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Fazendeiros formaram milícia para atacar índios no Mato Grosso do Sul, diz MPF

Procuradoria denuncia 12 pessoas por ataques a indígenas no Estado. Segundo o órgão, nos últimos 10 anos um índio foi morto por ano por conta do conflito

Vídeo gravado pelo CIMI com índios que sobreviveram ao ataque em uma fazenda, no Mato Grosso do Sul.
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Fazendeiros do Mato Grosso do Sul formaram uma milícia privada, que sequestrou e atirou com armas letais contra comunidades indígenas das etnias guarani-kaiowá e guarani-ñandeva. Essa é a conclusão de uma investigação de oito meses feita por uma força-tarefa do Ministério Público Federal que culminou em duas denúncias contra 12 pessoas por esses crimes nesta sexta-feira. A região é palco de um intenso conflito fundiário que coloca de lados opostos índios e proprietários rurais e causou a morte de ao menos um indígena por ano nos últimos dez anos, segundo a Procuradoria. A última delas na terça-feira, quando o indígena Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza foi assassinado.

De acordo com a força-tarefa Avá Guarani, instituída pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, jagunços foram contratados e financiados por proprietários rurais para "violentar e ameaçar as comunidades". A comprovação da atuação dos milicianos foi feita por meio de depoimentos de testemunhas, visitas aos locais dos ataques, fotos e vídeos. O órgão não divulgou os detalhes dos casos, nem quantos foram,porque a investigação corre em segredo de Justiça.

As 12 pessoas são acusadas dos crimes de formação de milícia privada, constrangimento ilegal, incêndio, sequestro e disparo de arma de fogo. Por ter o mesmo modus operandi dos crimes investigados pela força-tarefa, o assassinato de Souza, em Caarapó na última terça, também será monitorado pelo grupo de procuradores. O agente de saúde indígena morreu depois de fazendeiros atacarem indígenas que haviam ocupado a fazenda Yvu dois dias antes. Um vídeo feito pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) mostra o momento em que vários veículos chegaram à área. Os indígenas afirmam que os produtores chegaram atirando e usaram rojões para disfarçar o barulho. José Amando Cerqueira, irmão do dono da fazenda, diz que eles usavam apenas os fogos. 

Cinco indígenas ficaram feridos por tiros de arma de fogo, segundo o hospital que os atendeu. Josiel Benites, de 12 anos, e Jesus de Souza, de 29 anos, foram feridos no abdômen. Vaudilho Garcia, de 26 anos, no tórax. Lubésio Marques, de 43 anos, recebeu três tiros: um no ombro, um no tórax e outro no abdômen. E Norivaldo Mendes, de 28 anos, também foi atingido no tórax.

A fazenda Yvu faz parte de uma área de 55.590 hectares que está em processo de demarcação pelo Governo federal. Um estudo antropológico iniciado em 2007 mostrou que o local pertencia aos guarani, que começaram a ser expulsos da área em 1882 para dar lugar ao cultivo de erva mate. No início do século XX esse processo de expulsão foi intensificado, quando o Governo brasileiro começou a vender as terras para a implementação de fazendas. O problema é que muitos desses locais foram vendidos a proprietários rurais que possuem a titularidade das terras, criando um impasse. Quando identificada como Terra Indígena pelos estudos, o Governo federal tem que desapropriar a área, mas ele só pode indenizar os fazendeiros pelas benfeitorias feitas na terra, como imóveis, por exemplo. O valor do terreno não pode entrar na conta porque reconheceu-se que ele era dos índios antes de ser dos fazendeiros e, portanto, não pode ser comprado.

Diante do impasse, que dura décadas, os índios cansaram de esperar e começaram a realizar as chamadas "retomadas", expressão usada pelos indigenistas para definir a ocupação de uma área que já pertenceu a seus ancestrais. Entram nas fazendas e montam acampamentos improvisados. Muitas vezes, acabam sendo expulsos pelos próprios fazendeiros, muitas vezes com truculência.

O ataque ocorrido na Yvu é similar ao que aconteceu em outra fazenda do município de Antonio João, próximo da fronteira com o Paraguai. Semião Fernandes Vilhalva, um guarani-kaiowá de 24 anos, acabou assassinado com um tiro na cabeça depois que fazendeiros entraram no local para expulsar índios que faziam uma retomada. O Ministério Público Federal denuncia constantemente que mesmo com a intensificação dos conflitos a região é pouco policiada. O Ministério da Justiça não explicou, após questionamento do EL PAÍS, por que a área onde houve o ataque de terça-feira não estava sendo monitorada, já que estava em litígio havia mais de um dia. A Força Nacional foi enviada para o local depois da morte do agente de saúde indígena.  

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