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Sobreviventes de Hiroshima a Obama: “Não queremos desculpas, mas sim a desnuclearização”

A opinião dos que sobreviveram aos bombardeios é majoritária entre os japoneses: 78,3% consideram desnecessário que Obama peça desculpas

Sobreviventes da bomba atômica em Hiroshima.
Sobreviventes da bomba atômica em Hiroshima.JOHANNES EISELE (AFP)
Macarena Vidal Liy
Hiroshima (Japão) -

“Não é preciso que Obama se desculpe. O fato de vir, e que saiba o que aconteceu, já é importante. Todos os líderes do mundo com capacidade de declarar uma guerra deveriam passar por Hiroshima”. Shozo Kawamoto tem 82 anos e uma vida de cão nas suas costas. Em 6 de agosto de 1945, quando mal havia completado 11 anos, o bombardeiro Enola Gay, um B-52 norte-americano, lançou a primeira bomba atômica contra a sua cidade. Seus pais e quase todos os seus irmãos morreram imediatamente. Sua irmã mais velha, a única que restou, faleceu de leucemia seis meses depois. Sem ninguém para lhe cuidar, virou menino de rua. Inevitavelmente, acabou caindo nas mãos da máfia japonesa, a yakuza.

Kawamoto nunca pôde se casar. Como sobrevivente da bomba, estava estigmatizado por seus compatriotas, que temiam anomalias genéticas em descendentes de pessoas expostas à radiação. Na juventude, conta, apaixonou-se perdidamente e foi correspondido, mas o pai da garota vetou taxativamente qualquer possibilidade de casamento quando soube de onde o noivo provinha. Sem educação além do ensino primário, precisou começar de novo, de baixo, quando finalmente rompeu seus laços com a yakuza e quis iniciar uma nova vida.

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Mas, apesar dessa existência infeliz, diz não guardar rancor dos Estados Unidos, o país que lançou a bomba que revirou sua vida. Tampouco exige um pedido de desculpas do presidente Barack Obama, que fez história nesta sexta-feira, ao se tornar o primeiro governante norte-americano a visitar Hiroshima durante seu mandato.

“Para começar, ele nem tinha nascido quando aconteceu aquilo. E, se todos nos dedicássemos a trocar recriminações e exigíssemos desculpas o tempo todo, nunca poderíamos alcançar a paz. E a paz é o mais importante”, diz o idoso, sentado no parque dedicado à memória das 140.000 vítimas daquela bomba. Outras 60.000 perderam a vida em Nagasaki, alvo da segunda bomba, lançada em 9 de agosto de 1945.

A opinião de Kawamoto parece majoritária entre os hibakusha (sobreviventes das bombas). Também, segundo uma recente pesquisa da agência Kyodo, entre o total da população japonesa: 78,3% dos nipônicos consideram desnecessário que Obama peça desculpas.

“Depois que a bomba caiu, naturalmente eu odiava os norte-americanos. Mas agora não. O Japão virou a página, crescemos. O que queremos é lhe dar as boas-vindas”, afirma a senhora Watarida, de 89 anos, que ainda se lembra de como foi identificado o cadáver da sua irmã mais nova, no dia seguinte ao bombardeio: por causa das roupas que ela mesma havia costurado.

Se por um lado os japoneses não pediram, Obama, por outro, deixou claro a quem quis ouvir que não se desculpará. Seu objetivo é “homenagear todos os que morreram na Segunda Guerra Mundial”, insistiu.

Nos Estados Unidos, é majoritária a opinião de que a bomba antecipou o fim da guerra e, portanto, acabou salvando vidas. Obama não quer, em hipótese alguma, fazer qualquer gesto que possa ser interpretado como menosprezo aos veteranos. Nem, em pleno frenesi eleitoral norte-americano, abrir um debate que poderia favorecer àqueles que o acusam de ter transformado sua política externa – com a aproximação com Cuba e o Vietnã, que também visitou esta semana – numa “turnê mundial de desculpas”.

Por isso, a visita de Obama foi brevíssima, menos de duas horas. Antes do desembarque, assessores diziam que, se o tempo permitisse, ele iria até a chamada Cúpula Atômica, o edifício em ruínas que se transformou em símbolo do desastre. Numa cerimônia muito curta, e diante de um reduzido número de pessoas – incluindo pelo menos três hibakusha –, depositou uma coroa de flores no mausoléu do Parque Memorial da Paz, onde repousam as cinzas de milhares de vítimas, e pronunciou um breve discurso. Tudo isso separado do público por cercas altas.

O que os sobreviventes de fato exigem de Obama é que cumpra outro dos objetivos da sua visita: dar um novo impulso à proposta de um mundo sem armas nucleares, conforme expôs o presidente em um discurso ainda no início da sua presidência, em 2009, em Praga.

A própria Casa Branca admite que “ainda resta muito por fazer”. Obama argumenta que “não esperava conseguir isso ao longo do meu mandato, nem sequer ao longo de minha vida”, e inclui entre seus avanços a assinatura de um novo tratado START, de redução de arsenais nucleares, com a Rússia, ocorrido no seu primeiro mandato, e a realização de cúpulas nucleares regulares.

“Não bastam as reduções. Com algumas poucas bombas pode-se destruir o mundo inteiro”, opina Keiko Ogura, que tinha 8 anos e morava na periferia de Hiroshima quando a bomba caiu. “Ainda lhe restam alguns meses no cargo, e ele já não precisa mais se preocupar se será ou não reeleito. Agora, pode se permitir. Esta visita pode significar um primeiro passo, e que ao voltar a Washington continue trabalhando para eliminar as armas nucleares. Seria uma maneira fantástica de concluir sua presidência.”

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