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A roteirista que deixou a heroína para triunfar na televisão

Lesley Arfin relatou sua adolescência toxicômana em 'Querido Diário' e agora, aos 37, triunfa como roteirista da série 'Love'

The Coveteur

A vida sorri para Lesley Arfin. Atualmente, escreve e coproduz com o marido, o comediante Paul Rust (também protagonista diante das câmeras), e o cineasta Judd Apatow a série Love, um estouro da Netflix e talvez o programa que melhor ilustre as expectativas dos nascidos na década de 80. Anos antes, escreveu um livro autobiográfico – Dear Diary (Querido Diário) – em cujas páginas narrava como ficar ligada na heroína. A grande quantidade de substâncias marcou sua adolescência e seu início como jornalista na redação da então recém-chegada revista Vice. Arfin, como a maioria dos que hoje estão na casa dos 30 anos, sabe o que é o pluriemprego: trabalhou como recepcionista em um hotel, vestiu Pharrell Williams e fez parte da cena musical de Long Island. Mas seu triunfo chegou escrevendo sobre as dificuldades dos jovens que lutam para amadurecer emocionalmente nos dias de hoje.

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Falamos com ela sobre a vida adolescente, as dificuldades adicionais que as mulheres têm que enfrentar na indústria de Hollywood e sua experiência trabalhando em Girls, onde também participou como roteirista. Porque Arfin também é amiguíssima de Lena Dunham. Da criadora de Girls, de Tavi Gevinson, da designer Rachel Antonoff, do fotógrafo Ryan McGinley, de Chloë Sevigny e de todas essas pessoas dignas de destaque na crônica alternativa da última década. Pode ser que seu rosto não pareça familiar, mas ela também tem algo disso que Hannah Horvath descreveu como “ser a voz de uma geração”. Se alguém soube como escrever sobre essa geração e trasladá-la para as telas, foi Arfin.

Por que você considera que tanta gente se sente representada pelas dificuldades e dúvidas existenciais expostas em Love?

Talvez porque estejamos contando a verdade do modo como a percebemos, a partir de nossas experiências pessoais. Além disso, normalmente uma pessoa não é tão diferente da outra.

Quando você estava nos 20 anos, trabalhou como estilista. Em Love, colabora vestindo Mickey e, em algumas ocasiões, usa suas próprias roupas. O que você quer comunicar com a escolha do vestuário?

A pessoa encarregada de vestir Mickey é a supertalentosa Jennifer Eye e seu departamento de vestuário. Mas, sim, adoro roupa, e ter a oportunidade de vestir um personagem é incrível. Na série usamos muitas de minhas peças porque acho muito difícil encontrar a roupa vintage adequada. Além disso, é importante que tenha pertencido a outra pessoa. Assim lhe imprimimos mais autenticidade e nos poupamos tempo e dinheiro. Adoro o estilo de Mickey, mas é dela e se encaixa à perfeição no seu personagem.

No prólogo de Querido Diário, Chloë Sevigny nos fala sobre a coluna homônima que você escrevia na Vice e conta que para ela foi fundamental porque inaugurou um gênero novo que se podia chamar de ‘adultescente’. Em Love, os protagonistas estão na casa dos 30 anos e vivem suas vidas como jovens. Você quis plasmar esse espírito na série?

A verdade é que nunca foi meu lema, mas, talvez, devesse ser. É um bom gênero para tentar inventá-lo! Jamais pensei nesses termos sobre Love, mas me agrada que você tenha pensado assim.

Você considera que durante os anos da adolescência é benéfico cometer erros que nos ensinem como enfrentar a vida adulta?

Arfin, aos 37 anos, passou uma adolescência difícil e uma maturidade de sucesso na televisão

Na realidade não acredito que esteja em nossas mãos cometer erros e não estou muito certa de que o fato de que o façamos durante nossa adolescência nos impeça de repeti-los no futuro. Acho que a chave está em se os concebemos como um fracasso ou como uma oportunidade de aprender. Se alguém considera que a finalidade de sua vida é alcançar a perfeição, então, sim, será uma decepção. Mas eu estou convencida de que os erros e as imperfeições são mais interessantes. Ainda assim, se você anda de bicicleta pela primeira vez, nunca caiu antes e teve a sorte de evitar a pancada, então, perfeito. Eu não vivi assim, mas isso não quer dizer que com outras pessoas não tenha acontecido.

Em Querido Diário, você explica ao leitor que, durante a sua adolescência, gostaria de ter sido uma garota bonita e submissa, mas nunca conseguiu. Mickey é o oposto desse estereótipo. É importante povoar as telas de mulheres empoderadas?

Ser bonita e/ou submissa não implica necessariamente uma perda de poder. Quando você trabalha com homens, acho que sempre ajuda ser bonita e/ou calada, e demonstrar estar de acordo com o que eles dizem, embora não esteja. Tomara não fosse o caso de Hollywood, mas temo que seja. Por outro lado, gostaria de poder ser assim: sofri por ter-me mostrado empoderada somente por ser uma mulher. Infelizmente, há muitas garotas que têm coisas incríveis a dizer, coisas que deveriam ser ditas, mas elas não o fazem por medo de serem chamadas de loucas, irritantes ou mandonas.

Nós, mulheres, não podemos dar-nos ao luxo de ser idiotas. Temos que ser as melhores, as mais inteligentes, as mais doces e as mais seguras quando falamos, se não quisermos ser tachadas de algo negativo. Provavelmente este tenha sido o motivo de terem me dispensado de tantos trabalhos. Sou uma pessoa que fala claro todo o tempo, mas nem sempre sou a melhor, a mais inteligente ou a mais agradável. E às vezes posso ser uma completa idiota. Aos homens é permitido ser assim, mas a nós, não.

Com sorte, representando uma mulher como Mickey, que é segura de si mesma, mas também insegura e inteligente e estúpida, consigamos lançar alguma luz sobre os preconceitos de gênero que se perpetuam em Hollywood e em todo o mundo.

Em outra passagem do seu livro, você conta que fazia parte da cena hardcore, mas nunca chegou a se encaixar nela porque estava cheia de homens. Percebe-se esse teto de cristal em vários setores. Como você se sente trabalhando como roteirista e produtora?

Considero que tenho que trabalhar muito duro para tentar me encaixar, mas ainda assim não consigo. Estou cansada de tentar porque na realidade não quero fazer isso, mas, por outro lado, necessito trabalhar, por isso não me resta outro remédio. Diria que é muito semelhante ao que me acontecia na adolescência, mas o que hoje está em jogo é mais importante.

Como foi sua experiência trabalhando como roteirista em Girls?

Arfin está casada con Paul Rust, protagonista e também roteirista da série. À esquerda, em um momento da filmagem. À direita: o dia do casamento (entre os convidados: Chan Marshall (Cat Power), Tavi Gevinson, Lena Dunham, etc.)
Arfin está casada con Paul Rust, protagonista e também roteirista da série. À esquerda, em um momento da filmagem. À direita: o dia do casamento (entre os convidados: Chan Marshall (Cat Power), Tavi Gevinson, Lena Dunham, etc.)

Girls foi superdivertido. Adoro a série e passei realmente bem com eles.

Em Querido Diário você diz que as garotas são mais rancorosas que os rapazes. Hoje, acredita que as mulheres possam ser amigas? Mickey é amiga de Bertie?

Sim, claro. Realmente ela é. Mickey adora Bertie. As garotas podem ser amigas, e são, embora possa ser complicado. As mulheres sabem que os rapazes são apenas o ruído de fundo. Entre os meus amigos, 90% são garotas porque acho que é muito mais divertido passar meu tempo com elas.

Mickey é o seu alter ego?

(Risos). Não, Mickey é uma parte muito pequena de mim mesma que sempre estará aí para que eu possa trazê-la à luz quando for necessário. Às vezes me lembra de mim há alguns anos, outras, o meu presente, e outras vezes sinto como se não a conhecesse em absoluto. O mesmo se passa com Gus.

Você quis representar uma realidade em que proliferam os trabalhos temporários, os apartamentos divididos e a falta de perspectivas dos 30 anos?

Não, realmente não acredito que esses personagens tenham essa vida. Só porque não queiram ser famosos não quer dizer que lhes falte ambição. E se lhes faltasse, e daí? Algumas pessoas aceitam sua ocupação como o que é: trabalho.

Como foi a acolhida da primeira temporada da série?

Acho que as pessoas gostaram. Não posso dizer de maneira confiável porque o único feedback que tenho é o dos meus pais e seus amigos. Não leio as críticas, por isso não sei o que as pessoas dizem por aí. De todo modo, pediram-me que verifique minha conta do Twitter, então, suponho que esse seja um bom sintoma, não?

Em Querido Diário você conta que uma de suas amigas te fazia sentir forte e invencível, como se sentem os homens depois de ver um filme de ação. Onde você encontra força atualmente?

Nas reprises de Supergatas (The Golden Girls).

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