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Greve contra reforma trabalhista na França provoca falta de combustível

Novos protestos se estendem às centrais nucleares e ameaçam com cortes de luz

Dois sindicalistas em Havre (oeste da França).Foto: atlas | Vídeo: RAPHAEL SATTER (AP) / ATLAS
Carlos Yárnoz

A França enfrenta nesta quinta-feira mais um dia de manifestações e paralisações dentro da mobilização sindical contra a reforma trabalhista, que já afeta gravemente a vida cotidiana da população. Com a escassez de combustível em mais de 4.000 postos, portos e refinarias bloqueados e uma ameaça de paralisação das atividades das centrais nucleares, as principais centrais sindicais voltam às ruas em todo o país em plena escalada da tensão com o governo. Para o Executivo, trata-se de uma minoria que, com esses bloqueios, coloca em risco “de forma ilegal” a atividade produtiva do país, razão pela qual anuncia que reagirá com “muita firmeza”.

Caminhoneiros, ferroviários, controladores de voo e funcionários do setor de energia são os que mais têm sido chamados por seus sindicatos a participar dos protestos e manifestações desta quinta-feira. Mais de um terço dos trens não efetuarão os seus percursos; calcula-se, também, que 15% dos voos previstos não serão realizados. Nesta quarta-feira, assembleias decidiram por paralisações e greves nas 19 centrais nucleares, que são responsáveis pelo fornecimento de 75% da produção elétrica do país.

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Desde a madrugada, do norte ao sul da França, trabalhadores bloquearam estradas e portos em Nantes, Rennes, Cherbourg, Brest e Havre. Em Paris, centenas de caminhões provocaram engarrafamentos de automóveis de dezenas de quilômetros na via marginal da cidade.

Ao meio-dia, dezenas de manifestações se desencadearam em cidades de todo o país. Philippe Martinez, principal dirigente da CGT, encabeça, em Paris, o maior protesto do dia. Sua organização, a maior da França, com mais de 600.000 filiados, afirma estar disposta a “bloquear a França” para forçar o Executivo a retirar o projeto de lei. “Não queremos negociá-lo, mas sim que ele seja simplesmente retirado”, acrescenta Jean-Claude Mailly, dirigente da terceira maior central sindical, a Força Operária.

O Executivo, que baixou a reforma por decreto em sua passagem pela Assembleia Nacional, também não se mostra disposto a ceder. Na quarta-feira, o líder do grupo socialista, do Governo, Bruno Le Roux, declarou que há possibilidade de um diálogo sobre o ponto visto como o mais polêmico da reforma: a prevalência dos acordos por empresa em relação aos assinados por categoria. O primeiro-ministro, Manuel Valls, corrigiu-o, no entanto, imediatamente: “Nem retirada nem concessões”, afirmou o chefe do Executivo. “Não é a CGT que faz as leis na França”.

Em entrevista à rede BFMTV, Valls insistiu, nesta quinta-feira, em que não haverá mudanças importantes. “Uma alteração de rumo não está colocada”, mas apenas, no máximo, algumas “melhorias e modificações” ao longo da tramitação parlamentar, até que a reforma seja aprovada definitivamente, em julho. O texto já foi modificado, com a introdução de 600 das quase 5.000 emendas apresentadas. Para o chefe do Governo, a resistência à reforma mostra, mais uma vez, que “este país está morrendo por causa de seu conservadorismo”, tanto da esquerda quanto da direita.

Sem jornais nas bancas

A greve também impediu a chegada da maioria dos jornais às bancas, algo que já havia acontecido nas paralisações anteriores, em 31 de março e em 28 de abril.

A CGT havia exigido a publicação de um artigo contrário à reforma trabalhista assinado por Philippe Martinez, principal dirigente da central, a mais atuante no atual confronto, que já dura um trimestre inteiro. O jornal de esquerdaL'Humanité, que publicou o texto, foi distribuído para as bancas.

“Esta terceira ausência de distribuição, tal como as duas anteriores, não está relacionada a nenhuma situação específica dos nossos jornais, nossas rotativas e gráficas. Nossos leitores são as vítimas de um conflito puramente político entre a CGT e o Governo”, acusa o sindicato dos jornais diários nacionais (SPQN).

A polícia desbloqueou duas das seis refinarias —há oito delas na França— que os sindicatos mantinham isoladas, assim como 11 dos 92 depósitos de combustíveis existentes. O maior risco para a atividade econômica se concentra agora nas 19 centrais nucleares, que, com seus 58 reatores, produzem 75% da eletricidade no país. Por iniciativa da CGT, os funcionários da central de Nogent-sur-Seine foram os primeiros a aprovar a greve, no que foram seguidos imediatamente por seus colegas das demais centrais.

A rede de distribuição não descarta uma potencial necessidade de realizar cortes no fornecimento. Em vários departamentos do país, os prefeitos têm decretado a limitação da venda de gasolina a 20 litros por habitante e proibiram que se encham garrafas ou garrafões nos postos. Pela primeira vez em seis anos, o Governo foi obrigado a recorrer à reserva estratégica de combustíveis, ao mesmo tempo em que procura acalmar a população afirmando que há gasolina suficiente para mais de três meses de consumo.

Para Valls, todo esse caos é provocado por uma minoria, a CGT, que tem perdido enormes contingentes de militantes nos últimos anos —chegou a ter dois milhões deles— devido a uma crise de credibilidade entre os trabalhadores. Os problemas causados pelas suas mobilizações para a população podem se voltar contra a própria central sindical. Anuncia-se que as paralisações e greves serão ainda maiores no mês de junho, em meio à realização, no país, da Eurocopa de futebol. Até o momento, os franceses têm apoiado os protestos: 62%, segundo pesquisa divulgada pela rádio RTL. “Respeito essa organização e a sua história, mas não a sua inaceitável radicalização”, afirmou Valls, nesta quarta-feira, no Parlamento.

Novo dia de protestos suspende 15% dos voos e um terço das viagens de trem

A direita, sob a liderança de Nicolas Sarkozy, defende que os salários dos trabalhadores que bloqueiam centros de produção sejam cortados e que eles sejam lavados à Justiça. A legislação prevê penas de até cinco anos de prisão. O partido de Sarkozy, os Republicanos, cobra do Governo que este utilize a força a fim de não permitir que nenhuma refinaria seja bloqueada.

A um ano das eleições presidenciais, em meio a tamanha tensão, o presidente François Hollande conheceu um pequeno respiro nesta semana. O desemprego voltou a cair em abril (em 19.900 pessoas), depois de uma queda já registrada em março (menos 60.000 desempregados). Essa tendência facilita o caminho para uma candidatura de Hollande à reeleição, pois o presidente, que está muito mal nas pesquisas, havia dito que só se reapresentaria se houvesse uma diminuição do desemprego, que se encontra hoje um pouco acima dos 10%.

Registrou-se, também, um duplo consolo para o Governo: o movimento dos indignados da praça da República, em Paris, empalidece diante dessa enorme mobilização sindical e o grande sindicato reformista CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho) defendeu publicamente que a reforma trabalhista não seja retirada. Em muitos importantes centros de trabalho, a CFDT disputa a primazia com a CGT, que, com esta onda de mobilizações, procura resgatar boa parte das forças que perdeu nos últimos anos.

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