vida com duas empresas dedicadas à construção. Nas duas, ele teve problemas com seus sócios por seu estilo peculiar de gestão que, resumindo, sempre terminava da mesma maneira: não colocava todo o dinheiro que correspondia em investimentos e ampliações de capital, contraía dessa forma dívidas que nunca pagava e, por último, ficava com parte dos fundos investidos por seus sócios.

Mais de dois meses sem receber

Os mais de 40.000 afetados pelo colapso de Fort Ad Pays estão há mais de dois meses sem poder retirar seu dinheiro da empresa piramidal. O negócio, que chegou a prometer um retorno de 2% ao dia, impôs um corralito a seus associados que, de acordo com outra das promessas não cumpridas por seus responsáveis, deveria permitir recuperar 10 dólares por dia. A realidade, porém, é que a empresa só faz algumas dezenas de pagamentos por dia há mais de um mês.

Pedro Fort atribuiu a situação às “novas regulações internacionais contra a lavagem de dinheiro e o terrorismo”, o que teria atrasado os movimentos de dinheiro da empresa. Duas das maiores instituições financeiras espanholas, com uma forte presença internacional, negaram ao EL PAÍS que no último ano tenham sido aplicadas normativas neste sentido. Um porta-voz de Advanced Cash, uma das plataformas de pagamento por Internet utilizadas por Fort Ad Pays, respondeu com as seguintes palavras ao ser questionado sobre o mesmo assunto: “Até onde sabemos, não houve nenhuma mudança nesse sentido”.

Charles Intrago, ex-promotor federal nos EUA e consultor reconhecido na luta contra a lavagem de dinheiro e os crimes econômicos, afirma categoricamente que “não houve nenhuma mudança na regulamentação ou nos controles de capitais que possa representar um obstáculo aos pagamentos que empresas desse tipo realizam”. Intrago acrescentou que negócios como Fort Ad Pays se movimentam “fora do alcance do radar das autoridades” porque, embora a empresa tenha mais de 40.000 afetados e movido mais de 15 milhões de dólares, “isso é uma quantidade minúscula em relação ao volume de recursos relacionados com todo tipo de fraude que é movido pelos paraísos fiscais do Caribe”. “O modelo de negócio, com retornos tão elevados e empresas sediadas em paraísos fiscais, lembra outras fraudes anteriores”, conclui Intrago.

Estas empresas eram Construcciones Masafort e Inversiones y Proyectos Fort. O primeiro sócio de Fort em uma delas, criada em 2004 para construir um edifício com 10 apartamentos com garagem em Deltebre, não demorou para confrontá-lo e, após um ano de relações tensas, apresentou uma queixa por apropriação indevida, entre outros crimes. Segundo o Registro Mercantil, Fort captou um novo sócio em apenas um mês. “Foi um afilhado meu que entrou no negócio e, em seguida, infelizmente, e para ajudá-lo, eu também entrei”, explica este homem. “Coloquei 112.000 euros e nunca me devolveu o que dei como adiantamento. Quando fugiu percebemos que, além disso, tinha tirado 36.000 euros das contas da empresa”, acrescenta.

Este sócio de Fort se empenhou, apesar de tudo, para terminar o edifício de Deltebre. Terminou arruinado: “Estávamos em 2006 e pensei que se terminasse o projeto recuperaria os mais de 60.000 euros que me devia. Eu me endividei e, no final, coloquei mais de um milhão. Mas veio a crise e não vendemos nada. No final foi tudo embargado. Estou com sessenta anos e serei insolvente pelo resto da minha vida”.

A outra empresa começou a construção de três casas no município de Pratdip, perto do Mar Mediterrâneo. Hoje existem três retângulos de paredes de tijolo ocre e sem teto que estão abandonados há anos. A forma de atrair sócios usadas por Fort foi semelhante à anterior: “Eu entrei por um primo que ele convenceu. Perdi 40.000 euros e, na família, há anos não falamos sobre este assunto”, conta este afetado.

As tensões sobre as atividades de Pedro Fort também se refletiram em sua própria família. Em abril de 2006, ele parou de pagar a parte que seu pai precisava – cuja pensão não era suficiente – para chegar aos 1.300 euros por mês que custava a residência em que morava em uma pequena cidade no interior da província de Tarragona. “Em um ano isso criou um buraco de quase 8.000 euros”, explica a responsável pela residência. “Somos um pequeno centro e isso quase nos levou à falência. Fomos salvos porque no final conseguimos que o lugar fosse financiado pelo Governo da Catalunha”.

A residência reclamou por via civil os 7.820 euros de dívida a Fort e suas irmãs, mas este foi “declarado em rebeldia”, como consta na sentença do caso. O caso voltou-se contra as irmãs, que acabaram absolvidas em 2013 pela situação econômica precária delas. Uma tinha como única renda uma pensão de 189 euros. A outra, casada e com um filho, era dona de casa e o único salário que entrava em sua era o do marido, de 1.300 euros. O pai de Fort morreu em 2009 com o filho fugitivo e o caso aberto.

Aqueles que tiveram negócios com Fort estão convencidos de que ele estava há “meses preparando sua fuga” quando foi para a Colômbia. “Ele começou a andar com um guarda-costas”, diz um dos seus sócios. “Então, ficamos sabendo que tinha tirado todo o dinheiro que conseguiu das empresas e parou de pagar as contas”, acrescenta. Uma destas contas era a da residência de seu pai. Outra, as parcelas da hipoteca de sua casa, da qual Fort pagou apenas uma parte mínima e que no final terminou também embargada pelos bancos.

Até onde este jornal conseguiu descobrir, Fort enfrentou dois processos judiciais. Um civil pela residência de seu pai e outro penal pela queixa iniciada por seu primeiro sócio em uma das empresas. O resto dos afetados admite que, depois de ficar sabendo da sua fuga, desistiram de apresentar queixas. “Eu perdi tudo e tentei esquecer o que aconteceu. Já tinha perdido dinheiro suficiente para começar a persegui-lo pela América”, explica um deles.

Fort, no entanto, foi preso em 2008, na sua primeira – e durante muitos anos única –volta à Espanha. Foi preso pela Polícia Nacional no aeroporto de Barajas pelo processo aberto contra ele. Passou alguns dias na prisão, até ser liberado por um juiz. Voltou a fugir da Espanha e seu rastro desapareceu durante anos. Até ressurgir em 2014 – sempre através da Internet – como o especialista em publicidade online que montou a Fort Ad Pays e outros esquemas de pirâmide como The Business Shop e Enkaizen.

O Registro Mercantil da Espanha registra outro retorno mais discreto de Fort ao seu país natal. Foi em setembro último, quando entrou como procurador na empresa Juan Bosco, administrada por seu braço direito em Fort Ad Pays, Josep Àngel Colomes. Nessa época, qualquer crime que ele possa ter cometido há mais de uma década já prescreveu.

Investigacion@elpais.es

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_