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Dilma usa áudios da Lava Jato para reforçar defesa do impeachment

Advogados da presidenta afastada colocaram trechos de áudios gravados por Sérgio Machado no documento

Gil Alessi

O ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo entregou ao Senado, nesta quarta-feira, a defesa da presidenta afastada Dilma Rousseff com relação às acusações de crime de responsabilidade fiscal que embasam o processo de impeachment. O documento foi encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa no início da noite, e tem mais de 300 páginas. O texto refuta mais uma vez que as pedaladas fiscais e decretos orçamentários de 2015 sejam crime de responsabilidade, mas a grande novidade em relação às versões apresentadas em etapas anteriores do processo são menções às gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, nas quais os peemedebistas Romero Jucá, Fabiano Silveira e o presidente do Senado, Renan Calheiros, discutem maneiras de colocar freios na Operação Lava Jato. Vários trechos das conversas foram transcritos no documento. A defesa de Dilma crê que as gravações atestam seu argumento de que o impeachment é "um golpe parlamentar" montado para afastá-la como parte de um complô para livrar políticos investigados no esquema de corrupção da Petrobras - Jucá e Renan são citados no caso.

Dilma e Eduardo Suplicy, nesta quarta.
Dilma e Eduardo Suplicy, nesta quarta.R. Stuckert Filho

A nova fase do processo de destituição de Dilma no Senado começa num momento de relativa esperança para a petista. Se ainda tem à sua frente um processo de impeachment que deve ter três votações e se estenderá provavelmente até setembro, o começo titubeante do presidente interino lhe deu um pouco de capital político para tentar reverter alguns votos a favor do impeachment. Nas últimas semanas, ao menos dois parlamentares levantaram a hipótese de mudar o voto com relação ao impeachment da presidenta: Acir Gurgacz (PDT-RO), e Romário Faria (PSB-RJ). O  ex-jogador afirmou que ainda não teve “tempo de avaliar”, “mas ter esses políticos envolvidos na Lava Jato [no Governo] não é interessante para o país”, disse, referindo-se às gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Já Gurgacz teria entregado uma carta à executiva nacional de seu partido anunciando a mudança de posição. Ele nega, e diz que ainda não se decidiu.

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Outros senadores manifestaram descontentamento com os rumos do Governo. Cristovam Buarque (PPS-DF), que votou pela saída de Dilma, criticou abertamente o peemedebista, e disse que “quem votou pelo afastamento de Dilma nem imaginava coisas como estas que se viu nas gravações”. Ele também chamou de “arranjo esdrúxulo” a fusão de ministérios feita pelo peemedebista. Nos bastidores se ventila a possibilidade de um acordo no qual senadores insatisfeitos com o Governo barram o impeachment e, como contrapartida, a presidenta volta ao cargo com o compromisso de convocar novas eleições até o final do ano - possivelmente em outubro. Isso só seria possível caso o Congresso aprove uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o que exige grande número de votos e consequentemente a costura de um grande acordo político para garantir maioria de votos nas duas Casas do Legislativo.

Críticas a Cunha, Itamaraty e a AGU

No documento entregue por Cardoso sobram críticas para o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de ser o grande artífice do impeachment, e para alguns personagens do Governo Temer. "O Governo interino busca, com todas as suas forças (...) vencer a pecha de que é um Governo ilegítimo e golpista, a qualquer preço. Derrotar a tese do 'golpe' passou a ser uma missão estratégica de todos os seus membros". Mais à frente a defesa da presidenta cita indiretamente o ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB): "O Itamaraty agiu orientando seus diplomatas a atuar com rigor para 'desconstituir' a tese do golpe, advertindo os seus membros para que não ousassem expressar outra opinião".

O novo advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, também é alvo de críticas. "A AGU, por sua vez, decidiu criminalizar a tese do golpe (...) determinou a abertura de uma sindicância para apurar e eventualmente 'punir' aqueles causídicos que, no exercício de suas funções, 'ousaram' apresentar esta tese na defesa da Sra. Presidente da República". Cardozo também afirma, na defesa, que a AGU tem agido para dificultar a locomoção de Dilma pelo país "com os recursos inerentes e próprios do cargo que ocupa". "Não se quer que ela ainda mais “propague”, pelo país e pelo mundo, a tese pecaminosa e “subversiva” que a todo custo precisa ser eliminada", diz o texto.

Próximos passos

Nesta quinta-feira, a comissão especial da Casa que analisa o pedido de impeachment da petista se reúne para determinar o cronograma de atividades do colegiado neste momento do processo. Caberá aos parlamentares do colegiado analisar o material enviado pela defesa de Dilma, bem como ouvir testemunhas do caso, para, em 27 de junho, votar novo relatório. Caberá ao relator da comissão, Antonio Anastasia (PSDB-MG), redigir o texto. No primeiro parecer do tucano, votado em maio, ele recomendou o afastamento temporário da presidenta.

Caso o novo relatório seja aprovado na comissão especial, no dia seguinte, 28 de julho, será apresentado ao plenário do Senado, para ser votado no início de agosto. Uma maioria simples (41 de 81) basta para que o processo vá a julgamento ou seja arquivado. Até o momento tudo indica que o bloco de aliados do presidente interino terá os votos necessários para que o caso vá a julgamento. Esta seria a última etapa do processo, na qual Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal e responsável pelo caso, comandaria uma sessão com os senadores – que atuariam como jurados – para decidir definitivamente o destino da presidenta. Ainda não há data oficial para este júri, mas, mantido o cronograma previsto por Anastasia, é possível que ele ocorra em meados de agosto.

Neste julgamento final, para que se confirme o impeachment é preciso o voto de 54 senadores. Na primeira fase, em maio, o afastamento teve o apoio de 55 integrantes da Casa. A margem para manter Dilma fora da presidência é pequena, e o anúncio de Romário e Gurgacz de que irão mudar o voto deixam o desfecho do pleito final em aberto. Resta saber se a base da presidenta – os 22 parlamentares que votaram contra seu afastamento – se manterá, e se os quatro senadores que estiveram ausentes em maio irão se posicionar agora. Entre eles constam três peemedebistas (entre eles o presidente da Casa) e o suplente de Delcídio do Amaral, que teve o mandato cassado. Um deles, Jader Barbalho (PA), por exemplo, é aliado de Rousseff e faltou na votação da admissibilidade, mas conseguiu um ministério para o filho, Helder Barbalho, colocado por Temer na Integração Nacional.

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