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Expedição percorre país para mapear a quase insondável ‘gastronomia brasileira’

Fartura, que acaba de passar por Fortaleza e visitará outras cidades, promove as gastronomia nacional

'Cozinha ao vivo' no Fartura Fortaleza.
'Cozinha ao vivo' no Fartura Fortaleza.Marcelo Rolim

O Brasil é um caldeirão de sabores cuja complexidade a maioria das pessoas – nacionais e estrangeiros – desconhece. Há muito o que experimentar, mas como um brasileiro do Sul pode descobrir o que do Nordeste falta em seu cardápio? Ou então como alguém do centro-oeste chega a suprir as carências do que é abundante no Norte? Não é fácil compartilhar pratos num país de dimensões continentais. Mas essa é uma realidade que o projeto Fartura Gastronomia quer mudar com uma expedição de especialistas que percorre o país há quatro anos para saboreá-lo. E, para compartilhar suas descobertas, eles organizam festivais periódicos de comida e têm já lançados um livro e um documentário.

Foram 68.000 quilômetros percorridos em 240 dias, pelos 26 estados brasileiros e mais o Distrito Federal, experimentando e registrando ingredientes e receitas que compõem a quase insondável gastronomia brasileira. Ao longo do trajeto, que começou em 2012, algumas paradas programadas: festivais de alguns dias de duração, realizados ao longo do ano nas cidades de Porto Alegre, Fortaleza, São Paulo, Belo Horizonte e Tiradentes – cidade histórica mineira que abriga um dos maiores eventos nacionais do gênero (hoje sob direção do Fartura). Em cada um deles, produtores e cozinheiros convidados de várias partes do país oferecem suas especialidades e participam de uma programação de aulas de cozinha. Os interessados escolhem o que desejam comer e aprendem a cozinhar.

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“A ideia, desde o princípio, é mapear, registrar e divulgar a cadeia produtiva de alimentos no Brasil, tirando o peso que há sobre o chef. É essa figura quem normalmente divulga nossa variedade gastronômica, mas faltava uma iniciativa que valorizasse os produtores e que fosse mais acessível às pessoas”, explica o coordenador e curador do projeto, Rusty Marcellini. Na visão desse jornalista mineiro, a valorização da típica cozinha brasileira é algo muito recente, que teve início “há 15 ou 20 anos” e que, para crescer, terá de vencer a resistência de alguns brasileiros a investigar o próprio país. “Muitos, quando podem viajar, vão antes ao exterior. O problema é que muitos pratos só existem em suas regiões, então é preciso se deslocar para conhecê-los”.

A despeito da imensa variedade que encontrou viajando, Rusty vê na mandioca o denominador gastronômico comum ao Brasil. No Festival Fartura Fortaleza, que aconteceu pela segunda vez na capital cearense nos últimos dias 21 e 22 de maio, ela aparecia em formas diversas: nos nachos cearenses do chef Marco Gil, do Quintal Restaurante, feitos de macaxeira orgânica e acompanhados de queijo manteiga e camarões ao vapor, no crepe de tapioca com camarões puxados na manteiga clarificada da chef Liliane Pereira, do restaurante fortalezense O Banquete, e em outras receitas desvendadas nas chamadas cozinhas ao vivo. Mas é a base também do típico pão de queijo mineiro, das farofas que acompanham pratos de todos os dias e de várias sobremesas nacionais – já que dá em várias partes do país.

Produção artesanal de farinha em Cruzeiro do Sul, no Acre.
Produção artesanal de farinha em Cruzeiro do Sul, no Acre.Divulgação

Aproveitar o que a terra dá é o lema da doceira cearense Lia Quinderé, eleita por revistas especializadas a melhor confeiteira do Brasil nos últimos três anos. À frente da Sucré Patisserie, que tem três lojas em Fortaleza, a chef abandonou o trabalho como advogada para estudar na mais famosa escola francesa de gastronomia, Le Cordon Bleu, e dar asas às receitas que fazia de criança com a tia avó. “Minha referência na cozinha é minha família, depois fui estudar na França e incorporei as técnicas de lá. Trabalho ingredientes regionais na técnica francesa”, explica a doceira que faz sucesso, por exemplo, como a deliciosa casquinha de donut com sorvete de caramelo e doce de banana da terra.

Lia é uma das responsáveis pela ida do Festival Fartura a Fortaleza e comemora a iniciativa: “Aqui no Nordeste, quando se fala em gastronomia, normalmente vale mais o olhar de fora. É um presente aproximar outras realidades gastronômicas brasileiras”. Como ela, o público reagiu bem ao evento: foram 8.000 visitantes e mais de 1.000 inscritos nas aulas em dois dias de festival, que ocupou a Praça das Flores, recém restaurada no bairro de Aldeota – para a alegria do prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio Bezerra (PDT), que compareceu à festa. Agora, o festival segue para São Paulo, em junho, Tiradentes, em agosto, e Belo Horizonte, em setembro.

Rodrigo Ferraz, o empresário mineiro que idealizou o projeto, conta que ele seguirá, com nova expedição já marcada para o final do ano. “Nesse novo ciclo que começa, a missão será aprofundar o conteúdo pesquisado e documentado em cada lugar”, anuncia, de olho em mais um documentário e mais um livro sobre os sabores do Brasil que será produzido ao final da viagem. Mesmo diante dos passos cambaleantes da Cultura no Brasil, que hoje está mergulhado em uma crise, Ferraz não teme um possível fim dos subsídios estatais oriundos do MinC que o ajudam a financiar sua iniciativa. “Pode ser que encontremos alguns quebra-molas, como a recente extinção do ministério, já revogada, mas esse caminho de fortalecimento da gastronomia nacional não tem volta”, garante.

Prato do chef Carlos Augusto, durante o jantar 'Expedição Fartura - Piauí', no Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, em 2015.
Prato do chef Carlos Augusto, durante o jantar 'Expedição Fartura - Piauí', no Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, em 2015.Rodrigo Sampaio/Divulgação

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