_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Temer inaugura a república evangélica

O fundamentalismo evangélico conta com toda a simpatia do presidente interino Michel Temer

Michel Temer no último dia 02 em Brasília.
Michel Temer no último dia 02 em Brasília. FERNANDO BIZERRA JR (EFE)
Mais informações
A Universal abre seu ‘templo ostentação’
Bancada ‘BBB’ pressiona Temer por estatuto da Família e por direito a posse de armas
Brasil anda para trás com Estatuto da Família
A fé que move montanhas… de votos e milhões
O Tea Party à brasileira
A fé evangélica e a política: aposta à direita traz riscos
Temer tem sua segunda baixa em ministério
Aprovada na Câmara, redução da maioridade penal vai para o Senado
Ofensiva na Câmara para complicar atendimento a vítima de abuso sexual

O PT flertou com os evangélicos ao longo dos mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente afastada Dilma Rousseff. Não fosse o engajamento de pastores e bispos das igrejas pentecostais, provavelmente o partido não teria ganhado quatro eleições seguidas. E para garantir esse apoio, os petistas abriram mão de compromissos históricos, principalmente aqueles relacionados à luta pelos direitos das minorias (mulheres, homossexuais, negros e índios), concentrando esforços na melhoria das condições de vida da população pobre, também público-alvo dos pentecostais. De qualquer maneira, os governos Lula e Dilma, ainda que reféns dos evangélicos, mantiveram uma agenda propositiva no campo social.

No entanto, não bastasse a vexaminosa performance do presidente interino Michel Temer – dois ministros demitidos em apenas 19 dias, por envolvimento com denúncias de corrupção – é em seu governo que os religiosos vêm conquistando espaço inédito na história da República. Segundo registro na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Evangélica – que inclui católicos, protestantes e pentecostais - conta hoje com a participação de 199 membros (39% do total da Casa) e quatro senadores. O primeiro compromisso oficial de Michel Temer, como presidente interino, foi receber alguns membros da bancada evangélica, que o cumprimentaram e oraram por ele.

Temer nomeou para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior o presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB), Marcos Pereira. Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Pereira é homem de confiança de Edir Macedo – foi diretor administrativo e financeiro da TV Record do Rio de Janeiro entre 1995 e 1999, e vice-presidente da Rede Record de Televisão, entre 2003 e 2009. A bancada do PRB conta com 19 deputados federais, entre eles, o controverso Celso Russomanno, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. A igreja de Edir Macedo elegeu sozinha sete deputados federais e um senador, Marcelo Crivella (RJ).

Para o Ministério do Trabalho, o presidente interino convidou o deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Ronaldo Nogueira. Nogueira é pastor da Assembleia de Deus, igreja que possui a maior bancada entre os evangélicos - 19 membros da Câmara dos Deputados estão ligados a ela, além do senador Gladson Camelli (AC), que, embora não pertença aos quadros, elegeu-se com seu apoio. Os membros mais destacados da Assembleia de Deus são os deputados Marco Feliciano (PSC-SP), que em sua rápida passagem pela presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, demonstrou toda a sua homofobia; e as deputadas Cantora Lauriete (PSC-ES), famosa por seu recente casamento com o também evangélico senador Magno Malta (PR-ES) – relação vista com maus olhos pelos seus pares já que ambos são divorciados - e Fátima Pelaes (PMDB-AP).

Fátima Pelaes foi nomeada por Michel Temer secretária de Políticas para as Mulheres, órgão subordinado ao Ministério da Justiça. Ela é investigada pela Justiça Federal por denúncias de envolvimento em um esquema que desviou 4 milhões de reais de verbas do Ministério do Turismo para capacitação de profissionais em seu estado. Além disso, ocupando uma pasta que tem como objetivo implementar políticas destinadas à mulher, Fátima já disse que, por conta de suas convicções religiosas, é contra o aborto (uma reivindicação antiga dos movimentos sociais), mesmo em casos de estupro, direito esse que já é garantido pela legislação.

Finalmente, para líder da bancada governista na Câmara, Temer designou o deputado federal André Moura, que, embora católico, está filiado ao PSC, partido de maioria evangélica, presidido pelo pastor Everaldo Pereira, importante membro da Assembleia de Deus, e que abriga o pré-candidato à Presidência da República, o fascista deputado federal Jair Bolsonaro (RJ). Moura é autor da Proposta de Emenda Constitucional que diminui a idade penal de 18 para 16 anos – aprovada pela Câmara e em análise no Senado – e da proposta que criminaliza quem “induzir ou instigar a gestante” a praticar aborto e dificulta o aborto mesmo em casos de estupro. Moura é homem de total confiança do deputado afastado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) em processo por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O líder do governo na Câmara também é réu em três ações penais no STF sob acusação de desvio de dinheiro público e é investigado em três outros inquéritos por suposta participação em uma tentativa de homicídio e no esquema de corrupção da Petrobras.

O fundamentalismo evangélico – com seu moralismo hipócrita – conta com toda a simpatia do presidente interino Michel Temer. Corremos o risco de, com seu apoio, vermos ruir mesmo aquelas modestas paredes levantadas ao longo das três décadas da nossa débil democracia.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_