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A Flip 2016 reverbera o “fora Temer”

Público da festa, que adotou a saudação “primeiramente…”, vibra a cada manifesto contra interino

Armando Freitas Filho e Walter Carvalho na abertura da Flip.
Armando Freitas Filho e Walter Carvalho na abertura da Flip.Walter Craveiro

Tem uma saudação que anda se impondo, sobre outras mais tradicionais, entre os visitantes da Festa Literária de Paraty (Flip)  deste ano. “Primeiramente…”, dizem as pessoas ao cumprimentar as outras nos bastidores do evento literário que deu início de fato à programação de debates nesta quinta-feira. O cumprimento, extraído de uma entrevista que se tornou viral nas redes após a posse do presidente interino, Michel Temer – em que um estudante passa a responder as perguntas só depois de saudar os telespectadores com “Primeiramente, fora Temer” – é usado assim, sem citar nomes. E deixa entrever o tom (não oficial) da festa, que sem ter adentrado ainda nenhum forte debate político, é de forte repulsa ao Governo interino.

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Não é uma coincidência que o movimento siga as reações negativas do setor da cultura, que protestou veementemente e conseguiu a volta do ministério da área. A repulsa a Temer na Virada Cultural, em São Paulo, também já havia mostrado que artistas e cineastas estavam dispostos a ser a "nova oposição" ao Governo interino, como denominou o Los Angeles Times. Em Paraty, o "Fora Temer" deu a largada já na abertura da Flip, na noite de quarta-feira, durante a mesa de debate que reuniu o poeta carioca Armando Freitas Filho e o fotógrafo e cineasta paraibano Walter Carvalho. Reunidos ali para falar de poesia, com a mediação do também poeta Eucanaã Ferraz, Armando e Walter discursavam sobre a capacidade da poesia de “passar a vida a limpo”, quando Armando alegou que seus poemas não tratam só de coisas positivas. “A minha poesia, eu entendo como a que toca todas as coisas, inclusive as mais monstruosas. Que pode tocar um Temer, por exemplo”. À declaração, a plateia até então um pouco amuada, reagiu com gritos e aplausos de forte aprovação.

A conversa prosseguiu, chegando à convivência de Armando Freitas Filho com Ana Cristina César, grande homenageada desta Flip, e a ressonância da poetisa – ícone da poesia marginal dos anos 70 – no mundo de hoje. Freitas Filho, que foi amigo de Ana C. e é guardião de sua obra, tornou-se tema do novo documentário de Walter Carvalho, Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície – filmado ao longo de sete anos e que foi exibido na tenda principal dos autores logo depois do debate. Para ambos, o que ressaltava em Ana C. era sua capacidade de questionar. “O que me impressionou logo que nos conhecemos foi a maneira intrigante com que ela, usando o termo em todos os sentidos, provocava você para falar, para ouvir. Isso era forte”, contou o poeta.

A atriz Roberta Estrela D’Alva, que apresentou o sarau de poesia.
A atriz Roberta Estrela D’Alva, que apresentou o sarau de poesia.Walter Craveiro

Se na tenda principal Michel Temer foi pego de raspão, no sarau de poesia organizado na Praça de Matriz de Paraty - para substituir o tradicional show inaugural do evento -, o presidente interino foi atingido em cheio. Apresentado pela atriz Roberta Estrela D’Alva, o encontro reuniu poetas jovens e veteranos, celebrados sempre que se pronunciavam contra Temer, citado diversas vezes na noite. Logo no início da apresentação, a apresentadora foi interrompida com um grito pedindo a saída do peemedebista, ao qual respondeu: “Ah, sim, primeiramente, Fora Temer!”. 

Além de participantes que levantaram cartazes com o mesmo tipo de mensagem, manifestaram-se o poeta Ítalo Moriconi, que declamou seus versos à frente de um telão com a mensagem “Temer Jamais”, e Chacal, expoente da poeta marginal. “Fora Temer, fora Globo, fora Cunha”, disse ele. “Tem muito mais gente para cair fora, mas por enquanto ficamos com esses três”. Outros falaram sobre outros temas do momento, como Mel Duarte, que se manifestou contra a cultura do estupro: “Sou filha da puta/da luta/a mesma que aduba esse solo fértil/a mesma que te pariu”.

Abaixo ao Temer poeta

A primeira mesa desta quinta-feira, sobre poesia e as heranças deixadas por Ana Cristina César, também fez o público vibrar quando a poetisa Laura Liuzzi leu um poema do atual presidente – que também é poeta, com um livro publicado – sem revelar de antemão que o texto era dele.

Por quê?

Por que não paro?

Por que prossigo?

Por que insisto?

Por que lamento?

Por que reclamo?

Por que ajo?

Por que me omito?

Por que desabo?

Por que levanto?

Por que indago?

Por que questiono?

Por que respondo?

Por que este infindável?

Por quê?

Diante do silêncio da plateia ao final da leitura, Liuzzi revelou quem era o autor, e público se desfez em risos e palmas. “O que dá para perceber é que é um poema bem ruim”, disse ela. “O Temer tem tanta legitimidade como poeta como tem como presidente”. Ninguém discordou.

Mel Duarte foi um dos destaques do Sarau da #Flip2016 http://ow.ly/ogyl301NSeE

Posted by Flip - Festa Literária Internacional de Paraty on Thursday, June 30, 2016

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