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ENTREVISTA I GLAUCO PERES DA SILVA, PROFESSOR DA USP

“Temer está com larga vantagem, mas o tempo joga contra o Planalto”

Cientista político diz que maior desafio é manter cumprir acordos com quem votou pelo impeachment

O professor da USP Glauco Peres da Silva.
O professor da USP Glauco Peres da Silva.Acervo pessoal

Doutor em administração pública e Governo, o economista e professor do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo Glauco Peres da Silva diz que as gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sergio Machado abrem um flanco no Governo Temer por causa de sua extensão e pelo envolvimento de um aliado-chave, Romero Jucá (PMDB-RR). Peres vê como maior desafio de Temer a tarefa de entregar o que prometeu aos senadores que votaram a admissão do impeachment e terão de tomara a decisão definitiva em meados de agosto.

Pergunta. Como a saída de Romero Jucá do ministério do Planejamento interfere na relação do presidente interino Michel Temer com a classe política?

Resposta. O ponto principal para determinar estas consequências depende da averiguação sobre quem vazou o áudio e com que intuito. As possibilidades são muitas e me parece que os interesses são diversos em cada caso. No atual momento, ainda é difícil avaliar a extensão da repercussão. Certamente, tentarão abafar qualquer tipo de repercussão para evitar que o discurso de golpe contra Dilma [Rousseff, a presidente afastada] tome força ou que os apoiadores de Dilma encontrem forças para reassumir o poder.

P. Com a queda de Jucá, a gestão Temer já começa sob a marca da corrupção?

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R. Em princípio, sim, fica marcada. As declarações de Jucá foram bastante fortes e devem ser investigadas. Há muitos aspectos obscuros que merecem investigação. Ele menciona a possibilidade de acordos com o STF, sugere que Marcelo Odebrecht delataria apenas uma parte dos envolvidos, comenta sobre um suposto esquema do Aécio, etc. Estes pontos todos merecem esclarecimentos. Temer agiu rápido com o afastamento de Jucá, mas enquanto não houver esclarecimento sobre pontos como estes a suspeita sobre a extensão dos envolvidos permanece sobre o Governo Temer, dada a proximidade que o presidente interino tem com Jucá.

P. O que significa a volta atrás do Governo Temer que decidiu recriar o Ministério da Cultura?

R. Significa que Temer está preocupado com a imagem de seu Governo em alguma medida, ao ceder às pressões populares. Para ele, há um lado conveniente, na medida em que pode oferecer um novo ministério a algum de seus aliados. Por outro, ele mostra ceder às pressões, inclusive à pressão de reduzir o número de ministérios, algo que não parece ter sido feito com um critério técnico claro. Se houvesse, este poderia ser o argumento que sustentaria a manutenção de sua decisão original.

P. Quais são os grandes desafios da gestão interina de Michel Temer?

R. O maior desafio da gestão interina de Temer é mostrar a seus aliados, aqueles que apoiaram o impeachment, de que ele é capaz de atender aos acordos firmados. Temer traçou diversos acordos com os demais partidos e políticos e terá que mostrar que é capaz de cumpri-los até que o impeachment seja concluído.

P. Alguns analistas entendem que o presidente em exercício montou uma equipe muito voltada para o mundo econômico, mas pesou na mão nas indicações estritamente políticas. O que o senhor achou da composição do ministério dele? É um ministério de notáveis, como ele prometeu?

R. De fato, Temer sinalizou a todos que a recuperação da economia é a sua prioridade. Por um lado, o ambiente econômico deteriorado precisa mesmo ser alvo de grande esforço do governo; por outro, altera sensivelmente a agenda social que vinha sendo implementada, além de substituí-la como o foco central do governo. Seu ministério não cumpriu a promessa de ser um ministério de notáveis. Claramente, o jogo tradicional de alocar nas pastas ministeriais membros de partidos com o objetivo de formar uma base aliada se repetiu, inclusive sem a preocupação de não escolher indivíduos que estejam envolvidos nas investigações da Lava Jato. Não pareceu haver aí critério que focasse primordialmente na capacidade técnica dos indivíduos, mas de acomodar forças políticas no tradicional jogo do presidencialismo de coalizão.

P. O que representa a ausência de mulheres no primeiro escalão?

R. Representa ao menos duas coisas: um retrocesso na luta feminista e das bandeiras de apoio a causa por aquelas que apoiavam a gestão Rousseff; e demonstra que Temer não possui em seu círculo mais próximo mulheres que possam ocupar estes cargos. A defesa de que a escolha foi por mérito sugere que dentre seus interlocutores não há mulheres competentes o suficiente ou dispostas a participar. É um sinal de retrocesso representativo.

P. Qual sinal Temer passa ao nomear 13 congressistas para seus ministérios?

R. Apenas reforça que a escolha destes nomes não se dá pela capacidade técnica, pela busca da formação de um ministério de notáveis, mas, ao contrário, foca na busca pela formação de sua coalizão de apoio no Congresso. As lideranças partidárias no Congresso parecem hoje ter menor capacidade de aglutinar seus partidos e a indicação de congressistas sinaliza na direção da busca de apoio por estes grupos fragmentados de parlamentares.

P. Ter dois presidenciáveis na Esplanada dos Ministérios (José Serra e Henrique Meirelles) seria uma preparação para as eleições de 2018, já que Temer diz que não se candidatará à reeleição?

R. Do ponto de vista de Meirelles e Serra, sim, sem dúvida. A nomeação de ambos pode fazer com que eles repitam a trajetória de Fernando Henrique, principalmente se alcançarem êxito semelhante ao conseguido por FHC no combate da inflação. Se, por exemplo, Meirelles conseguir reverter o cenário econômico atual até 2018, teria condições de lançar-se candidato à presidência com possível capital popular. O destaque que Serra já vem buscando nestes primeiros dias de governo é um sinal na mesma direção. Em termos comparados, Meirelles está numa pasta de muito maior visibilidade e por isso sai na frente.

P. Como é possível implantar no país um projeto político e econômico que foi derrotado nas eleições de 2014?

R. Esta é a principal dificuldade que este projeto terá para ser implantado. Diversos grupos sociais não identificados se manifestarão e criarão resistência, como tem sido até aqui com relação à extinção do Ministério da Cultura, com a ocupação da Funarte em São Paulo, por exemplo. Parcelas da população organizada buscarão criar resistência ao Governo e é difícil prever a extensão de manifestações como estas. A identificação como um governo ilegítimo não é um problema simples de ser superado, ainda mais se o ambiente econômico continuar deteriorado e o político continuar instável. A defesa de que é necessária a adoção de medidas impopulares para a correção da economia não contribui em nada para que o governo conte com o apoio desta parcela da população. A extensão da insatisfação popular deve variar ao longo do tempo e o argumento da ilegitimidade deste governo será lembrado sistematicamente.

P. Na sua opinião, por que Temer indicou o André Moura, um membro do centrão e investigado por vários crimes, para ser o líder do Governo na Câmara?

R. É difícil não supor que haja aí influência de Eduardo Cunha. Não só nesta nomeação, mas na de outros envolvidos em investigações sugere interesses menores, como a proteção destes indivíduos por foros privilegiados ou ainda busca contar com o apoio de Cunha. Mas isto são apenas conjecturas, evidentemente.

P. O deputado afastado Eduardo Cunha disse que não indicou “nem um alfinete” na gestão Temer. Quão verídica é essa afirmação, na sua opinião? Qual a influência que Cunha tem no Planalto e no Congresso?

R. É difícil achar que isto seja verdade. Nomes muito próximos a Cunha tem sido indicados para ocuparem cargos neste governo. Qual a justificativa para a escolha destes nomes? Se Cunha não os indicou, qual a razão para Temer escolher pessoas tão próximas assim? Esta razão é que precisaria ser identificada e até aqui não temos resposta. Cabe a Temer dizer.

P. Quais as chances de Dilma Rousseff retornar à presidência?

R. São baixas. Me parece que o impeachment não concluirá pelo afastamento de Dilma Rousseff apenas no caso de parte daqueles senadores que antes apoiavam a gestão Rousseff e passaram a apoiar o impeachment não receberem o que esperam. É por isto que o tempo hoje joga contra Temer. Ele precisa entregar o que prometeu aos senadores. Por outro lado, Dilma teria de convencer alguns senadores de a sua volta seria capaz de atender as suas demandas, o que é altamente improvável, mas é a sua única esperança. Este é o jogo no Senado agora, e Temer conta com os acessos aos recursos todos. Dependerá de como os utilizará, mas está com larga vantagem.

P. Qual foi o principal erro de Rousseff que resultou no seu afastamento?

R. Acho que há uma série de equívocos. O primeiro é sua incapacidade de articular politicamente o apoio no Congresso de forma ampla. O segundo foi não contar com o apoio do seu próprio partido em diversos momentos críticos, o que acabou por deteriorar ainda mais a sua relação com os demais partidos e a opinião pública. Além disto, a incapacidade de assimilar as críticas da opinião pública a certas decisões, notadamente na condução da economia, acentuou ainda mais a indisposição ao governo. Por fim, a proximidade de sua imagem com a de Lula e as denúncias que envolveram o nome do ex-presidente tornaram custoso o apoio ao governo petista.

P. A defesa de Rousseff se centrou muito no que considera a ausência de crimes de responsabilidade nas pedaladas e nos decretos pelos quais é acusada, mas os argumentos não tem tido muito êxito. Haveria alguma outra defesa capaz de evitar sua queda?

R. O impeachment possui uma dupla dinâmica: uma jurídica e outra política. Do ponto de vista jurídico, entendo que não havia outra alternativa para a defesa de Rousseff. Do ponto de vista político, sim, o Governo Dilma se fosse mais hábil e principalmente, se conseguisse compor com Cunha de alguma forma, teria evitado a sua queda. Cunha foi personagem central no encaminhamento do processo todo e houve claramente dificuldade de Dilma em conseguir contar com seu apoio. Ao contrário, toda a sua movimentação foi no sentido de enfraquecer Cunha, o que não foi feito com êxito.

P. Qual será o futuro do PT depois desse impeachment?

R. É difícil prever. Possivelmente, o PT encampará um discurso vitimista de que foi perseguido e sofreu um golpe. Este discurso deve funcionar para parcela da população. Mas, para além disto, seria preciso que novas lideranças dentro do partido surgissem e reorganizassem a militância em torno de um novo projeto. A "nova esquerda" precisaria encontrar espaço dentro do partido para que o próprio PT se beneficiasse. Neste sentido, um processo de autocrítica seria muito importante, mas parece bastante distante de acontecer, ao menos publicamente. Por outro lado, a existência de uma militância tradicional e organizada e o espaço que o partido ocupa como representante da esquerda são ativos que o partido ainda possui. Não podemos desprezar estes elementos, mas não se sabe se serão suficientes para reerguer o partido em curto espaço de tempo.

P. O impeachment resolve a crise política? E a econômica?

R. Creio que a resposta é não para as duas. A crise econômica será superada após decisões bastante impopulares e difíceis, que passam pela redução dos gastos públicos. Soma-se a isto o fato de que a reversão da economia não será imediata. Ambos fatores respingam no contexto político. Além da influência das questões econômicas, o ambiente político continuará a ser minado pelas denúncias da Lava Jato. Salvo os políticos consigam sustentar um discurso de que o Governo atual esta isento destas denúncias, o que me parece praticamente impossível dada a composição ministerial, a instabilidade continuará. Ela deve diminuir parcialmente porque a virulência das denúncias que se dirigiam ao PT se reduzirá. Mas ainda assim, continuarão a aparecer. A Lava Jato foi apresentada como a ponte para a eliminação da corrupção da política nacional. No atual momento, sua continuidade e o possível envolvimento de membros que hoje estão no Governo, como Romero Jucá, manterá ainda a crise política.

P. Como as eleições municipais deste ano interferirão no pleito de 2018? Elas são o filtro para saber o tamanho real de cada legenda?

R. Servirão de balizador da imagem dos partidos principalmente do PT frente ao eleitorado. A opinião pública está bastante insatisfeita com a atuação de seus representantes e esta será a primeira eleição depois de 2014, quando ocorre a disputa acirrada para a presidência da República. Acho que teremos condições de identificar a capacidade dos partidos se reorganizarem para buscar o apoio popular e como o eleitor responderá a isto. Será um primeiro teste após o período de instabilidade, sem que este tenha terminado. O esperado é que nomes de fora da política consigam algum destaque maior, embora isto não seja desejado. Por outro lado, também é esperado que partidos menos tradicionais encontrem algum espaço.

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